
A morte urbana de regiões e bairros por falta de diversidade de usos não é nenhuma novidade. O exemplo mais emblemático provavelmente é a implosão do conjunto residencial Pruitt-Igoe, de Saint Louis (EUA), em 16 de março de 1972.
O projeto, que seguia à risca os preceitos da arquitetura e urbanismo modernos, premiado, escolhido por unanimidade pelo júri, se provou um grande fiasco. As causas, muito associadas ao uso do solo monofuncional e à falta de participação da comunidade no desenho, levaram o governo local a preferir investir mais alguns milhões de dólares em sua completa aniquilação. Charles Jencks atribuiu ao instante da primeira detonação, a morte do modernismo no campo (falamos mais sobre esse assunto em Competicidade).
Revendo esses conceitos, me lembrei de vivenciar algo parecido no Brasil. Porém, ao contrário da experiência de habitação social norte-americana, foi num bairro valorizado da Zona Oeste de São Paulo: o Alto de Pinheiros. O projeto, mais do que inspirado nos princípios das cidades-jardins inglesas, teve a participação pessoal de Barry Parker e Raymond Unwin, colaboradores diretos de Ebenezer Howard, numa visita ao Brasil no início do século 20.
Seguindo os ideais de subúrbios britânicos de alta qualidade ambiental, definiu um urbanismo esparso, de baixa densidade, e muito verde em áreas públicas e nos amplos recuos obrigatórios nos lotes. Além disso, contratualmente restringiu o uso do solo a residências em sua quase totalidade (usos comerciais e de serviços só foram permitidos em alguns pontos específicos, de maior movimento).
Acontece que as cidades brasileiras, de baixas e médias densidades, espalham-se horizontalmente por inúmeros motivos. São Paulo, com o intenso crescimento do início do século passado, expandiu tanto sua mancha urbana, que o Alto de Pinheiros, subúrbio na época da visita dos ingleses, passou a centro expandido na virada para o século 21.
Assim, suas avenidas internas passaram a ser eixos estruturais de uma área central da maior cidade da América do Sul, sua localização disparou o valor dos imóveis, e as restrições contratuais e de zoneamento preservaram um oásis verde cercado por tecidos urbanos convencionais de médias densidades com seus edifícios inexpressivos, típicos de nossas incorporadoras descompromissadas com qualidade de projeto.
Por outro lado, o fácil acesso, a falta de vida cotidiana nas ruas (típico do residencial de baixa densidade), e a visibilidade de imóveis de alto padrão criaram ambientes de extrema insegurança. A violência urbana, o IPTU elevado, e a impossibilidade de se aumentar as densidades dos lotes expulsaram essa população para condomínios horizontais ou verticais. E, como o uso residencial não pode ser flexibilizado, esses imóveis viraram verdadeiros elefantes brancos nas mãos dos proprietários.
Trabalhei em um escritório instalado numa grande casa, próxima à Praça Panamericana, e vivenciei um pouco dessa realidade. A primeira coisa que me chamou a atenção foi o fato de termos que ser escoltados por seguranças privados até a estação ferroviária mais próxima (Cidade Universitária / CPTM, a 300 metros de distância). O segundo, foi descobrir que quase todos os imóveis da quadra estavam vazios e à venda.
Não é uma realidade exclusiva de São Paulo: por todo o país, os bairros exclusivamente residenciais de alto padrão vivem, em maior ou menor grau, situação parecida. O cenário de exclusão social espacialmente realizada, aliado às características dos tecidos urbanos típicos nacionais, levam a dificuldades de apropriação social destes bairros, apesar de sua alta qualidade ambiental no sentido biológico.
Entretanto, há uma luz no fim do túnel: a nova lei de regularização fundiária (Lei 13.465/17) favorece algumas tendências globais de compartilhamento de grandes imóveis (como o coliving), através de novos dispositivos. Um dos mais importantes para a questão aqui levantada talvez seja a figura jurídica do Condomínio urbano simples. Neste modelo, um grupo de pessoas adquire uma grande casa e, mediante alguns ajustes internos de arquitetura, promovem a instituição jurídica de condomínios (definindo áreas privativas e comuns), com todo o regramento condominial previsto na legislação brasileira. A forma como isso será feito, é livre. Por exemplo: cada unidade privativa (grandes suítes) transformam-se em pequenos “apartamentos”, mas a cozinha original poderia ser usada como “cozinha gourmet” pelos condôminos. Este modelo tem ganhado proeminência em alguns países (como a própria Inglaterra) há décadas, como compartilhamento entre amigos (de jovens a idosos). A coabitação entre amigos idosos costuma incluir o compartilhamento de serviços de cuidadores e enfermeiros, em muitos casos.
Creio que proprietários, cidadãos e governos têm muito a ganhar com a consideração dessa possibilidade, além de ajudar a realizar a função social da propriedade, prevista na Constituição Federal de 1988.

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