Por um novo paradigma habitacional: o papel do município

Questão habitacional

Comecei a trabalhar com habitação social em 2002. Na época, a carência de recursos para o setor era entendida quase que como característica intrínseca, e havia uma predominância de entendimentos de que deveríamos fazer o possível, atuando das situações mais críticas com o pouco recurso disponível. Essa linha de entendimento levava a ações que ficaram conhecidas como “urbanização de favelas”. O que se fazia era levar redes de energia elétrica (oficial), água e esgoto a casas de autoconstrução precárias e insalubres.

O problema maior, a meu ver, é que as tais “urbanizações de favelas” não agiam sobre as casas! É isso mesmo, eram ações “habitacionais” que não tinham absolutamente nenhuma ação sobre as moradias em si. Não consigo entender como esse tipo de ação urbana possa ser caracterizada, stricto sensu, como habitacional.

Outro fato que logo veio a meu conhecimento e que certamente causa mais espanto frente ao contexto foi descobrir que a urbanização de favela não é uma ação tão econômica quanto se fazia parecer. Alguns colegas da prefeitura onde eu trabalhava me mostraram os reais custos de urbanização de algumas comunidades que estavam em curso havia mais de uma década, e os custos não eram muito distantes do que posteriormente vimos nos modelos do Minha Casa Minha Vida. Pior: gastavam quase o mesmo sem agir, em nada, sobre as moradias que continuavam precárias e insalubres. Continuar lendo Por um novo paradigma habitacional: o papel do município

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O valor do suor: mais uma lição de 2020

O que não faltou em 2020 foi história para contar no futuro. Uma pequena contribuição eu deixo aqui na forma de relato pessoal sobre o trabalho realizado neste mesmo blog. Quando, no final de março, o isolamento social tomou as proporções gerais que vimos, dois cenários possíveis ficaram claros para quem produz material para a internet:

  1. Hipótese 1: as pessoas isoladas em suas casas, com menor tempo consumido por deslocamentos físicos, acessariam mais a internet, e o tráfego aumentaria;
  2. Hipótese 2: a inevitável crise econômica reduziria o interesse por conteúdo técnico ou especializado, e o tráfego diminuiria.

O que se seguiu nas semanas seguintes confirmava a primeira hipótese: em maio, os números de tráfego superava qualquer expectativa que pudéssemos antever no início do ano, batendo recordes diários. Naquele momento, parecia que poderíamos fazer muito pelas pessoas em isolamento, e talvez (imaginei) poderíamos até eventualmente ajudar alguém a manter sua renda na pandemia.

Mas essa ilusão não durou muito: a segunda quinzena de julho já mostrava tráfego similar ao do ano anterior. Quando entramos em agosto, o tráfego despencou a níveis que tínhamos em 2015. Continuar lendo O valor do suor: mais uma lição de 2020

Taxa de desconto e custo de capital para saneamento e energia: algumas notas

Setores que exigem grandes investimentos e longos prazos de maturação sempre conviverão com estes dois elementos constantes de elevação de riscos. E, aos olhos do investidor, mais riscos significam maior exigência de retornos – caso contrário, não haveria sentido em assumir os riscos do empreendimento. Assim sendo, para que haja investimento privado nesses setores, existem pelo menos duas condições básicas: um bom marco regulatório e uma taxa de retorno atraente. O segundo item, para cumprir a condição de atratividade, precisa, no mínimo, igualar o custo de capital total do empreendimento.

Existem vários métodos para esse cálculo, sendo o mais utilizado, em qualquer natureza de projeto contemporâneo, o WACC (Custo Médio Ponderado de Capital). Por este motivo, o WACC tem sido usado como referencial para investimentos em infraestrutura, pois procura retratar o investimento mínimo que viabiliza economicamente o projeto, indicando qual seria o custo de oportunidade do investidor, considerados os riscos específicos do negócio. Continuar lendo Taxa de desconto e custo de capital para saneamento e energia: algumas notas

Viabilidade econômico-financeira em Parcerias Público-Privadas

A recente intensificação do envolvimento dos parceiros privados para o desenvolvimento de projetos de infraestrutura em setores tradicionalmente geridos e controlados pelo Estado trouxe consigo a necessidade de maior aprofundamento em assuntos tipicamente bem dominados pelo setor privado. Um desses assuntos é o amplo conjunto de conhecimentos e técnicas de Estudos de Viabilidade Econômico-Financeira (EVEF), o que inclui assuntos derivados como valuation, avaliação econômica de imóveis, planos de negócios, entre muitos outros. Abordaremos o tema de forma geral aqui, mas neste blog você já encontra aprofundamentos pontuais em alguns dos tópicos abaixo, onde estão disponíveis links internos específicos.

De forma costumeira, a viabilidade econômico-financeira de uma parceria público-privada (PPP) se desenvolve em quatro etapas principais:

  1. Levantamento de investimentos, custos e despesas necessárias à prestação dos serviços;
  2. Identificação de gaps e oportunidades de melhorias operacionais pelo parceiro privado no sistema;
  3. Projeção de fluxos de caixa do sistema operado pelo parceiro privado para uma Taxa Interna de Retorno (TIR) predeterminada;
  4. São construídas análises de sensibilidade e cenários alternativos.

Além disso, a PPP só fará sentido para a sociedade se os benefícios coletivos entregues superarem os benefícios privados exigidos. Isso é chamado de Value for Money (valor social entregue pelo dinheiro público investido), e precisa ser demonstrado num estudo financeiro específico. Continuar lendo Viabilidade econômico-financeira em Parcerias Público-Privadas

A questão das garantias em parcerias público-privadas

A Lei Federal 11.079/2004, também conhecida como Lei de PPPs, consolidou em nosso ordenamento jurídico uma demanda represada havia mais de uma década: permitir uma mudança no paradigma de relacionamento entre Poder Público e iniciativa privada, superando as simples contratações de fornecimento de materiais e obras, em direção a relacionamentos mais maduros em parcerias de longo prazo.

Ocorre que estes projetos costumam ter uma fase inicial de investimentos robustos, os quais, em parcerias público-privadas, são amortizados via contraprestações pagas (ou aportes de recursos) pelo ente público contratante ao longo de prazos extensos, que podem chegar a 35 anos. Obviamente, para que haja segurança entre as partes nessa relação, ambas exigem garantias de que o pactuado será mantido. Continuar lendo A questão das garantias em parcerias público-privadas