A cidade medieval europeia

A queda do Império Romano desacelerou brutalmente o crescimento demográfico urbano europeu. A vida urbana entrou num longo período de estagnação, que só viria a ser novamente alterada no século 5 com a estabilidade política e o ressurgimento do comércio. Enquanto isso, os centros urbanos pré-existentes foram se modificando, formando um novo conceito urbano europeu de adaptações estruturais. O resultado morfológico deste processo é a cidade medieval.

Existem diversas naturezas originais para esses desenhos de cidade:

  • Antigas cidades romanas resistentes ou reocupadas após algum período de abandono
  • Burgos periféricos ou formados na outra margem dos corpos d’água de abastecimento, que se desenvolvem até virar novas cidades
  • Antigas estruturas do cristianismo instaladas fora das cidades romanas que, no período medieval, formaram novos núcleos urbanos
  • Formações urbanas derivadas do crescimento de aldeias rurais
  • Novos assentamentos urbanos fundados como bases comerciais ou militares, a partir de plano geométrico preliminar
Cidade medieval europeia
Cidade medieval europeia

Apesar das origens diversas, com o passar do tempo tenderam a um padrão mais ou menos semelhante entre si, radiocêntrico, que se sobrepõe e se recombina de infinitas formas com o traçado ortogonal romano pré-existente. Ao longo de um período extenso, dificuldades como escassez de materiais de construção, falta de espaço dentro do perímetro de muralhas, e mudanças nas funções dos edifícios geram transformações espaciais múltiplas, além de levar ao reaproveitamento de restos das antigas cidades romanas, inclusive materiais de construção.

Assim sendo, existiram dois caminhos para o desenvolvimento da cidade medieval:

  1. Desenvolvimento orgânico de estruturas urbanas existentes da época dos romanos, cujo desenho quadriculado anterior, de pouca utilidade à realidade medieval, vai se perdendo aos poucos, resultando numa nova estrutura física irregular e mais adaptada ao terreno. A nova estrutura fundiária de parcelamento do solo também se sobrepõe à divisão romana anterior.
  2. Fundação de novos núcleos urbanos com planos reguladores prévios, com loteamentos mais regulares, como ocorre na fundação das bastides e outras modalidades de cidades novas com traçados geométricos.

A monumentalidade das cidades romanas vai se perdendo aos poucos, resultando em formas urbanas de menor escala que caracterizam a pequena cidade medieval, socialmente apoiadas nas atividades laborais do artesão e do comerciante, estes agrupados em sistemas de corporação e poupança que mais tarde originariam o conceito de banca, principalmente em Veneza. Dificuldades diversas, pestes, epidemias, catástrofes e guerras fazem com que a população das cidades medievais alternem entre momentos de expansão e contração, variando a densidade demográfica urbana ao longo de todo o período.

Planta de cidade medieval europeia
Planta de cidade medieval europeia

No que tange especificamente ao aspecto militar e necessidade de proteção numa era de desarticulação política da Europa, as cidades se cercam de muralhas, torres e fossos num perímetro de controle e defesa, o qual também acaba por se configurar como divisa em relação ao espaço rural. Ao delimitar uma área, as necessidades de crescimento físico resultam em adensamentos que testam os limites de suas próprias possibilidades, até o limite em que se faz necessária a construção de novas muralhas para a expansão territorial, um movimento que explica os anéis sucessivos de expansão de diversos núcleos urbanos europeus.

As ruas, cada vez mais estreitas por consequência do adensamento, tem largura suficiente apenas à circulação de animais de carga e pedestres, mas se torna o espaço da vida social da Idade Média por excelência. A partir dos séculos 11 e 12 já se utiliza a pavimentação de ruas públicas com frequência. Os edifícios com maior valor comercial são os que possuem frente para a rua, pois ali se torna possível a atividade comercial – um conceito de valor imobiliário que perdura até os dias atuais, vide o caso de desvalorização de vilas paulistanas de meados do século 20.

O próprio espaço físico da rua, em si, também é utilizado para a atividade comercial, potencializando sua função social e vitalidade urbana centrada na via pública. O papel do espaço público nas negociações se expande e justifica a reserva de espaços para o mercado no interior do perímetro de defesa, lembrando que as trocas comerciais configuram uma das principais razões de existência dos aglomerados urbanos na Idade Média. A este conjunto, agregam-se ainda edifícios representativos do poder, seja religioso (catedrais), econômico (castelos) ou político (palácios, torres senhoriais e Câmara Municipal mais ao final da Idade Média).

Em oposição aos planos romanos, estes derivados da cidade grega, a cidade medieval concentrará seus edifícios no alinhamento da rua, deixando livre as áreas de fundos dos lotes para hortas e jardins urbanos, os quais acabam por funcionar também como espaços de promoção à salubridade urbana.

Negado pelo modernismo, o traçado da cidade medieval voltaria a ser valorizado por Camillo Sitte em 1889, numa crítica aos planos urbanos funcionalistas alemães e austríacos da época. Uma das críticas mais importantes desse trabalho é a falta de preocupação do projeto modernizante com os aspectos ambientais e estéticos resultantes. Alguns anos depois, Unwin também resgataria valores ambientais urbanos medievais para os projetos das new towns britânicas de Letchworth (1903) e Welwyn (1920).

Fonte: LAMAS, José Maria Ressano Garcia. Morfologia urbana e desenho da cidade. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2000.

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