A redução do compulsório e o mercado imobiliário

Todo Banco Central que se preze limita a alavancagem bancária (volume de recursos de terceiros em relação aos recursos próprios). A limitação é feita com diversos instrumentos que servem também à política monetária, porque os bancos são multiplicadores de moeda na economia. Um desses instrumentos é aplicado ao seu rico dinheirinho que sobrou na poupança (e não me diga que você não está aproveitando os belos retornos de LCI e Tesouro com risco inferior ao da poupança…).

Funciona assim: o governo exige que uma parte dos depósitos em poupança fique bloqueado na conta movimento do banco no Bacen. O resto, o banco pode emprestar e ganhar o seu lucro na diferença, o spread. Esse bloqueio é chamado depósito compulsório, e reduz a multiplicação da moeda pelo sistema bancário. O que sobra, pode ser emprestado no Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo – SBPE. E por lei, 65% do SBPE tem que virar financiamento imobiliário.

Observe: a imprensa tem amplamente noticiado um fato inédito no Brasil. Nos últimos meses, vários motivos levaram os brasileiros a sacar seus recursos da poupança. Enquanto isso, do outro lado, o mercado imobiliário se aqueceu muito e rápido, ao mesmo tempo em que o valor dos imóveis disparava. Resultado: esvaziamos os recursos do SBPE. E quando descobrimos isso? Justamente quando a inflação estourou o teto da meta, os investimentos estão zerados, o crescimento é negativo e a moeda tende a se depreciar. Some aí uma crise política (e alguns desavisados lembrando do Plano Collor). A receita para sair da fria é tomar um remédio amargo, que vem sendo administrado em forma de ajuste fiscal ao paciente.

Agora que você entendeu o cenário, veja isto: há quem acredite numa redução do compulsório para dar sobrevida ao SBPE. Não duvido de nada, mas… Sério mesmo?! Acreditar que agora é hora de aumentar o volume de moeda, arriscar mais inflação para impulsionar crescimento de curto prazo? OK, eu sei que habitação não é consumo aos olhos do PIB, está na conta de investimentos. Mas esse investimento não vira o fator de produção dos sonhos de nenhum país, portanto não contribui muito com o PIB futuro. E estamos neste momento justamente sofrendo pela falta de investimentos nos últimos anos.

Vamos supor que o compulsório seja reduzido “com sucesso”: o resultado é que o mercado imobiliário não estanca, ganha novo impulso. Sim, o mesmo mercado imobiliário cujo boom acelerou a inflação e nos deixou nos sentindo mais pobres que nunca (quem compra imóvel de 1 milhão de reais? Eu gostaria de saber…). O resultado seria total descrédito no ajuste fiscal, tchau esperança de sermos vistos como sérios, mais tempo sem investimentos, portanto menos empregos, menos infraestrutura para voltarmos a crescer, o dólar dispara… E mais inflação. Será mesmo que vale a pena? Me parece que não. Seria mais fácil procurar outras fontes de recursos, investir em políticas anti-cíclicas não monetaristas, fortalecer o mercado secundário, ganhar credibilidade para reduzir os juros e resgatar os recursos já emprestados. Mas que sou eu para decidir isso?

Talvez o governo esteja tentado a mais uma medida populista com retorno limitado e de curto prazo. Descobriremos em breve. A verdade é que nosso governo deverá pisar em ovos. Quebrar alguns será inevitável. Mas se escorregar, fará uma grande omelete.

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2 comentários em “A redução do compulsório e o mercado imobiliário”

  1. Ricardo, parabéns pelo blog! Assim como você, sou arquiteta com um (e muitas vezes os dois) pé(s) na administração (MBA na FIA-USP). Fico muito feliz em encontrar perfis parecidos com o meu, e ainda mais escrevendo com tanta qualidade.

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    1. Obrigado, Manu. Também fico muito feliz de encontrar outra arquiteta com esse perfil. Temos muito espaço a explorar e conquistar nessa área. Seja bem-vinda.

      Abraço,

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