A cidade do formalismo francês

Até a Segunda Guerra Mundial, a França era uma potência econômica e cultural mais influente que os Estados Unidos no mundo ocidental. Por consequência, havia em território francês intensa produção urbanística, sendo alguns dos pontos mais marcantes:

  • Reconhecimento do urbanismo como nova ciência de organização dos assentamentos humanos (1910);
  • Constituição da Sociedade Francesa de Urbanistas (1913), contando com nomes de peso, como Eugène Henard (seu primeiro presidente), Agache, Forestier, Jaussely, Prost, Parenty, De Sousa e Tony Garnier (sim, ele mesmo, o da Cidade Industrial);
  • Lei Cordunet (1919) constitui a primeira Carta do Urbanismo e impõe a exigência de planos de “extensão e embelezamento” às cidades com mais de 10.000 habitantes. Apesar do viés limitado ao estético e visual, é a primeira imposição de regramentos urbanos em visão macro pelo governo central de um país;
  • A aplicação da Lei Cordunet nas reconstruções da Primeira Guerra Mundial ajudaram a consolidar modelos e realizar experiências práticas em questões como habitação, infraestrutura, sistema viário e equipamentos urbanos;
  • Criação de uma das primeiras escolas de urbanismo do mundo, a Escola Prática de Estudos Urbanos e de Administrações Municipais, por Marcel Poète em 1919, que viria a se tornar a o Instituto de Urbanismo da Universidade de Paris em 1924.

Este conjunto de eventos levou ao estabelecimento de um modelo urbano francês caracterizado pela valorização dos traçados clássicos, quadrícula hipodâmica regular, perspectivas planejadas em gravuras de impressionante qualidade gráfica, o que ajudou a exportar a influência cultural francesa pelo mundo.

Plano de Léon Jaussely para Barcelona
Plano de Léon Jaussely para Barcelona, 1903.

O modelo de cidade de formalismo francês foi o primeiro a pregar a obediência a planos urbanos que aceitavam a forma como produto final do planejamento urbano e o desenho como método de desenvolvimento desses planos. Pode parecer uma obviedade hoje em dia, mas o entendimento da necessidade de se observar e compreender a cidade antes de intervir era uma novidade naquela época.

Segundo Lamas [1, p.260], “é este o ponto de vista que é novo: a cidade já não é considerada do ponto de vista da arquitetura, das técnicas, ou da sociologia… mas simplesmente do ponto de vista das ‘cidades’.”

O formalismo francês foi superado há muito tempo, mas nos deixou um importante legado que ajudou a construir o urbanismo moderno, conformado pelo tripé vivo até os dias atuais:

  • debate teórico;
  • base em planos;
  • influência cultural internacional.

É dessa época e escola o plano de Agache para o Rio de Janeiro, além de outras propostas para muitas outras cidades, grupo no qual se incluem São Petersburgo (Rússia), Istambul (Turquia), o plano de Jaussely para Paris (1919), Besançon (França), Otawa, Montreal (ambas no Canadá), Filadélfia (EUA), Buenos Aires (Forestier, 1917), Havana (Cuba, idem), Saigon, Hai Phong (ambas no Vietnã), Phnom Penh (Camboja), Lisboa, Coimbra, Almada (três últimas em Portugal), Rabat Salé e Fez (essas duas últimas no Marrocos).

Importante observar aqui o alcance global da influência, desta vez menos limitado ao mundo ocidental sob o raio de alcance dos padrões europeus, como ocorreu nos modelos anteriormente apresentados aqui.

A ampla influência do urbanismo formal francês duraria até o término da Segunda Guerra Mundial, quando novas demandas trazidas pela necessidade de rápida reconstrução em volume elevado e um novo modelo modernista criariam uma realidade de ensaios imediatos em grande escala e que viria a transformar os padrões urbanos do mundo. Mas esta já é outra história.

[1] LAMAS, José Maria Ressano Garcia. Morfologia urbana e desenho da cidade. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2000.

Leia também:

A cidade hipodâmica
A cidade romana antiga
A cidade medieval europeia
A cidade renascentista
A cidade oitocentista europeia
A cidade utópica
A cidade de Hausmann
A cidade de Cerdá
A cidade do entreguerras
A cidade de Camillo Sitte
A cidade de Raymond Unwin

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13 comentários em “A cidade do formalismo francês”

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