A cidade operacional do pós-guerra

A Segunda Guerra foi devastadora para as cidades europeias. O déficit habitacional era estratosférico no armistício, o que provocada grandes êxodos humanos – conhecemos essa realidade do outro lado deste caminho, pois o Brasil foi o destino de muitos desses refugiados.

Receosos dos rumos vindouros em decorrência desse cenário, os norte-americanos injetaram grandes volumes financeiros na reconstrução as cidades por meio do Plano Marshall. Se as experiências do início do século haviam trazido espanto pela grandiosidade e velocidade da urbanização moderna, o pós-guerra traria sentido exponencial ao assombro dos europeus.

Dresden ao final da Segunda Guerra
Dresden ao final da Segunda Guerra

Era necessário construir muito, rápido e a baixo custo. A urgência social colocou de lado as discussões técnicas entre a urbanística moderna e a formal, pois era evidente qual delas possibilitava maior produtividade na produção. Além disso, o movimento moderno oferecia possibilidades de elevada qualidade construtiva simultânea à rapidez e economia de recursos.

Pela primeira vez, projeto e obra eram executados com independência de sistemas viário, de saneamento, de energia elétrica, de edificações, etc. Ganhava-se em prazos, reduzido custo por unidade habitacional (quando comparado à cidade formalista), e de quebra ainda se desenvolviam indústrias nacionais de suporte à construção civil.

Varsovia: o bairro de Mokotów, típico da reconstrução europeia
Varsovia: o bairro de Mokotów, típico da reconstrução europeia

Era o contexto ideal para que a urbanística moderna assumisse a supremacia no cenário global, a ponto de os modelos anteriores praticamente desaparecerem por completo nas décadas seguintes. Abriam-se grandes espaços livres e verdes, mais ar e luz adentrava à moradia moderna, e o alvo minimalismo das novas edificações eram tentativas de se amenizar o trauma da guerra. Diversos textos da época indicam a predominância do sentimento de construção coletiva de uma nova era após anos de pesadelo e caos.

Segundo José Lamas [1, p.362], muitos cidadãos dos bairros reconstruídos nesse período os associam ao status de maior conforto e modernidade.

Como se pode imaginar, o contexto também permitiu que os novos arquitetos que assumiam a direção de tantas obras impusessem a ideologia dos CIAM, especialmente na França. A cidade tradicional recebia seu golpe de misericórdia na história do urbanismo. Alguns fantasmas ainda voltaram a rondar alguns movimentos ao final do século 20, mas não passaram disso: fantasmas. No máximo, o que conseguiram foi despertar alguma nostalgia em recônditos nem sempre muito lúcidos das necessidades humanas globais.

Por outro lado, pressa e limitação de recursos raramente são elementos acompanhados de alta qualidade. As necessidades em escala produziram muitas repetições em massa, o que logo levou às críticas que se estenderam até a revisão da urbanística moderna mais ao final do século 20:

  • monotonia urbana
  • pobreza plástica do ambiente construído
  • desaparecimento do elemento humano individual como base da construção urbana: passamos a ser números e estatísticas

O racionalismo entrava num período de esgotamento, cujas críticas estruturadas levaram a novos conceitos e à identificação de necessidades adicionais, cujos textos passam a se avolumar a partir da década de 1960. Mas essa já é outra história.

Fonte: [1] LAMAS, José Maria Ressano Garcia. Morfologia urbana e desenho da cidade. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2000.

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