O que muda com a nova Lei Federal de Regularização Fundiária (13.465/2017)?

A nova lei de regularização fundiária urbana e rural, sancionada no último dia 11, traz muitas mudanças ao empreendedor imobiliário. Uma das mais importantes é o artigo 58, que regulamenta o condomínio de lotes. Até então, os chamados “condomínios fechados” só existiam em duas formas:

  • um loteamento comum que é informalmente fechado e administrado por associações de moradores. São os casos dos loteamentos fechados onde a unidade negociada é o lote e cada comprador constrói sua casa com projeto próprio;
  • um condomínio de casas, onde a unidade negociada é uma casa construída pelo empreendedor de forma padronizada (caso da lei de Vilas de São Paulo).

A nova lei permite que a fração ideal de cada condômino poderá ser proporcional à área do solo de cada unidade autônoma, ao respectivo potencial construtivo ou a outros critérios indicados no ato de instituição. Aplica-se, no que couber, ao condomínio de lotes o disposto sobre condomínio edilício, respeitada a legislação urbanística. Para fins de incorporação imobiliária, a implantação de toda a infraestrutura ficará a cargo do empreendedor.

A lei criou também a Regularização Fundiária Urbana de Interesse Específico (Reurb-E) – regularização fundiária aplicável aos núcleos urbanos informais ocupados por população não caracterizada como de interesse social. Isto permite a regularização de loteamentos fechados existentes.

Um dos itens mais polêmicos da lei é o Direito Real de Laje: O proprietário de uma construção-base poderá ceder a superfície superior ou inferior de sua construção a fim de que o titular da laje mantenha unidade distinta daquela originalmente construída sobre o solo. O direito real de laje contempla o espaço aéreo ou o subsolo de terrenos públicos ou privados, tomados em projeção vertical, como unidade imobiliária autônoma, não contemplando as demais áreas edificadas ou não pertencentes ao proprietário da construção-base. Os titulares da laje, unidade imobiliária autônoma constituída em matrícula própria, poderão dela usar, gozar e dispor, mas não implica a atribuição de fração ideal de terreno ao titular da laje ou a participação proporcional em áreas já edificadas. O titular da laje poderá ceder a superfície de sua construção para a instituição de um sucessivo direito real de laje, desde que haja autorização expressa dos titulares da construção-base e das demais lajes, respeitadas as posturas edilícias e urbanísticas vigentes.

É expressamente vedado ao titular da laje prejudicar com obras novas ou com falta de reparação a segurança, a linha arquitetônica ou o arranjo estético do edifício, observadas as posturas previstas em legislação local. Sem prejuízo, no que couber, das normas aplicáveis aos condomínios edilícios, para fins do direito real de laje, as despesas necessárias à conservação e fruição das partes que sirvam a todo o edifício e ao pagamento de serviços de interesse comum serão partilhadas entre o proprietário da construção-base e o titular da laje, na proporção que venha a ser estipulada em contrato. A lei considera como partes que servem a todo o edifício (como redigido no texto oficial): os alicerces, colunas, pilares, paredes-mestras e todas as partes restantes que constituam a estrutura do prédio; o telhado ou os terraços de cobertura, ainda que destinados ao uso exclusivo do titular da laje; as instalações gerais de água, esgoto, eletricidade, aquecimento, ar condicionado, gás, comunicações e semelhantes que sirvam a todo o edifício; em geral, as coisas que sejam afetadas ao uso de todo o edifício. A ruína da construção-base implica extinção do direito real de laje.

Outra novidade da lei é a regularização da propriedade fiduciária do Fundo de Arrendamento Residencial (FAR), fundo de origem de recursos para a faixa mais básica do Programa Minha Casa Minha Vida (MCMV). Os beneficiários de operações do PMCMV, com recursos advindos da integralização de cotas no FAR, obrigam-se a ocupar os imóveis adquiridos, em até trinta dias, a contar da assinatura do contrato de compra e venda com cláusula de alienação fiduciária em garantia, firmado com o FAR.

(O trecho abaixo vem de um resumo pessoal do ciclo de debates realizado no Secovi/SP entre outubro e dezembro de 2017. As apresentações foram feitas por Lair Krahenbuhl que há dez anos vem coordenando o Projeto Cidade legal no Estado de São Paulo, Renato Góes e Pedro Cortez.)

[Renato Góes, 02/10/17]

A nova lei, sancionada em 11 de julho de 2017, veio de uma necessidade trazida por novos tempos, com novos princípios, ressaltando a figura preponderante do município. Uma demanda enorme motivou a nova lei, uma vez que a lei anterior nem sequer amenizaria o quadro agravado de nossas cidades. O projeto de lei teve origem com a Medida Provisória 759, a partir da qual se chegou num projeto possível, ainda que não o ideal.

Apesar de recente, já produz efeitos sensíveis em São Paulo (capital), Guarujá, Manaus e vários outros municípios brasileiros. Atualmente, aproximadamente 50% dos domicílios urbanos no país não possuem documentação. Dados da Unicamp mostram que em Campinas este número é de 55%, comprovando que o problema não se restringe a municípios com poucos recursos.

Conforme prevê a Constituição Federal de 1988, a competência legislativa para o assunto é da União para as Regras Gerais (Art. 24), do Estado e Municípios para normas suplementares (Art. 24 e 30). A competência administrativa ou material recai sobre o município, em promover o adequado ordenamento territorial.

Marcos Legais Nacionais

  1. 6.766/79: quem aprova o loteamento passa a ser o município. Deu visibilidade ao problema da regularização fundiária. Entretanto, mesmo prevendo a pena máxima brasileira (prisão) para o promotor do loteamento clandestino ou irregular, não mudou em quase nada a realidade urbana nacional. Na época, o Brasil tinha 60 milhões de habitantes, uma realidade muito diferente da atual com 200 milhões de brasileiros mais concentrados nas cidades.
  2. MP 459, que virou a Lei Federal 11.977/2009
  3. MP 759, de dezembro de 2016. Tinha pouca aplicabilidade, o processo legislativo a evoluiu para a nova lei, mais efetiva.
  4. Lei Federal 13.465/2017, a qual está sendo chamada de Estatuto Fundiário Brasileiro

A nova lei tomou por base a realidade de nosso país, em especial:

  • Loteamentos fechados de acesso controlado
  • Condomínio urbano simples de casas
  • Direito real de laje (bastante questionável na minha opinião, como ressaltei acima)

Os princípios da Lei 11.977/2009 foram absorvidos pela lei 13.456/2017, e ampliados – eram cinco, viraram 12. Pela nova Lei, ficou oficial que a regularização fundiária vai muito além de dar um título ao morador. A nova Lei também empodera o cidadão, o incentiva a cobrar o gestor público, pois ao dar o título, dá poder.

A função social da cidade, prevista no Constituição Federal, vai muito além da ReUrb-S (Social), atingirá toda a cidade (todos os estratos). Também prev~e que regularizar pode significar REMOVER. Nem sempre a regularização mais adequada será deixar onde está. Considera também o princípio da EFICIÊNCIA no uso da terra (eficiência na ocupação do uso do solo). E mantém o título à mulher, preferencialmente.

ATRIBUIÇÕES MUNICIPAIS

Art. 12: Aprovar / licenciar (conteúdo, abrangência e capacidade)
Art. 18: Instituir ZEIS
Art. 30: Classificar modalidades de ReUrb
Art. 30: Processar, analisar e aprovar projetos
Art. 30: Emitir CRF
Art. 31: Proceder buscas tabulares
Art. 31: Notificar proprietários e confrontantes
Art. 33: Custear projetos e implantação de infraestrutura (ReUrb-S e ReUrb-E de áreas públicas)
Art. 34: Criar câmaras de prevenção e resolução de conflitos
Art. 34: Celebrar convênios com CEJUSC
Art. 36, parágrafo 1º., V: Definir infraestrutura complementar
Art. 36, parágrafo 6º.: definir requisitos para elaboração de projeto (desenhos, memoriais, cronograma)
Art. 11, parágrafo 1º.: dispensar parâmetros urbanísticos

A Regularização Fundiária possui profundos efeitos no desenvolvimento econômico do país (lembro aqui que a habitação faz parte da componente de Investimento, e não de Consumo das famílias no cálculo do PIB).

[Pedro Cortez]

Novas exigências trazidas pela atualidade dos problemas trouxeram a necessidade de novos princípios e novos instrumentos jurídicos adequados ao retrato atual, tais como:

1. Direito de laje
2. Condomínios simples de casas
3. Condomínios de lotes
4. Loteamentos de acesso controlado

A insuficiência da lei anterior levou à criação de, entre outros, CRF e Legitimação Fundiária. Também reafirmou a competência preponderante do Município para a disciplina de uso e ocupação do solo.

A nova lei também trata da notificação de confrontantes com o objetivo de evitar contestações posteriores e, de imediato, dar o título de propriedade.

A Regularização Fundiária urbana foi tratada no Art. 10, e o núcleo urbano para ReUrb está no Art. 11. neste último caso, define a destinação a partir de características urbanas e de uso de fato da terra.

Além do que foi citado até aqui, a Lei 13.465/17 também traz novos conceitos, tais como:

Demarcação Urbanística
Certidão de Regularidade Fundiária (CRF)
Legitimação de Posse
Legitimação Fundiária
Ocupante

Também considera que a Regularização Fundiária é uma aquisição originária (a falta desta definição costumava trazer complicações em muitos casos por todo o país).

 

[Renato Góes, 16/10/17]

Procedimentos Administrativos Gerais

– Requerimento dos legitimados
– Processamento
– Elaboração do Plano de Regularização Fundiária
– Saneamento de procedimento
– Decisão de Publicidade
– CRF
– Registro

Pela nova Lei 13.465/17, a Regularização fundiária INDEPENDE de Lei Municipal específica, uma vez que delimita todo o caminho a ser percorrido pelo agente público municipal.

Frente ao requerimento, o poder público municipal defere ou indefere FUNDAMENTADAMENTE, uma evolução que obriga a municipalidade a se posicionar sobre a solicitação dos cidadãos em forma de sociedade civil organizada. A partir do recebimento, o município tem 180 dias para análise e classificação (S ou E).

Entre outras atividades regradas, estão:

– Busca Registral (identificação dos proprietários e confinantes)
– Notificações (Edital, Conciliações, Demarcação)
– Plano de Regularização (estudos, projetos, assembleias, reuniões, cadastros, etc.)
– Arrecadação
– Decisão com Publiciddade
– CRF
– Registro

A prefeitura, quando inicia o processo, arca com todos os custos e recursos necessários. A Lei 13.465 prevê punição para o município desidioso (que não atender no prazo) com a classificação automática como de Interesse Social (nos termos do requerido). Isso não impede o município de postergar a regularização para um segundo momento em função de suas limitações.

(Ainda assim, observe que, de forma geral, a Lei pretende dificultar a vida daquelas prefeituras que “seguram” a regularização fundiária a conta-gotas como moeda de troca eleitoral político-partidária, dando maior poder aos cidadãos de forma organizada.)

A promulgação de Leis Municipais pode criar riscos adicionais de “engessamento” (algumas vezes, proposital…). Buscando contornar este problema, a nova lei definiu que quando a União provocar o Município, aquela classificará a ReUrb. Por simetria, previu também que quando o Estado provocar o Município, aquele fará a classificação. Isto cria outro risco, pois as esferas superiores da administração pública não conhecem a realidade do bairro tão profundamente quanto o município.

O Município tem competência também para a análise registral (exceto se declarar não ter os recursos necessários e delegar ao Oficial de Registro de Imóveis).

Durante o processo de Regularização Fundiária de interesse social, se o ORI for oficiado pela prefeitura (pelo processo de regularização fundiária), o Oficial não poderá cobrar pelas certidões.

A partir de agora, a lei define também que as intimações vão ao endereço informado na matrícula, acabando com as devoluções de Oficiais por desconhecimento do endereço do intimado. A publicação do Edital pode ser usada para TODAS as situações (não apenas para recusado, não encontrado, etc.). Trata-se de decisão com ampla publicidade , pois a transparência e lisura, além de obrigatórias, devem fortalecer o processo.

O Município poderá fazer uso de Arbitragem para conciliações. Há ainda o risco da Impugnação Infundada, que esta lei ainda não supera, o Município terá que lidar com casos assim por outros caminhos. O palestrante sugeriu como solução, delegar aos Registradores Imobiliários.

 

Demarcação Urbanística

O Estatuto da Cidade (Lei Federal 10.257/2001) já previa a demarcação urbanística como instrumento de política urbana.

A MP 459/2009 regrou a utilização da demarcação urbanística para fins de regularização fundiária, e colocou como obrigatória para:

a) Ausência de matrícula
b) Várias matrículas
c) Precariedade de descrição na matrícula
d) Titular por legitimação de posse

A lei 13.465 tornou este uso facultativo (não mais obrigatório) ao Município.

 

Arrecadação de Imóveis Abandonados

– Art. 589, Código Civil de 1916: o imóvel ia para o Estado.
– Art. 1275, Código Civil de 2002: o imóvel vai para o Município.
– O imóvel tem que estar SEM POSSE (regra foi pensada para o terreno baldio descuidado).

O procedimento administrativo municipal é a presunção de abandono para, por exemplo, imóveis que estão há 5 anos sem pagar IPTU. O imóvel é destinado então a usos urbanos deficitários (o que for mais necessário na região em que se encontra). Após 3 anos de posse mansa (sem contestação por parte do proprietário), se consolida como bem público. Aqui entra uma inovação muito interessante: se o proprietário, durante estes 3 anos, quiser o imóvel de volta, terá que INDENIZAR O MUNICÍPIO por todas as benfeitorias já realizadas sobre o mesmo. O artifício visa desestimular a reversão da posse pelo equipamento público.

 

Legitimação de Posse

Trata-se da titulação em si. A figura jurídica nasceu na Lei de Terras (1850), portanto não é novidade. A MP 459/2009 usou para fins de Regularização Fundiária Urbana, com objetivos de interesse social, e com área máxima de 250m² para não se confundir com a usucapião especial prevista no Estatuto da Cidade (Lei Federal 10.257/2001).

A MP 514/2010 trouxe alterações como a exclusão do limite de área, resolveu o problema dos condomínios de posse outorgando o direito ao titular de domínio ou fração (legitimou dando posse a quem já era dono de fato).

O Estatuto da Cidade teve trechos (Legitimação de Posse e Demarcação Urbanística) alterados pelas Medidas Provisórias 514 e 459, derrubando a tese de que MP não tem força para alterar Lei Federal.

A Lei 13.465/2017 traz também a possibilidade de usucapião administrativa, dada e reconhecida pelo poder público municipal. Só pode ser utilizada dentro da ReUrb (núcleos objeto da regularização fundiária), enquanto bem privado (usucapião não pode ser utilizada para bens públicos), e converte automaticamente a posse em propriedade (reduz burocracia, agiliza o processo, empodera o cidadão e, obviamente, irrita as prefeituras que “vendem” a regularização a conta-gotas como moeda político-eleitoreira).

 

Legitimação Fundiária

Esta é uma das maiores inovações desta lei. As vantagens são:

a) Cabe para bens públicos ou privados
b) Reconhece a propriedade
c) Forma originária
d) ReUrb-S ou ReUrb-E
e) ReUrb-E de bem público: onerosa (Art. 16)

A ReUrb-S tem requisitos, e é gratuita. A ReUrb-E não possui requisitos e é onerosa.

 

[23/10/2017]

O quarto dia de debates retomou o conceito dos instrumentos trazidos pela nova lei 13.465/17:

  1. ReUrb-S e ReUrb-E
  2. Ato único de registro
  3. Legitimação de posse
  4. Condomínios de lotes
  5. Loteamento de acesso controlado
  6. Gratuidade do registro (interesse social)
  7. Legitimação fundiária
  8. Direito real de laje
  9. Condomínios urbanos simples
  10. Arrecadação de imóveis

A antiga lei (11.977) considerava assentamento irregular apenas o parcelamento irregular ou clandestino. As demais situações não eram abrangidas, e muitos condomínios não conseguiam se regularizar por não serem parcelamentos informais. A nova lei trouxe o conceito de “núcleo urbano informal”, o qual incluiu tipos que antes não eram amparados de forma alguma e ficavam sem saída jurídica.

Também eram prejudicados os assentamentos de interesse social, pois para serem assim categorizados precisavam cumprir quatro exigências mínimas:

  1. Estar em ZEIS
  2. Estar ocupado há mais de 5 anos (ocupação mansa e pacífica)
  3. Atender aos requisitos da usucapião
  4. Ter densidade superior a 50 habitantes/hectare

Esta última exigência, por exemplo, inviabilizava a regularização na Amazônia Legal, onde o lote de interesse social tem 1.000m² (0,1 hectare), e nunca atingiria a densidade exigida pela lei. Dos mais de 5.500 municípios brasileiros, cerca de 74% possuem menos de 20.000 habitantes, tendendo a baixas densidades demográficas.

A nova lei soluciona este problema deixando a cargo do município definir o status de interesse social pela condição socioeconômico da população. E não deve passar de 5 salários mínimos de renda mensal familiar (exigência que sairá no decreto).

 

Legitimação Fundiária

A lei definiu a regularização enquanto aquisição originária, situação que não constitui fato gerador para a tributação da regularização fundiária. Mas a limita enquanto aquisição pretérita (não vale para aquisições futuras).

A aquisição originária difere da usucapião, vantagem que a permite incidir também sobre áreas públicas. Com isso, a nova lei permite investimento público em áreas particulares (antes a legislação não permitia, e a população carente em áreas particulares ficavam sem a infraestrutura que o poder público tinha condições de oferecer). O Estado era IMPEDIDO de prover a infra para aquela população.

Os custos do registro eram dificultadores (ITBI, emolumentos, taxas, etc.). Com a nova lei vigente, sendo aquisição originária, já se abre a matrícula com a área afetada pela regularização, inclusive imóveis com averbação do desfalque que foi incorporado na matrícula nova. Permite também abrir de imediato TODAS as matrículas individuais dos imóveis reais no local. O CRF traz o registro completo de uma única vez.

 

Arrecadação de Imóveis

Esta não é uma novidade da lei, já constava no Art. 1.275 do Código Civil (Lei 10.406/2002). A Lei 13.465/17 apenas o regulamentas, permitindo o uso de mais uma ferramenta de ordenamento urbano, dando clareza sobre a competência do município na matéria.

O Distrito Federal possui uma condição singular decorrente do processo de desapropriação público-privada para a implantação da nova capital (existem propriedades mistas). Não cabe o termo LICENCIAMENTO para situações pré-existentes (são requisições para projetos de implantação ou operação), por isso o termo não foi utilizado para a finalidade principal da nova lei.

 

Áreas de Preservação Permanente (APP)

Histórico das APP:

A origem remonta ao Código de Águas de 1934.

Em 1951 foi aprovado o Código Sanitário Estadual de São Paulo, primeira lei que dizia como aprovar loteamentos. Nela, ficou definida a faixa livre de 14 metros de cada lado do corpo d’água.

O Código Florestal de 1965 definiu a faixa de 30 metros de cada lado apenas para zonas rurais.

A lei federal de parcelamento do solo (6.766) de 1979 estabeleceu a faixa de 15 metros NON AEDIFICANDI ao longo das laterais de corpos d’água, rodovias, ferrovias e dutos O objetivo era a preservação de espaço para vias marginais (lembrando que este conceito surgiu em São Paulo como uma deturpação do conceito de parkway, implantando vias de transporte nas várzeas com os óbvios problemas decorrentes).

Em 1989 o Código Florestal foi revisado afirmando com os 30 metros de APP (ou mais, dependendo da largura do corpo d’água) também se aplicam à zona urbana. Com isso surgiu uma dúvida sobre qual lei seria aplicável à zona urbana, esta ou a 6.766. Na época e até 2002, foi entendido que se aplicaria a última (15 metros).

A Resolução CONAMA 303 de 2002 resgatou o Código Florestal de 1989 e exigiu os 30 metros de APP (ou mais, dependendo da largura do corpo d’água) para as áreas urbanas.

A Lei Federal 11.977 abriu a possibilidade de dispensar a APP para assentamentos de interesse social.

O novo Código Florestal de 2012, em seus artigos 64 e 65 trouxe de volta a exigência de faixa NON AEDIFICANDI.

Finalmente, a nova lei 13.465/17 coloca em seu Art. 11, § 2o:

Constatada a existência de núcleo urbano informal situado, total ou parcialmente, em área de preservação permanente ou em área de unidade de conservação de uso sustentável ou de proteção de mananciais definidas pela União, Estados ou Municípios, a Reurb observará, também, o disposto nos arts. 64 e 65 da Lei no 12.651, de 25 de maio de 2012, hipótese na qual se torna obrigatória a elaboração de estudos técnicos, no âmbito da Reurb, que justifiquem as melhorias ambientais em relação à situação de ocupação informal anterior, inclusive por meio de compensações ambientais, quando for o caso.

A nova legislação também redefine a APP ao redor de represas (reservatórios artificiais de água destinados à geração de energia ou ao abastecimento público) como a diferença entre a cota máxima operacional e a cota maximorum (aquela em que existe o transbordo e as comportas são abertas). Como exemplo, no Sistema Cantareira esta diferença é de 1,11 metros.

 

[Olivar Vitale, 30/10/17]

Usucapião Extrajudicial

(extrajudicial = administrativa. Pode ser conduzida pelo Executivo)

Forma: aquisição originária. Por não ser aquisição derivada, refere-se a situações de posse sem título ou registro. Trata-se de novo instrumento para regularizar imóveis (Art. 15)

Atualmente, uma regularização fundiária simples e rápida demora de 6 a 12 anos para ser concluída.

Prevista na Lei de Registros Públicos, a usucapião pode ser processada extrajudicialmente desde 2004.

Exemplo paralelo citado foi o da Hipoteca, muito usado até 2007, tinha a desvantagem de ser processada judicialmente. A partir de 2007, com a possibilidade de se utilizar a alienação fiduciária, este último instrumento ganhou preferência em grande parte dos casos de crédito imobiliário, evitando a morosidade judiciária pelo excesso de processos.

Ao final do processo, o imóvel usucapido pode receber nova matrícula pela nova lei. Entretanto, conforme exige a Constituição Federal, a usucapião nunca incide sobre bens públicos (apenas sobre imóveis particulares). Lembrando que a usucapião depende de uma combinação de:

  • Exercício de posse mansa e pacífica por certo período;
  • Vontade de ser dono

Os tipos de usucapião já existiam antes da nova lei 13.465/17, e não sofreram alterações:

  1. Ordinária (15 anos de posse). Prova: documentos (IPTU, obras, manutenção, contas, etc.) e testemunhos;
  2. Extraordinária (reduz para 10 anos de posse). Bem de família;
  3. Rural (com limite de área em alqueires);
  4. Urbana (5 anos de posse, máximo de 250m² – Estatuto da Cidade);
  5. Familiar

O Código Civil de 2002, em seu artigo 1.238, exige um requerimento ao juiz que assine e declare a usucapião por sentença. O Brasil tem tradição de forte proteção à propriedade, com restrições legais que nos dias atuais estão sendo flexibilizadas.

A Usucapião Extrajudicial entrou efetivamente em vigor em 2015, com o novo Código de Processo Civil. Foi processada a inclusão do Art. 216-A na Lei de Registros Públicos, reconhecendo o instrumento.

Exigência documental (entre outros): planta e memorial descritivo (descrição da área) assinados por responsável técnico com ART recolhida e pelos titulares de direito real, identificando os confrontantes. Estes últimos terão 15 dias para se manifestar e impugnar o procedimento se for o caso.

Grande mudança desta lei (13.465/17): o silêncio de alguma parte significa concordância tácita ao pedido (antes significava o oposto). O estado de São Paulo deu o Provimento n. 58/2015 para este assunto (Corregedoria Geral), mas limita-se a esta unidade federativa.

Se a planta estiver sem assinatura, o titular será notificado. Conforme dito acima, o silêncio significará concordância.

Grande vantagem desta lei é a desjudicialização (trâmite direto no ORI). Não há atuação do judiciário em momento algum do processo. Por tratar de perda de propriedade, é um processo de responsabilidade elevada (civil e administrativa).

A Ata Notarial é feita pelo próprio tabelião, na qual se atesta o tempo de posse.

São exigidas também as certidões negativas dos distribuidores, além da documentação de comprovação de posse (títulos, documentos, pagamentos, etc.).

O conjunto de documentos é apresentado diretamente ao tabelião (Oficial de Registro de Imóveis). Ele faz as intimações necessárias, lembrando que o silêncio na resposta significa concordância tácita. Quando a usucapião se consolidar, são abertas as matrículas (se necessário).

Diante da impugnação, o registrador imobiliário decidirá se é fundamentada ou não. Se não, registrará. O que é impugnação fundamentada, a lei não diz. A Corregedoria de São Paulo diz que é sem motivo exposto. A lei coloca apenas que o registrador avaliará a Prudência e Razoabilidade do pedido.

Se o Oficial de Registro de Imóveis entender que a impugnação é fundamentada, intimará o requerente e o profissional. Não havendo a transação, o oficial deverá (aí sim) remeter os atos ao judiciário.

Em Condomínios Edilícios: basta a notificação ao síndico. Surge a dúvida: e se o requerente for o próprio síndico? Ao pé da letra da lei, intima-se o próprio síndico. Os palestrantes recomendaram, para evitar questionamentos, notificar também o colegiado do condomínio (conselho).

Polêmicas

  • Atos praticados judicialmente podem ser aproveitados pelos cartórios? Inclusive intimação?
  • A via Extrajudicial é opcional ao requerente. Por que optaria pela via judicial?
  • Ata notarial: dificuldades em conseguir que o Oficial de Registro de Imóveis a aceite, a dispensa de outros elementos de prova. Entendimento dos palestrantes: lei prevê = lei exige. Deve-se insistir para que o cartório a cumpra.
  • Evitar a burla ao pagamento de tributos, em especial ao ITBI.
  • Intimação tabular de falecidos. Publicação via Edital? (seria o cumprimento ao pé da letra). Isto elide o procedimento? Herdeiros por inventário são intimados?
  • Usucapião de forma indireta (transversa) para transmissão do imóvel? Exemplo dos inventários. Já existe decisão dizendo que não processa usucapião transversa. Várias transferências não são processadas por inventário.
  • Intimação por hora certa? Há ausência de previsão legal.

A base para a caracterização da propriedade é geodésica (inclusive de apartamentos). O tabelião não teria que ir ao imóvel? Palestrante acredita que não na maioria dos casos, nos mesmos moldes de como sempre foi processada a usucapião antes da nova lei. Recomendou ver a Cartilha do Colégio Notarial que saiu depois do novo CPC.

 

Direito Real de Laje

O sexto dia de debates no Secovi-SP sobre a nova lei federal de regularização fundiária (13.465/17) foi apresentado por Francisco Loureiro, Olivar Vitale, Patrícia Ferraz (ORI de Diadema/SP) e Pedro Cortez.

[Francisco Loureiro, 07/11/17]

A nova lei de regularização fundiária (13.465/17) inseriu capítulo à parte no Código Civil para o tratamento do Direito Real de Laje (Art. 1510-A e seguintes). Mexeu também com a Lei de Registros Públicos (Art. 176).

O objetivo foi tratar de uma situação muito comum em comunidades carentes, caso do Rio de Janeiro e Diadema, onde uma pessoa vende o direito de construir sobre a laje como solução para a falta de chão. Segundo o palestrante, trata-se de direito informal de fato, consolidado pelos usos e costumes.

Surge então a questão: é bom regular esta situação jurídica? A opinião do palestrante é de que a MP 759/16 tratava do assunto de forma pior que a versão aprovada pelo Congresso. O conceito do Direito Real de Laje é o direito de construir sobre edificação alheia. O Direito de Laje é constituído sobre (acima da laje de cobertura) ou sob (subsolo) construção alheia. A ideia do direito sob a construção base é o aproveitamento do subsolo do terreno em declive, com possibilidade de salubridade [quem, como eu, já trabalhou com habitação em prefeitura sabe que isto não funciona bem assim…]

Trata-se de nova modalidade de propriedade. Até então, o Art. 1.225 do Código Cvil servia como uma espécie de “catálogo” de tipos de propriedade, e qualquer novidade sofreria uma tentativa de ser “encaixada” em alguma modalidade conhecida, mas para alguns tipos isso não é mais possível. A definição trazida pelo Art. 1.228 do Código Civil não consegue abranger novos tipos de propriedade que existem de fato. Exemplo é o timeshare, que não se enquadra em qualquer modalidade conhecida.

[Aqui abro uma explicação para quem não conhece o timeshare: também chamada de titularidade de férias partilhadas, é uma propriedade onde a pessoa compra um período de tempo específico (normalmente uma semana ou mais) de usufruto de um empreendimento. A ideia é disponibilizar casas de férias ao alcance financeiro daqueles que gostariam de ter esse tipo de propriedade integral, mas não possuem essa capaciddade financeira ou não querem o compromisso financeiro da compra e manutenção de uma segunda casa.]

O Direito Real de Laje não deve ser confundido com o Direito de Superfície, pois:

  • O direito de superfície é temporário, o de laje tende à perenidade;
  • O Direito Real de Laje gera matrícula própria, como se fosse uma unidade autônoma (o de superfície não gera). Deve fazer alusão à matrícula original sobre a qual se edifica a nova construção, origem da laje. Sem isso, o imóvel não se localiza;

Não é condomínio.  Difere do condomínio edilício por ser este último é subordinado a:

  • Existência de edificação (exceto para o condomínio de lotes, criado pela mesma Lei 13.465/17)
  • Edificação associada à Unidade Autônoma (exceto condomínio de lotes)
  • Fração ideal do terreno
  • Saída para via pública

No Direito de Laje não existe parte ideal de coisa comum, não há fração ideal de terreno para esta Unidade Autônoma. Surge então a questão do acesso: deve ser independente (posição na MP original, com o problema de disponibilidade de espaço físico)? Ou pode ser pelo interior da construção de base? Esta última possibilidade é permitida pelo Art. 1.510 do Código Civil.

Requisitos cumulativos

(Parágrafo 6º do Art. 1.510-A do Código Civil):

  • Consentimento / anuência expressa do dono da construção base. Em caso de laje sobre laje (chamada aqui de laje de segundo grau), os demais direitos de laje dependem do consentimento expresso de todos. Não vale o silêncio nem o consentimento tácito, tem que ser por escrito.
  • Respeito às posturas urbanísticas edilícias vigentes (a prefeitura deve aprovar o imóvel, um dos pontos mais estranhos da lei. Qual profissional com CAU / CREA, em sã consciência e sem uma arma na cabeça aceitará a edificação em órgãos públicos?!)
  • Registro em matrícula no Oficial de Registro de Imóveis – ORI.

Duas possibilidades de Direito Real de Laje:

  1. Por concreção: não há nada construído sobre a laje, o comprador será responsável por construir;
  2. Por cisão: venda de uma construção pronta sobre a laje.

Cabe a laje de segundo grau em ambos os casos, segundo o palestrante. Da mesma forma, cabe a laje do legado (transmissão hereditária da propriedade). Conforme Art. 1.784 (princípio herdado do direito francês), a morte transmite a propriedade instantaneamente – só o registro é que se regulamenta depois.

O palestrante também entende ser possível usucapir a laje. A questão que fica é como abrir a matrícula, uma vez que é originário, e não derivado. A usucapião, não custa recordar, converte posse em propriedade. Mas a construção de base, em geral, não estará ainda registrada!

O registro do imóvel comporta dois atos:

  • Averbação da construção base
  • Registro do novo direito sobre a laje

O desafio, neste contexto, é regularizar a construção base para poder registrar a outra que está em cima.

Uma situação muito comum no divórcio em casais de baixa renda é cada um ficar com um pavimento em grande parte dos casos em que não há capacidade financeira de sair dali. Na prática, o juiz de família acaba criando a figura do Direito Real de Laje.

Observar que o Art. 1.510-A do Código Civil incide sobre o espaço aéreo e subsolo tomados em projeção vertical. Não pode para os lados, portanto não se confunde com condomínio de casas. A construção não pode ter amplitude maior que a construção base. Trata-se de uma norma cogente (opinião do palestrante).

Efeitos do Direito Real de Laje

  • É alienável – o proprietário pode vender, doar, trocar ou transmitir causa mortis
    É transmissível
  • Pode dar em garantia (hipoteca, alienação fiduciária)
  • Pode constituir usufruto
  • Pode haver servidão

Limitação: direito de preferência. A alienação de unidades sobrepostas dá preferência, em igualdade de condições, ao proprietário da construção base e aos detentores das lajes, nessa ordem. A lei não fala sobre a alienação da base, mas se o objetivo da lei for a consolidação da propriedade, podemos supor que a mesma regra se aplique dando direito de preferência aos detentores das lajes.

O Art. 1.510-C do Código Civil define as regras do Direito Real de Laje, como despesas e modificações na fachada do edifício. O resto será aplicado de forma supletiva. Não existe a figura de convenção de condomínio, e os direitos e deveres de condomínios só se aplicam se forem compatíveis com esse tipo de direito.

Direito de Vizinhança: o uso da laje não pode ferir o tipo de uso previsto, sendo vedados os desvios de uso. Devem ser respeitados os princípios de:

  1. Sossego
  2. Saúde
  3. Segurança
  4. Bons costumes (definição vaga…)

A inadimplência no rateio de despesas, do ponto de vista do direito, pode ser cobrada conforme o Art. 345 do Código Civil.

O Art. 1.510-E prevê apenas uma modalidade de extinção: a ruína da construção de base (salvo se a mesma for reconstruída dentro do prazo de 5 anos). AC opinião do palestrante é de que se trata de rol exemplificativo. Exemplos levantados no debate:

  • Se o Direito Real de Laje se aplicar ao subsolo e este permanecer intacto, não haveria extinção?
  • Se após a ruína, o proprietário da construção de base adiar propositalmente a reconstrução para extrapolar os 5 anos, cabe uma ação?
  • Em caso de desapropriação, a indenização é rateada. Em que proporção?
  • Usucapião provocada por terceiros extingue o Direito Real de Laje?
  • Distrato: pode ocorrer, se levado o RI
  • Renúncia: pode ocorrer, se levada ao RI
  • Opinião do palestrante: não caberia resolução por inadimplemento de despesas comuns.

[Patrícia Ferraz, ORI de Diadema/SP]

Levantou sérias dúvidas e riscos sobre o instrumento. Conhecedora da realidade da cidade com maior densidade demográfica do Brasil com precária condição socioeconômica, a palestrante vê sérios riscos de adensamento inseguro de cidades metropolitanas. Em Diadema, a venda de lajes existe de fato, sendo comum até a venda da quinta laje.

Existem muitas ações e novas normas simbólicas cheias de discurso, mas muito distante de como poderia e deveria estar acontecendo. Muito tem sido feito no sentido de regularizar a precariedade, e pouco se faz para prevenir novas invasões de áreas públicas e particulares – desde 2007 não há recursos para conter invasões (em nunhuma lei se fala sobre isso…). Mudam os nomes, mas a realidade de fato não se altera. Há uma sucessão de leis ofertadas a poderes públicos locais que não têm recursos para a regularização fundiária.

Prevê também a criação de novos problemas decorrentes do Direito Real de Laje, principalmente sociais. Talvez esse problema pudesse ser resolvido com condomínios simples [abro um comentário pessoal: se a lei já criou uma nova modalidade simplificada de condomínio, porque não resolveu a regularização de lajes por este instituto?].

O instrumento da nova lei 13.465/17 prevê que a construção de base deverá ser precedida por aprovação da prefeitura, o que cria outra dificuldade de aplicação, a meu ver:

Que técnico de prefeitura, detentor de registro no CREA ou CAU, em sã consciência, aprovará uma construção que não sabe a realidade estrutural do que será erigido acima, nem em que carga?
A prefeitura fatalmente solicitará ART/RRT de profissional responsável. Quem aceitará assumir essa responsabilidade sobre uma construção precária que receberá cargas desconhecidas em pontos de apoio igualmente imprevisíveis?

Outras questões que surgiram nos debates:

  • A criatividade do mercado ao se apropriar do instrumento é imprevisível hoje, e o que for desenvolvido terá que ter registro formal;
  • Art. 1.510-A: cessão de superfície. Preâmbulo da matrícula deverá descrever a área do lote. Necessidade de se averbar a distinção entre as construções para depois abrir a outra matrícula.
  • Como calcular o valor econômico do Direito Real de Laje? Pela superfície? Soma a construção? E o terreno entra com qual proporção no cálculo do valor?
  • Cessão do Direito: como prevenção, deve ser exigida certidão da prefeitura, alguma ficha técnica que comprove o potencial construtivo do imóvel para dar garantias de sua regularidade.
  • Como saber se as posturas municipais estão sendo cumpridas? [Loureiro: municípios terão que se aparelhar para isso]
  • [Pedro Cortez: a legislação ficou tão elitista e exigente que criou apenas loteamentos clandestinos nas cidades, pois a população a quem se destina não tem capacidade econômica de cumprir suas exigências]
  • [Olivar Vitale: vê a possibilidade de aplicação a imóveis públicos, como estações de Metrô]
  • Patrícia retomou lembrando que deveríamos buscar a versão mais moderna de habitação social, a moradia digna. Sua preocupação também fica quanto ao equilíbrio entre contratos estabelecidos. Como será o rateio de despesas, por exemplo?
  • Telhado e terraços da cobertura são de uso do titular da laje – grande foco de conflitos
  • Palestrantes acreditam que o detentor da base pode limitar de partida proibindo a laje de segundo grau
  • Por que não resolver por condomínio? Olivar acredita ser mais complicado em função de exigências do Art. 1.331 do Código Civil, o que deixa mais complicado, trabalhoso, exigente. Exemplo: quadros NBR 12.721
  • Situação fática: hoje, 50% dos detentores de posse no Brasil estão forma da formalidade

Se este aspecto da lei (Direito Real de Laje) é uma abertura visionária, completa loucura ou inócua, só o tempo dirá. O mais provável é que fique em algum ponto entre essas três extremidades. Quem viver, verá.

Uma grande vantagem do Direito Real de Laje é para as empresas de metrô e trens urbanos, com a possibilidade de viabilizar centros de comércio e serviços sobre as lajes de suas estações. Esse tipo de experiência já é intenção, por exemplo, no metrô de Shangai (China), onde estes tipos de empreendimentos contribuem para a viabilidade econômica de transportes de massa sobre trilhos (em geral deficitários), enquanto estes últimos fornecem o mercado para os empreendimentos comerciais, criando uma sinergia salutar para ambos.

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Centro comercial em Shangai

 

Loteamento de acesso controlado

O apresentador deste bloco iniciou com uma introdução breve sobre o surto de urbanização brasileiro do período de 1940 (31% de população urbana) a 2010 (85% dos brasileiros vivendo em cidades). Em 2003 foi publicada a Nova Carta de Atenas pelo Conselho Europeu de Urbanistas (Revisão da Carta de Atenas do CIAM, de 1933). A Carta original [documento de base do zoneamento monofuncional, não citado pelo palestrante] dividiu as funções urbanas em habitar, trabalhar, lazer e transporte (hoje chamada de mobilidade).

As bases legais do loteamento de acesso controlado estão em:

  1. Constituição Federal de 1988: Objetivos da República
  2. CF88: Definições e políticas sobre a propriedade (inclusive sua função social, conforme regulamentado posteriormente no Estatuto da Cidade)
  3. CF88: Direitos Sociais
  4. Competência municipal para legislar sobre desenvolvimento urbano local
  5. Atuação do Estado sobre a propriedade
  6. Política Urbana

O Estatuto da Cidade (Lei Federal 10.257/2001), em seu artigo primeiro, trata do direito à segurança:

Art. 1o Na execução da política urbana, de que tratam os arts. 182 e 183 da Constituição Federal, será aplicado o previsto nesta Lei.

 Parágrafo único. Para todos os efeitos, esta Lei, denominada Estatuto da Cidade, estabelece normas de ordem pública e interesse social que regulam o uso da propriedade urbana em prol do bem coletivo, da segurança e do bem-estar dos cidadãos, bem como do equilíbrio ambiental.

Deve estar claro que o loteamento difere de desmembramento por criar novas áreas públicas como vias de circulação e áreas institucionais e de lazer. Este último é o modelo clássico de loteamento.

Figura diversa do loteamento é o condomínio, onde o lote ou gleba original permanece íntegro e sobre o qual é incorporado um empreendimento com vários co-proprietários que estabelecem regras de utilização e de rateio de despesas através de instrumentos legais particulares, respeita todos os dispositivos legais pertinentes (por exemplo, a Lei Federal 4.591/64 que dispõe sobre condomínios e incorporação imobiliária), e se estabelece como pessoa jurídica de direito privado com CNPJ. Nos condomínios existe obrigatoriamente a fração ideal de terreno.

O Condomínio de Casas, figura que já existia em leis municipais diversas (por exemplo, a Lei de Vilas de São Paulo/SP) foi agora incluído na nova Lei Federal 13.465/2017. Por ser condomínio, as vias internas permanecem sendo particulares, assim como suas despesas (inclusive tributação).

O loteamento de acesso controlado não estava previsto na Lei 6.766/79. Na prática, tratam-se de glebas loteadas com a presença de portaria, cujo conjunto recebeu autorização para

  1. Cercamento do perímetro
  2. Controle de acesso pela portaria

Deste fato decorreu (até a promulgação da nova lei) grande discussão acerca de sua legalidade, e se poderia ou não haver lei municipal permitindo a existência de loteamentos de acesso controlado em seu território.

Deste modo, antes da nova lei 13.465, deveria haver quatro elementos para a existência do loteamento de acesso controlado:

  1. Deveria nascer com esta característica
  2. Deveria haver lei municipal permitindo, a qual trataria da análise urbanística pelo poder público local
  3. Deveria haver definição do que fica ou não circunscrito à área controlada
  4. Deveria vincular a associação de moradores e o poder público local

Exemplo apresentado, a lei de Itu (SP) submete os loteamentos de acesso controlado ao zoneamento da cidade, salvo se o projeto do empreendedor for ainda mais restritivo. Há uma concessão especial de uso para os moradores, e a administração do loteamento se incumbe de realizar os serviços municipais (manutenção de infraestrutura urbana, como pavimentação, redes de energia elétrica, água, esgoto, gás, coleta de lixo, etc.). Durante este período, houve grande número de sentenças favoráveis aos loteamentos de acesso controlado, inclusive reconhecendo a constitucionalidade de leis municipais (foi apresentado um exemplo de Peruíbe – SP). As sentenças reconheceram que compete aos municípios legislar sobre o assunto.

A nova lei, em seu Art. 2, parágrafo 8º, prevê o loteamento de acesso controlado, vedando o impedimento de acesso por pedestres ou veículos devidamente identificados.

A lei deixa bem claro ser o loteamento de acesso controlado diverso do condomínio edilício, este último tratado pela Lei Federal 4.591/64, o qual tem plenos direitos de vedar o acesso a suas dependências.

Outra situação diferente é a de ruas fechadas sem saída, conforme preconizar a legislação local.

[O palestrante só falou de ruas sem saída, mas a prefeitura de São Paulo, por exemplo, permite o fechamento de ruas sem saída ou não, como as vilas e ruas sem impacto no trânsito local, conforme lei municipal 16.439/16. Em 2014, um levantamento de 32 subprefeituras constatou que já havia 694 ruas fechadas no município naquela época]

O controle de acesso será regulamentado por ato do poder público. Este instrumento regulamentador seria um decreto ou lei municipal?

O que fazer com os loteamentos de acesso controlado já existentes? Uma diretriz colocada é a de que uma via pública não pode perder sua característica de via pública. Em pesquisas qualitativas realizadas com consumidores deste tipo de imóvel, foram identificadas quatro principais características almejadas:

  • Segurança
  • Organicidade
  • Zeladoria
  • Regras de convivência

 

Condomínios de Lotes e Condomínio Urbano Simples

O conceito de propriedade em direito é um dos mais mutáveis em toda a história. Atualmente, com a ascensão de novos conceitos de família e o declínio da família nuclear tradicional (pai, mãe e filhos) suscita a ideia de aproveitamento de imóveis grandes com restrições ao desmembramento (exemplos de imóveis grandes no Jardim Europa, Jardim América, Alto de Pinheiros e Pacaembu).

Características definidora do loteamento é a abertura de conexões à cidade, integração espacial e viária, o que não costuma ocorrer nos condomínios.

O condomínio edilício pode ser:

  • Horizontal: condomínios de casas, Lei de Vilas de São Paulo/SP, vias estão em áreas comuns de condomínio
  • Vertical: edifícios de apartamentos

Em ambas existe obrigatoriamente a fração ideal de terreno.

São novidades da nova lei o condomínio urbano simples (que tanto poderá ser para fins sociais de ReUrb quanto de aproveitamento de grandes imóveis, como citado acima) e o condomínio de lotes, obrigados a atender a toda a legislação pertinente a condomínios, a exemplo da lei federal 4.591/64.

O condomínio urbano simples, previsto no artigo 61, pode ser de casas ou de cômodos como unidades autônomas. Mas dispensa (sem proibir) a Convenção de Condomínio para fins de ReUrb. A gestão das partes comuns pode ser pactuada através de instrumento particular simples que registre o comum acordo, com o objetivo de facilitar a regularização da situação de fato. Só vale para imóveis urbanos, e é necessariamente composto por áreas comuns e privativas das unidades.

O condomínio de lotes foi inserido no Código Civil (Art. 1358-A) e é diferente de loteamento de acesso controlado por ser um condomínio com todas as suas características inerentes. Também chamados de condomínios de solo ou condomínios urbanísticos, tem a finalidade da incorporação imobiliária, onde o empreendedor instala toda a infraestrutura necessária, a qual não será doada ao poder público – ou seja, os proprietários arcam com as despesas de manutenção e reposições necessárias.

O conceito tem origem na própria lei 4.591/64, a qual cita vias de circulação privadas. Na lei 6.766/79 foi inserido o regramento para o condomínio de lotes através de de Art. 2º, parágrafo 7º.:

 O lote poderá ser constituído sob a forma de imóvel autônomo ou de unidade imobiliária integrante de condomínio de lotes.

E no Art. 4º, parágrafo 4º.:

No caso de lotes integrantes de condomínio de lotes, poderão ser instituídas limitações administrativas e direitos reais sobre coisa alheia em benefício do poder público, da população em geral e da proteção da paisagem urbana, tais como servidões de passagem, usufrutos e restrições à construção de muros.

Na prática, o Decreto 271/67 já permitia a instalação de condomínios de lotes (segundo os palestrantes, dado a verificar) em seu Art. 3º.

Questões que surgem:

  1. Seria esta uma burla à legislação de parcelamento do solo?
  2. A incorporação imobiliária não deveria estar associada a edificações, unidades prontas? Seria esta uma violação a outras leis federais?
  3. A aplicação é obrigatória?
  4. As restrições do loteamento poderiam impedir o condomínio urbano simples?
  5. Quais normas de condomínios edilícios serão aplicadas ao condomínio urbano simples?
  6. Como serão rateadas as despesas em condomínios de lotes? Qual seria o critério de rateio?
  7. Pode haver um condomínio de lotes em um lote dentro de outro condomínio?
  8. Condomínios de lotes podem ter exigência de lote mínimo pelo município? É lote ou unidade autônoma, sob esta ótica?
  9. O empreendedor pode delimitar o padrão de construções? Pode definir parâmetros urbanísticos mínimos? O comprador exigirá isso?
  10. Em condomínios de lotes a fração ideal deveria ser calculada pelo potencial construtivo? [repare aqui na necessidade de revisão da NBR 12.721]

A manutenção de toda a infraestrutura urbana será de responsabilidade:

  • Dos próprios condôminos, em casos de condomínios
  • Das concessionárias locais de serviços públicos, em casos de loteamentos. Lembrando que essas concessionárias são reguladas e fiscalizadas por agências reguladoras, com metas definidas de desempenho, o que não ocorrerá em condomínios.

O condomínio de lotes poderá ter servidão (inclusive por previsão de necessidade de mobilidade extra no futuro), a qual deverá estar na legislação urbanística municipal. Ainda nos condomínios, as vias serão também áreas particulares, e serão, portanto, tributadas desta forma (inclusive IPTU).

[Um última observação pessoal: repare que os instrumentos previstos na Constituição Federal e regulamentados pelo Estatuto da Cidade de combate à retenção especulativa de imóveis não utilizados ou subutilizados – notificação, edificação compulsória, IPTU progressivo – continuando valendo para qualquer uma das modalidades aqui apresentadas]

 

Alterações na Alienação Fiduciária

[27/11/17: Rodrigo Bicalho]

As alterações foram principalmente procedimentais, ajustando regras de execução da garantia.

A legislação anterior levava a decisões que concedem chances maiores de o devedor saldar a dívida. A nova lei acatou a jurisprudência de decisões para resgatar a segurança jurídica que estava se perdendo.

A alienação fiduciária está completando 20 anos (a lei que a criou é de 1997). Veio para substituir a hipoteca, conceito que tem origem no Direito Romano. Sua implantação demorou para ocorrer porque de início houve muita contestação de inconstitucionalidade. A principal motivação vinha do choque da execução da garantia mais rápida que a hipoteca. O assunto só foi pacificado pelo STF em meados da década de 2000 (justamente o momento em que, por vários fatores diferentes, se iniciava o boom imobiliário brasileiro).

[comentário pessoal: o boom imobiliário brasileiro coincide com o boom econômico chinês pós-entrada na WTO (2001), assim como a estagnação recente das economias latino-americanas coincidem com a “estagnação” econômica chinesa. Estudos recentes de macroeconomia comprovam o vínculo entre nossas economias sul-americanas baseadas na exportação de commodities e o consumo chinês. Seguem dados de PIB para visualização da aderência, veja como México e Argentina, por problemas domésticos, não se aproveitaram tanto do crescimento chinês]

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A decisão final do STF sobre a alienação fiduciária, em 2007, foi uma resposta necessária para restabelecer o financiamento imobiliário no Brasil. Prova do sucesso da alienação fiduciária é também a série histórica de inadimplência, que não chega a 2% (a média é de 1,4%), enquanto a hipoteca convivia com inadimplência que chegava a 27%. A agilidade na execução das garantias trouxe um resultado social quando a família prioriza o pagamento da parcela da casa própria.

[comentário pessoal: a queda da inadimplência reduz o risco, portanto reduz também o custo de capital total (WACC), reduzindo a taxa de juro do crédito imobiliário (custo de oportunidade), o que permite acesso de mais famílias ao crédito]

A estabilidade jurídica obtida completa o quadro de sucessos do instrumento. Entre 1983 e 2005, houve baixo volume de financiamento imobiliário, criando uma demanda reprimida que alimentava as modalidades informais e precárias de habitação. Durante esse período, não havia interesse em conceder crédito imobiliário num cenário em que, além do alto custo de oportunidade, havia combinação de altas taxas inflacionárias e risco elevado. O retorno era negativo ao credor.

Atualmente há nova ameaça à Alienação Fiduciária, trazendo de volta a insegurança jurídica, portando forçando a taxa de juro para cima. A fonte desta ameaça reside em:

  • Instabilidade da jurisprudência
  • Proteção exagerada do consumidor (caso dos distratos)
  • Má compreensão jurídica da Alienação Fiduciária
  • Inobservância das exigências legais e formais (do título e procedimento)
  • Crise econômica

Consequências:

  • Rediscussão da constitucionalidade da Alienação Fiduciária
  • Aplicação de jurisprudência de Distrato na Alienação Fiduciária (outra matéria)
  • Bem de família volta a ser argumento
  • Questões procedimentais (resolvidas na nova lei 13.465/17, em especial o momento de purga da mora e a intimação de devedores para os leilões)

A instabilidade jurídica cria insegurança ao planejamento empresarial, portanto reduz o nível de investimento no Brasil [comentário: condição básica para o crescimento e/ou desenvolvimento econômico, origem dos fatores de produção ampliáveis]

A matéria, que já havia sido decidida pelo STF em 2007, tem visto diversos juízes dando sentenças variadas, criando mais insegurança e ampliando o risco do negócio.

Proteção do bem de família: a família não pode perder a própria habitação por dívida. Exceção: quando a dívida for para a compra do próprio imóvel. Neste caso, a lei fala em hipoteca, pois na época de sua redação, ainda não existia em nosso regramento jurídico a Alienação Fiduciária. O conceito acaba sendo usado por simetria, mas não deixa de criar polêmicas. Outra exceção é quando o bem é voluntariamente entregue em garantia.

Todas estas questões não foram resolvidas em alterações legislativas recentes.

A nova lei (13.465/17) determina:

  • Valor mínimo para o leilão (maior ou igual ao valor venal para cálculo do ITBI – Art. 24, parágrafo único)
  • Intimação do devedor para a purga de mora (Art. 26, parágrafo terceiro; lei 9.514/97). Aprimorado na nova lei para evitar que o devedor se oculte propositalmente. Agora, na presença de suspeita motivada de ocultação, poderá ser intimado o vizinho ou outra pessoa da família. Em caso de condomínios ou outras modalidades de conjuntos imobiliários com controle de acesso, poderá ser intimado o funcionário responsável pela portaria.

Outra novidade da lei é a obrigação de aguardar mais 30 dias além dos 15 iniciais para que o devedor tenha a chance de saldar a sua dívida (com encargos). Na prática, o prazo passa a ser de 45 dias, entre outras novas oportunidades dadas ao devedor.

Dos financiamentos que utilizam a Alienação Fiduciária como instrumento de garantia, apenas 1% vai para leilão. E desses, apenas 1% (ou seja, 1 a cada 10.000 do total) questiona os prazos para oportunidade de saldar a dívida, o que gera questionamentos sobre a real necessidade de tanto regramento na nova lei.

Também foi criado o Direito de Preferência do devedor na arrematação do imóvel (até o segundo leilão – inclusive, segundo o entendimento do palestrante). Antes, se o devedor não desocupasse o imóvel, pagaria taxa de 1% sobre o valor do imóvel a partir da data do leilão. Pela nova lei, esta taxa será paga a partir da consolidação da propriedade, desestimulando o inadimplente de ficar no imóvel.

Recomendações ao credor: evitar “atropelos” na execução da garantia (o procedimento poderá ser anulado se houver erro procedimental em relação à nova lei, que trouxe alterações importantes).

Sobre o capítulo que trata de Abertura de Limite de Crédito, lembrando que:

  1. Alienação Fiduciária é muito rápida na execução, o que contraria nossa tradição jurídica;
  2. A execução da hipoteca, se não saldasse a dívida, pode prosseguir sobre outros bens do devedor;
  3. A Alienação Fiduciária não permite a perda que extrapole o imóvel (residencial);

O texto do Art.9º (…continua obrigado pelo saldo devedor remanescente…) não se aplica à Alienação Fiduciária. Deve haver atenção a este artigo, que já foi questionado, e se cair pode trazer grande insegurança.

[Scavone] Há, muitas vezes, abusos no segundo leilão (adjudicação por preço vil, chega a apenas 30% do valor de mercado), e o arrematante recoloca o imóvel no mercado imediatamente pelo seu real valor. O palestrante se posiciona favorável a que a legislação combata este tipo de situação.

Questão que fica: as alterações da nova lei valem para os contratos já celebrados?

 

Vias férreas

[Flávio Gonzaga – 04/12/17]

O que é a via férrea: linha + faixa de domínio sobre a qual a ferrovia está instalada + terrenos marginais + estações + galpões + materiais envolvidos

A primeira ferrovia data de 1854, promovida pelo Barão de Mauá com apoio do Império – tinha 14,5km de extensão. A partir de então, a malha ferroviária passou a ser implantada com concessões do governo, chegando a uma malha com mais de 30.000km de extensão na década de 1930, momento correspondente ao auge desse modal no país. A partir de então, se iniciou o declínio ferroviário principalmente em decorrência da falta de manutenção, falta de novos investimentos e a concorrência com outros modais que recebiam incentivos do governo.

O transporte urbano e suburbano, como trens de subúrbio, metrô e bondes também compõem o parque ferroviário nacional.

O Código Civil de 1916 determinava que a linha fosse registrada no cartório / ofício do município onde a linha se inicia. Exemplo: a Santos-Jundiaí foi registrada em Jundiaí, estação de início. Por outro lado, a lei federal 6.015/73, Lei de Registros Públicos em vigor até hoje (com alterações), fala em registro por circunscrição e territorialidade. A incoerência foi mantida por décadas e ainda gera polêmicas e dificuldades.

Nas décadas de 1980 e 1990, as malhas foram privatizadas. Após 2001, o Estatuto da Cidade permitiu intervenções urbanas sobre áreas de vias férreas desativadas. O TJSP foi o espaço onde se desenvolveu uma discussão sobre a viabilidade de se registrar a desapropriação na circunscrição do imóvel desapropriado. Recente Acórdão definiu que prevalece o critério da territorialidade para estes casos.

Por fim, a nova lei federal 13.465/17 decidiu, alterando o Art. 171 da 6.015/73, pelo critério da territorialidade, cristalizando uma prática já comum em São Paulo no caso das linhas de Metrô. A principal causa da mudança foi a presença de novas ferrovias de grandes extensões (algumas com mais de 1.000km de exetnsão).

O Registro de linhas férreas obedece ao Art. 1502 da lei 10.406/02 (Novo Código Civil), o qual determina que as hipotecas sobre as estradas de ferro sejam registradas no município da estação inicial. Fica uma dúvida sobre o conflito entre o direito material (hipotecas) e o direito instrumental (atos em geral sobre as ferrovias).

O Direito Real de Laje, trazido nesta nova lei, permite que as companhias ferroviárias utilizem terrenos públicos e particulares de suas vias férreas e acessórios de forma otimizada, combinando os usos comerciais e de serviços ao serviço de transporte.

 

Exoneração Fiscal

Art. 7º da nova lei trata da averbação do termo de quitação no caso de Regularização Fundiária de interesse social, exonerando o registrador da responsabilidade sobre tributos municipais incidentes sobre o imóvel perante o município.

E o Art. 44 diz que o registro da CRF (também de interesse social) dispensa a comprovação de pagamento de tributos ou penalidades tributárias de responsabilidade dos legitimados.

Estes e outros aspectos de renúncia de receitas foram questionados pela Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5787, apresentada pelo Partido dos Trabalhadores. Recente decisão da Procuradoria Geral da República entende que não houve renúncia de receitas, o que, aliado ao processo legislativo normal (não apressado) e às diversas emendas trazidas por muitos parlamentares ao projeto de lei durante seu desenvolvimento, levam o palestrante a prever que a ADI não vingará, e a lei será mantida.

 

Matrícula Única Nacional

[Flauzilino Araújo dos Santos – 1º. ORI de São Paulo/SP, Diretor de Tecnologia da Informação do IRIB]

A lei 13.465/17 trouxe também inovações quanto à evolução e modernização dos registros:

  1. Adoção do Código Nacional de Matrícula (CNM)
  2. ONR como Organizador Nacional

O Registro de Imóveis brasileiro é uno, apenas sua operacionalidade é fracionada por cartórios e ofícios. Em qualquer Unidade da Federação, a lei e as exigências são as mesmas.

O CNM traz uma antiga demanda de diversas instituições (entre elas o BACEN), a numeração única de matrículas em todo o território nacional. Isso permitiria enxergar um imóvel individual com maior facilidade.

O SREI (Sistema de Registro de Imóveis Eletrônico) desenvolveu, entre 2009 e 2012, documentação para a construção do sistema. Uma exigência crucial é a numeração única de matrícula para funcionar como chave primária do banco de dados. A documentação produzida está disponível pela Recomendação CNJ 14/2014, ou em folivm.wordpress.com/documentos).

Questão 1: a matrícula é uma matrícula de extrema longevidade, cujo interesse pode facilmente perdurar por séculos.

Questão 2: longevidade da segurança. Os sistemas de criptografia atuais provavelmente ficarão obsoletos ao longo do tempo. Como preservar a segurança dos dados no longo prazo?

Padrão CNM: matrícula de 15 dígitos, no seguinte formato: CCCCC.L.NNNNNNN.DD

CCCCC: código nacional da serventia. Exemplo, 1º. ORI SP/SP: 11.145;

L: livro. Em geral, para matrícula é o livro 2. Mas pode ser livro 3 para registros auxiliares (Convenção de Condomínio, Pacto Antenupcial, etc.);

NNNNNNN: número de ordem. Exemplo, matrícula de número 123.000 dessa serventia;

DD: dígitos verificadores obtidos por algoritmo padronizado (Módulo 97 Base 10, conforme ISO 7064). Para o caso acima, 30.

Assim, essa matrícula teria o número único nacional 11145.2.0123000-30

Sugestão do IRIB: que a matrícula encerrada ou cancelada não possa ter o seu número reutilizado.

ONR será organizado como Pessoa Jurídica de Direito Privado, sem fins lucrativos (natureza jurídica sui generis). Seu objetivo será modernizar o registro de imóveis e promover maior competitividade nacional (o Brasil ocupa a incômoda 123ª posição entre 190 países no Ranking do Banco Mundial para ambiente de negócios – Doing Business). A opinião do palestrante é que o Registro de Imóveis pode melhorar o ambiente na pré-contratação de negócios imobiliários já no momento do registro do contrato.

A lei federal 11.977/09 já previa que a ReUrb de interesse social terá os atos feitos preferencialmente por meio eletrônico (mas não dispôs como os cartórios se organizariam para que isso fosse feito…). Em São Paulo (SP) já se faz a penhora eletrônica de imóveis com sucesso.

O novo sistema deverá atender ao modelo constitucional de serviço público exercido em caráter privado, por delegação administrativa, em especial quanto às bases de dados das serventias.

 

Avaliação e alienação de imóveis da União

[Marcelo Berti, desembargador. 11/12/17]

Imóveis públicos não são passíveis de usucapião, como já apontamos, e isso cria a necessidade de outros instrumentos para a regularização fundiária. As ocupações não costumam obedecer às divisas entre áreas públicas e privadas, e são invadidas as áreas de doação de loteamentos demarcadas como áreas verdes, vias públicas, praças, uso institucional, etc., os quais viram lotes em sua situação de fato.

Desde os primeiros projetos para esta nova lei, os bens públicos foram considerados como objeto de ReUrb, inclusive a ReUrb-E (prevista no Art. 16). Neste último caso será necessária avaliação do imóvel.

Ainda antes de efetivamente entrar no assunto, a lei autoriza a reconhecer o direito de regularização fundiária em imóveis da União para ReUrb-S, incluindo também imóveis de Municípios, Estados, e Distrito Federal (Art. 23, parágrafo 4º.).

O Título III trata especificamente dos procedimentos de avaliação e alienação de imóveis da União (desenvolvido pelo Ministério do Planejamento, diferente do restante da lei, que ficou com o Ministério das Cidades).

O Art. 83 admite a regularização fundiária em área urbana ou de expansão urbana, não seguindo a ideia inicial do projeto de lei que objetivava a destinação da área, e não o macrozoneamento. O mesmo artigo determina que a ReUrb em área da União seja regulamentada em ato específico da Secretaria do Patrimônio da União (SPU), a qual tem 12 meses a contar da aprovação da lei (julho de 2017) para fazê-lo.

O Art. 84 trata da venda direta a seus ocupantes, quando se tratar de núcleos urbanos, dispensando a aplicação da 8.666/93.

A nova lei também trouxe a figura da Certidão de Autorização de Transferência (CAT), diferente da CRF prevista na própria lei, a qual será levada diretamente ao registro de imóveis. A CAT só se aplica à regularização fundiária de núcleos em imóveis da própria União.

Este novo regramento atinge um grande número de imóveis em situações específicas, tais como:

  • Imóveis da Marinha, que inclui todos aqueles situados a 33 metros da linha de preamar de 1831. Exemplo emblemático é Belém (PA), onde metade da cidade está em áreas da Marinha em função desta regra, e não podia ser titulada até a aprovação da nova lei 13.465/17;
  • Imóveis enfitêuticos;
  • Comunidades tradicionais (que representa grande parte dos imóveis da União). Estas comunidades eram muitas vezes retiradas por falta de amparo legal, o qual foi trazido nesta nova lei.

Ainda assim, muito ainda depende da regulamentação que virá. Ministro de Estado, em portaria, pode elencar quais imóveis são passivos de serem alienados.

Exemplos de desdobramentos possíveis da lei, aventados pelo palestrante: o primeiro são as ilhas, hoje concedidas por aforamento. Seus ocupantes poderão manifestar interesse na compra, por valor de mercado, ressalvadas as restrições quanto a posições estratégicas, defesa nacional, situações de fronteiras, etc. Aqui entra também a Amazônia Legal, onde muitos imóveis ainda são da União. Os poucos títulos que existem são inseguros, pois a sua origem dominial não resistiria a um exame mais acurado. Muitas prefeituras emitiram títulos sobre terras da União, de cidades inteiras. Esta instabilidade jurídica favorece ocupações, cujos movimentos organizados, conhecendo este ponto fraco, se aproveitam para invadir estas áreas, desmatam e vendem a madeira (a qual possui elevado valor de mercado). Isto cria uma situação perversa, em que muitas famílias estão vivendo de acordos espúrios que usam indevidamente o Poder Judiciário. Após a invasão, entram com ação de reintegração de posse, a qual só se efetiva após a venda da madeira, e as famílias passam a explorar economicamente a área como pasto, consolidando o desmatamento da floresta amazônica sem que seja possível a aplicação de qualquer multa ambiental, pois os proprietários foram “vítimas”. Segundo este palestrante, o título legítimo poderia evitar estes casos, pois é muito mais difícil invadir uma área que tem dono, sem o qual não há quem se responsabilizar por atos deste tipo.

Aberta a sessão para discussão, Olivar Vitale lembrou que a venda de imóveis da União deverá ser feita a partir de avaliação feita pela Caixa Econômica Federal, desde que com alienação fiduciária a favor da União, em 240 parcelas para a baixa renda, ou 120 parcelas para famílias de renda mais alta.

CAT: qualquer cidadão pode pedir, e será levada diretamente ao Registro de Imóveis (para venda direta), se a União concordar. A SPU tem 12 meses para regulamentar os artigos 83 e seguintes (até Art. 90).

Em casos de ReUrb-S, a União poderá transferir ao município o processo de regularização, pois este último conhece melhor a realidade local, para regularizar emitindo a CRF. A ReUrb-E pode ser praticada pela União, mas depende de regulamentação da matéria.

Faixas de Orla: (áreas da Marinha por estar dentro dos 33 metros da linha de preamar de 1831) não são aceitas como garantia bancária, vira um “ativo morto”, pois é direito pessoal e não direito real. Como o valor destas áreas é levado, provavelmente os ocupantes não se interessarão pela compra. Incluindo as áreas de acrescidos da Marinha, estas áreas são bastante significativas. Exemplo é o município de Cubatão (SP), quase totalmente nesta situação. A SPU cobra pelas aerofotos antigas, incluindo áreas que já foram mangue ou alagáveis e que estão há muito tempo secas. Aplicadas as plantas genéricas de valores dos municípios, os montantes passam a ser elevados, acima do real valor de mercado. As benfeitorias devem ser excluídas das bases de cálculo de taxas. Mas vários terrenos foram preparados, criando valor econômico (exemplo são os pátios de contêineres). A SPU está cobrando pelo valor atual, usando a planta genérica de valores, dando a impressão de que o intuito é muito mais arrecadatório que de efetiva regularização fundiária.

O laudêmio é cobrado com uma alíquota de 5% sobre o valor do imóvel (valor que foi considerado elevado por ouvintes).

Foi também esclarecido que a legitimação fundiária em áreas públicas deve ser gratuita.

(baseado em ciclo de debates no Secovi-SP, de 27 de novembro a 11 de dezembro de 2017)

 

Recomendamos a leitura do texto completo da lei (veja aqui).

7 comentários em “O que muda com a nova Lei Federal de Regularização Fundiária (13.465/2017)?”

  1. Prezados,
    Sou morador de bairro em Nova Lima, MG, Região Metropolitana de Belo Horizonte, e há anos a Associação de proprietários vinha cobrando e entrando na Justiça com ações para pagamento de taxas de rateio de não associados. Há mais ou menos um ano, começaram a perder na segunda e terceiras instâncias, e suspenderam a cobrança.
    Agora eles começaram a ameaçar de novo moradores e proprietários que não aceitam pagar, com a divulgação de informações sobre uma “nova” Lei, a 13.465/2017, que, segundo eles, incluiu o artigo 36-A na Lei Federal nº 6.766 de 19 de dezembro de 1979, que dispõe sobre a legitimidade das Associações de Moradores realizarem a devida cobrança pelos serviços prestados a todos os moradores, restou superado o debate acima por expressa previsão normativa.
    Favor acessar o link da Associação e vejam o que estão alegando e usando como justificativa: http://jardinsdepetropolis.com.br/blog/ultimas-noticias-sobre-o-jp/
    Gostaria de saber se eles tem razão e se agora poderão mesmo cobrar, legalmente, através desse art. 36 da Lei 13.465/2017 taxas dos não associados.
    Agradecemos e aguardamos resposta.
    Att.:
    Luís Eduardo Lemos

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    1. Prezado Luís,

      O seu caso é mais complicado. Recomendo consultar um advogado especialista em direito urbanístico, preferencialmente um que trabalhe com regularização fundiária.
      Você pode obter indicações no Secovi de sua região.

      Um abraço,

      RT

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