A cidade utópica

O século 19 concentrou os problemas da industrialização em áreas urbanas repentinamente inchadas e despreparadas para o adensamento. Em questão de poucas décadas, a realidade humana se tornou mais sórdida, e seria quase impossível ao europeu da época dissociar a perda de qualidade ambiental do rápido processo de urbanização.

Num processo natural de reação, surgiram novas propostas de reformas sociais e econômicas em novas formas de comunidades, tais como os falanstérios (Owen) e familistérios (Fourier), as quais sugeriam profundas transformações sócio-culturais, muito além de ajustes físicos das formas urbanas. Era um momento de completo redesenho da organização humana à nova realidade industrial, mecanizada e exponencialmente mais ágil.

Frente à desgostosa realidade, as propostas se opunham radicalmente à cidade existente e apresentavam novos ideais urbanos, em formas, princípios e técnicas completamente inovadores. Não havia limites às vanguardas, que interferiam inclusive no funcionamento da estrutura nuclear da família. Apesar disso, as propostas ainda se manifestavam como conjuntos de edifícios, cujos layouts internos eram decorrentes das propostas de reorganização das comunidades.

Tais experiências marcaram pelo caráter voluntarioso de revolução nas organizações sociais, mas não tiveram sucesso na consolidação dos modelos, os quais hoje em dia servem como referencial e registro do pensamento social num momento histórico muito singular.

Os falanstérios, propostos por Charles Fourier, seriam grandes edificações comunitárias enquanto reflexo de organizações sociais harmoniosas, na qual cada pessoa trabalharia de acordo com sua vocação. Essa previsão não deve ser confundida com flexibilidade na filosofia fourierista, uma vez que Fourier entendia que cada pessoa ocupava um lugar social muito bem definido. Também entendia o ser humano como essencialmente bom, depositário de uma harmonia universal.

O falanstério de Charles Fourier
O falanstério de Charles Fourier

Enquanto infraestrutura, cada falanstério seria auto-suficiente em termos de produção e consumo, mas podiam trocar bens com outros falanstérios. Cada unidade teria ao seu redor terras para agricultura, outras formas de produção e habitação. Os componentes de cada falanstério seria voluntariamente associado até o limite populacional de 1.600 pessoas, vivendo juntos em um mesmo complexo de edifícios (curiosamente assemelhados ao Palácio de Versalhes). Uma rede cada vez mais extensa de falanstérios funcionaria como base para uma profunda transformação social, calcada em experiências empíricas, e que levariam ao surgimento de um novo mundo mais harmonioso.

Cada pessoa poderia escolher seu próprio trabalho e mudar de ocupação quando desejasse. Também era uma proposta equânime, prevendo que os salários não seriam iguais para todos, mas decorrente das características de cada ocupação.

As experiências tiveram pouco sucesso, sendo alguns dos casos mais resistentes situados nos Estados Unidos, onde a possibilidade de convívio de diversas famílias num mesmo edifício ou conjunto de edifícios foi melhor aceita.

Também é digna de nota a experiência de Guise (norte da França), onde Jean-Baptiste Godin adquiriu 18 hectares  em 1859 para a construção de de um complexo de habitações operárias inspirado nas propostas de Fourier. Essa experiência resistiu até 1968, quando os alojamentos foram vendidos por dificuldades econômicas.

O edifício existe até os dias atuais.

Interior do familistério de Godin em 2005
Interior do familistério de Godin em 2005

Fonte: LAMAS, José Maria Ressano Garcia. Morfologia urbana e desenho da cidade. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2000.

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