O papel de Le Corbusier para o Movimento Moderno é tão importante que fica difícil imaginar outro igualmente influente para citar como referência. Sua atuação pessoal era quase como a de um profeta convicto divulgando ideias radicais e polêmicas a todos os ventos, acompanhado de uma produção técnica concreta e uma militância esforçada em arregimentar o máximo possível de pessoas que encontrava pelo caminho.

Também é seguro considerar Le Corbusier como uma das principais influências no desenho urbano internacional de 1940 até 1970. A partir da década de setenta, passou a ser criticado pelas deficiências das cidades europeias de então, mas a grandeza de sua obra foi (merecidamente) reconhecida alguns anos mais tarde.
Sua produção arquitetônica é tão forte que as estruturas edificadas sempre estiveram na base de seus paradigmas urbanísticos: “Sempre e em qualquer escala, Le Corbusier actua como um arquitecto da monumentalidade, dado o seu afastamento da prática urbanística e da gestão das cidades” [1] Lamas, 2000, p.351.
Le Corbusier foi uma espécie de nêmesis de Ernst May nos CIAM, os quais dominou politicamente quase por completo em sua segunda fase (1933 – 1947). Mas seu interesse em apresentar planos urbanos já existia, a despeito de seu foco no desenho de edifícios, ao redor dos quais organiza espaços abertos, característica esta presente em praticamente todos os seus “planos urbanos”. Os principais deles são:
- Plano de Cidade Contemporânea para Três Milhões de Habitantes (1922), caracterizado basicamente pelo estudo de uma área central de grande cidade a partir de três tipologias construtivas: a grande torre de escritórios, a habitação em redents, e a habitação em edifícios-palácios com jardins suspensos;
- O Plan Voisin (1925), um modelo conceitual abstrato elaborado a partir de uma região de Paris, propondo arrasar completamente com o tecido urbano existente, preservando apenas os edifícios históricos, os quais seriam re-emoldurados por áreas verdes. Na área restante, implantava os edifícios de grande porte pelos quais sempre teve enorme fascínio;
- A cidade radiosa (ville radieuse), apresentada em 1930, na qual estavam presentes as principais diretrizes de organização urbana de Le Corbusier, diretrizes essas que viriam a modificar profundamente as referências urbanas ocidentais nas décadas seguintes: a cidade arborizada, com grande parte de seu solo vegetado; grandes edifícios implantados pontualmente, cujos térreos eram abertos por pilotis aos pedestres e aos alongamentos visuais das áreas verdes; edifícios monofuncionais, implantados a partir dos pontos cardeais; e unidades de vizinhança estruturadas com a infraestrutura básica de equipamentos comunitários em seu interior.
À medida em que seu trabalho evolui, os edifícios ficam ainda mais presentes, até chegar ao conceito de “unidade de habitação de grandeza eficaz”, com capacidade para abrigar 1.800 habitantes. Esse modelo chegou a ser construído em Marselha e Lyon, e ficou conhecido apenas por unité d’habitation (unidade de habitação, em francês).
Total opositor à cidade tradicional e adorador do desenvolvimento industrial e mecânico, Le Corbusier sempre perseguiu uma “cidade para a era da máquina”. Criticava e buscava superar a “rua corredor” e o quarteirão tradicional. No limite, este último se transforma em um edifício (unidade de habitação), o máximo de rompimento com a cidade tradicional até então: o espaço térreo do edifício passa a ser público (pilotis), sua orientação independe do sistema viário, mas da orientação solar do terreno, e algumas funções urbanas são absorvidas pelo edifício (de comércio a equipamentos comunitários).
O radicalismo funcionalista de Le Corbusier estabelece um novo pólo de referência dali em diante. Como diria Jane Jacobs décadas mais tarde, é possível que ninguém quisesse de fato morar numa cidade como a do Plan Voisin. Porém, há que se lembrar que, antes de Le Corbusier, esse extremo referencial não existia – até então, os ensaios mais radicais ainda partiam de variações da cidade tradicional. Por mais indesejadas que fossem as cidades corbusianas, é necessário reconhecer também o mérito de terem estabelecido um novo mapa referencial para nossas possibilidades urbanas. De repente, as possibilidades morfológicas das cidades estavam situadas em relação a novos parâmetros.
Fonte: [1] LAMAS, José Maria Ressano Garcia. Morfologia urbana e desenho da cidade. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2000.
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