A Paris de Haussmann (que é praticamente a mesma capital francesa que conhecemos hoje em termos viários) é provavelmente a mais emblemática experiência do urbanismo barroco registrado enquanto obra construída. Trata-se de uma radical intervenção numa cidade de traçado medieval, renovando o traçado viário, reformando a estrutura fundiária, construção de obras de infraestrutura urbana, de equipamentos, urbanização de novos espaços livres com três grandes objetivos:
- Fácil circulação dentro do espaço urbano;
- Erradicar a insalubridade e decadência nos bairros, favorecer a circulação de ar no interior das quadras adensadas, criar uma imagem de modernidade, arborizar a abrir espaços livres na cidade;
- Valorizar e enquadrar monumentos em perspectiva, os conectando entre si por vias largas.

O modelo urbano criado por Haussmann em Paris coloca os princípios barrocos do século anterior em um novo patamar, e rapidamente seria elevado a referência urbana e copiado por toda a Europa.
Também é notável a semelhança entre os princípios barrocos adotados por Haussmann e as intervenções de Sixto V em Roma, principalmente na diretriz de abertura de vias de conexão entre monumentos ignorando o tecido urbano intermediário, o que leva também à necessidade de redesenho fundiário. Porém, Haussmann inova nas características de modernidade dos elementos urbanos, em especial das vias arborizadas (boulevard), o uso de praças nos pontos sodais de confluências viárias e as rotatórias como organizadoras do trânsito (na época, ainda de tração animal).
O quarteirão passa a ser um elemento decorrente da intervenção, e não mais como elemento básico estruturador do plano urbano. Assim sendo, tem formatos irregulares, concentra o adensamento em seu perímetro periférico, resguardando um prisma interior como pátio de ventilação e iluminação naturais do bloco. Também surgem aberturas de passagens e galerias comerciais que rompem com a quadra estanque, e combinam as grandes aberturas da cidade com suas pequenas permeabilidade pontuais de quadras. Um prenúncio do desmonte da quadra que viria com força total no século 20.
O redesenho fundiário dos lotes obedece aos seguintes regramentos:
- As divisas de lotes nas esquinas são definidas pelas bissetrizes dos ângulos formados entre as vias;
- Os demais lotes são definidos por divisas perpendiculares à rua;
- Os lotes são desenhados de forma a evitar frentes para duas vias ou lotes muito grandes.
Essas regras também tinham motivação econômica: precisavam permitir a comercialização em hasta pública para a construção de casas burguesas e remunerar o custeio de desapropriação e reurbanização.
A intervenção urbana é complementada pela uniformização de elementos e materiais construtivos, de forma a conferir uniformidade ao conjunto, um dos pontos que confere maior força à intervenção de Haussmann – e uma das que mais ajuda a “vender” o conceito urbano de Paris internacionalmente nas décadas seguintes.
Fonte: LAMAS, José Maria Ressano Garcia. Morfologia urbana e desenho da cidade. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2000.
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