E a história dos historiadores?

Excluindo nossos colegas que obtiveram informações nas pesquisas primárias em documentos e outros registros, todos (nós) os demais acumulam conhecimento por meio do que nos trazem os historiadores. E vamos, assim, conhecendo um a um, e tendo contato com diversas vertentes de interpretações dos fatos ocorridos. Eventualmente, conseguimos até deduzir algumas coisas sobre aqueles que nos dizem, o que nos ajuda a ponderar diversos paradigmas.

Mas não faltaria um prefácio para essas leituras, nos preparando para as características da lente por meio da qual vamos olhar o passado? Não seria interessante uma nota prévia, preferencialmente de alguém com visão distinta da trazida pelo autor, de forma a nos alertar para quais filtros ou ponderações deveríamos ativar ou não durante a leitura?

Recentemente, tive contato com um trabalho que muito contribui para mitigar este risco: o trabalho de Josep Maria Montaner sobre a crítica na arquitetura: Arquitetura e crítica. Este belo e objetivo trabalho traz pelo menos três capítulos que nos auxiliam muito na leitura de textos mais populares sobre a história da arquitetura. Auxiliam tanto que me instigam a voltar a muita coisa que já li e absorvi sem o cuidado de ponderar possíveis (ou inevitáveis) vícios de origem. Continuar lendo E a história dos historiadores?

A cidade utópica

O século 19 concentrou os problemas da industrialização em áreas urbanas repentinamente inchadas e despreparadas para o adensamento. Em questão de poucas décadas, a realidade humana se tornou mais sórdida, e seria quase impossível ao europeu da época dissociar a perda de qualidade ambiental do rápido processo de urbanização.

Num processo natural de reação, surgiram novas propostas de reformas sociais e econômicas em novas formas de comunidades, tais como os falanstérios (Owen) e familistérios (Fourier), as quais sugeriam profundas transformações sócio-culturais, muito além de ajustes físicos das formas urbanas. Era um momento de completo redesenho da organização humana à nova realidade industrial, mecanizada e exponencialmente mais ágil. Continuar lendo A cidade utópica

Docklands: origens das parcerias público-privadas em urbanizações

O final dos anos 1970 na Inglaterra foi a época das imensas áreas devolutas, ruínas de fábricas e armazéns completamente obsoletos. Muitas dessas áreas eram públicas, configurando uma situação que não iria se modificar sem iniciativas concretas. Porém, a situação fiscal dos governos locais era frágil, e havia grandes cortes nos gastos em setores aos quais essas terras haviam sido adquiridas.

Muitas delas pertenciam a corporações públicas, caso das autoridades das Docas. Estas detinham uma imensa área próxima à City de Londres, onde, em outros tempos, estivera situado o maior porto em operação do mundo – uma região conhecida como as Docklands de Londres. Disputas trabalhistas e a transferência de operações comerciais para outros portos da região acabaram com a viabilidade comercial portuária naquele local. Alguns anos mais tarde, o transporte em containers só consolidou essa ruína: as operações remanescentes foram transferidas para Tilbury, 30 milhas a jusante. Entre 1967 e 1980, todos os sistemas do porto foram desativados. A quantidade de empregados despencou de 30.000 postos no seu auge, para 2.000 trabalhadores em 1981. Continuar lendo Docklands: origens das parcerias público-privadas em urbanizações

O século do subúrbio

 

As ferrovias levaram às cidades europeias, entre outros direcionadores urbanos, a indução ao adensamento de entorno às novas estações que surgiam afastadas dos centros históricos. Assim surgiu o conceito de subúrbio, associado às linhas férreas, ao transporte coletivo e às comunidades pré-existentes. Elementos esses que nada teriam a ver com o surto de suburbanização que ainda viria a explodir no século 20.

O ponto de virada foi aproximadamente em 1913, em Highland Park (EUA), quando Henry Ford aplicou as diversas técnicas de produção em série, as quais já haviam sido desenvolvidas em outras partes, em sua linha de produção de automóveis. O grande diferencial urbano deste feito foi tornar o carro acessível às massas. Ainda que as precárias estradas da época tenham circunscrito o Ford T às fazendas, como sucessor de cavalos e charretes, um processo transformador havia sido disparado. As visões rodoviaristas da ficção científica de H.G. Wells de 1901 (Anticipations) foram, paulatinamente, se convertendo em realidade.

Em 1927, os Estados Unidos já tinham um automóvel para cada cinco habitantes, o que significava 85% dos automóveis do mundo. Em 1923, algumas cidades já tinham congestionamentos tão intensos, que surgiram os primeiros ideais de proibição de acesso motorizado às áreas centrais. O Censo da década de 1920 foi o primeiro a apontar os subúrbios crescendo mais rapidamente que as cidades-base. E este movimento não ocorria apenas em sua espontaneidade de consumo: durante a Conferência Nacional de Planejadores Urbanos realizada em 1924, Gordon Whitnall, urbanista de Los Angeles, declarou que a categoria havia aprendido com os erros da costa leste, e agora liderariam o caminho rumo “à cidade horizontal do futuro”. Continuar lendo O século do subúrbio

O (não tão novo) normal dos shopping centers

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Poucos setores da economia foram tão afetados pela atual crise econômica decorrente da pandemia de covid-19 quanto o varejo. Que o digam os shopping centers, os quais, além deste problema, ainda seguem modelos arquitetônicos de caixotes introspectivos, cujo desenho ignora qualquer possível abertura para a cidade, e raramente tenta algum desenho de adequação climática inteligente. Com suas estruturas de manutenção custosas e energeticamente ineficientes, estão neste momento altamente vulneráveis ao intenso choque de demanda varejista.

Mas a pandemia está longe de ser a principal causa da decadência dos shoppings, apenas parece ter acelerado um processo que já estava presente. O declínio do modelo já havia se iniciado há mais de uma década quando o primeiro caso de covid-19 foi identificado na China. Continuar lendo O (não tão novo) normal dos shopping centers