As propostas alternativas à urbanística moderna operacional se tornam mais sólidas e viáveis a partir da década de 1960. A partir de textos teóricos e experiências práticas, são resgatadas riquezas que a variedade, a mistura, a complexidade e a aproximação de diferenças proporcionavam às cidades tradicionais.
As novas propostas urbanas recusam a cidade moderna com a mesma veemência com que esta recusara a cidade tradicional no início do século. Os males do racionalismo radical são listados e escancarados em praça pública. A monotonia, a pobreza formal, desperdício de espaço urbano e de paisagem, além dos ambientes depressivos são denúncias recorrentes nas mais variadas artes – de Laranja Mecânica (1962) na literatura a Brazil, o filme (1985) no cinema, passando por infinitos outros exemplos aqui omitidos.
O urbanismo passa então a olhar novamente para o passado e para a cidade tradicional, resgatando as “qualidades espaciais e de potencial de vida humana, como na crítica de Jane Jacobs, que parecia repropor o modelo das antigas aldeias italianas” [1, p.385].

A partir da década de 1970, se consolida um tripé de evidências para a necessidade de se reescrever os manuais da urbanística moderna:
- O urbanismo, que passara a ser campo multidisciplinar nas décadas anteriores, engrossava as críticas contra a construção em altura;
- Surgiam, cada vez mais, conjuntos residenciais de baixa altura (exemplo emblemático foi Siedlung Hallen);
- Convergia-se para o consenso de que a cidade não é elemento finito, “domesticável”, onde a arquitetura conseguisse estruturar a escala global. Os equívocos das tentativas nesse sentido eram incompatíveis com a construção de riquezas culturais espontâneas – portanto, seria um erro impor a cidade como objeto culturalmente significante máximo.
Acumulavam-se as críticas à construção em altura: do consumo excessivo de recursos naturais e ineficiência econômica de sistemas até prejuízos à formação de crianças distanciadas do solo. O impacto visual dos edifícios altos às cidades era muitas vezes indesejável.
Como alternativa, surgiram estudos comprovando que o aumento do perímetro dos edifícios, reduzindo seu gabarito, tinha a capacidade de proporcionar densidades elevadas sem prejuízos econômicos ao empreendedor na maximização da renda em relação ao solo urbano ocupado. Tais estudos funcionaram como um gatilho para o desenvolvimento de uma estética para um novo urbanismo.
Constatada a incapacidade da estruturação urbana em escala a partir da arquitetura, o olhar foi redirecionado para as formas reais da vida cotidiana, para os detalhes que dão vida e significado à cidade. É nessa esteira que surgem os icônicos trabalhos que semearam os atuais cânones da urbanística contemporânea, em especial as produções de:
- Gordon Cullen, Paisagem urbana: um estudo de valorização das sequências urbanas imprevisíveis, das surpresas visuais, da descoberta ao caminhar, incluindo os pequenos detalhes físicos.
- Kevin Lynch, Imagem da cidade: busca de qualidade urbana a partir de seus ícones e elementos reconhecíveis e marcantes. O trabalho de Lynch não estava isolada, fora acompanhado de outras iniciativas deflagradas no MIT.
- Jane Jacobs, Morte e vida de grandes cidades: este trabalho é um manifesto pela recuperação da vitalidade urbana a partir de suas diversidades, misturas de usos, permeabilidade, vigilância comunitária. Este trabalho foi tão importante que alavancou a imagem de Jacobs nos Estados Unidos. Mais tarde, ela viria a se tornar senadora.
- Irmãos Krier (Léon Krier publicou diversos trabalhos relevantes, como Architecture & urban design, ou The archiecture os community): o revivalismo dos irmãos Krier é levado ao extremo da veneração pela cidade antiga. Pode parecer inapropriado num primeiro momento, mas diversas de suas colocações são atualmente levadas a sério por intelectuais de respeito em diversos campos do conhecimento, tais como: o resgate de materiais tradicionais, inclusive sendo repropostos para a realidade contemporânea; repúdio ao automóvel; renúncia à industrialização; e a revalorização de atividades artesanais.
- Charles Jencks, Movimentos modernos em arquitetura: este autor identificou a morte do movimento moderno às 15h32min do dia 15/07/1972, momento da implosão do conjunto residencial Pruitt Igoe, um projeto que seguia a cartilha do modernismo, escolhido por unanimidade em concurso, monofincional… e que comprovadamente provocou problemas sociais e morais em sua população residente.
Esse foi o período de mais intensos ataques à cidade moderna, culminando na Bienal de Veneza de 1980. Nesse período, a cidade antiga deixou de ser vista pela perspectiva dos arremedos insalubres do início das aglomerações industriais, principalmente porque, resolvidas as questões produtivas da sociedade moderna, restava aos olhos dessa nova geração a preciosidade das cidades únicas, o fato de serem insubstituíveis, e o enorme valor que isso representava.
As cidades do Novo Urbanismo procuram recuperar prazeres sensoriais enterrados pela monotonia da cidade operacional. Muda a relação entre arquitetura e cidade, programas e edificações se inserem no tecido urbano com maior respeito e cuidado pelo registro físico prévio. Segundo José Lamas [1, p.388], é justamente essa “maneira diferente de pensar a arquitetura e o urbanismo” que viria a receber o rótulo de “Novo Urbanismo”.
“O ‘Novo Urbanismo’ significa, antes do mais, a contestação à urbanística operacional burocrática e às suas formas, procurando novos caminhos no desenho da cidade.” [1, p. 389]
Dali em diante, o movimento se enriqueceu, se fortaleceu, ganhou espaço por todo o mundo e, como não poderia deixar de ser, passou a ter suas próprias contradições internas. Mas essa já é outra história.
Fonte: [1] LAMAS, José Maria Ressano Garcia. Morfologia urbana e desenho da cidade. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2000.
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