O (não tão novo) normal dos shopping centers

stairs light lights lamps

Poucos setores da economia foram tão afetados pela atual crise econômica decorrente da pandemia de covid-19 quanto o varejo. Que o digam os shopping centers, os quais, além deste problema, ainda seguem modelos arquitetônicos de caixotes introspectivos, cujo desenho ignora qualquer possível abertura para a cidade, e raramente tenta algum desenho de adequação climática inteligente. Com suas estruturas de manutenção custosas e energeticamente ineficientes, estão neste momento altamente vulneráveis ao intenso choque de demanda varejista.

Mas a pandemia está longe de ser a principal causa da decadência dos shoppings, apenas parece ter acelerado um processo que já estava presente. O declínio do modelo já havia se iniciado há mais de uma década quando o primeiro caso de covid-19 foi identificado na China.

O modelo de comércio em malls, o qual no Brasil chamamos de shopping center [1], nasceu nos subúrbios norte-americanos, onde temperaturas negativas não são nada incomuns, principalmente em localidades afastadas das costas litorâneas. Aparentemente, este modelo, inclusive arquitetônico, faria muito mais sentido por lá, onde o espraiamento urbano de baixa densidade obriga as famílias a longos deslocamentos para qualquer tipo de compra varejista sob clima hostil. Nada a ver com as condicionantes das tradicionais cidades brasileiras de clima tropical, menos espraiadas, com adensamentos pontuais dispersos por seus territórios urbanizados.

Além disso, já em 2006 começava nos Estados Unidos a decadência do modelo imobiliário dos shoppings, e desde então, mais de 400 empreendimentos deste tipo foram fechados por lá. Em 2017, outros 300 centros comercias do tipo viam sérios riscos de perder suas lojas de departamento e âncoras [2]. Ou seja, antes do início da pandemia, aquele país, que ainda hoje abriga o maior número absoluto de shopping centers do planeta, já convivia com a séria possibilidade de perder metade de seus empreendimentos por pura obsolescência do modelo.

O Brasil também sentiu este movimento. O boom imobiliário de 2005 a 2012 incentivou também o lançamento de novos centros comerciais, e surgiram novos shoppings por todo o país (entre 2000 e 2015, foram 259 lançamentos, chegando ao total de 498). Porém, praticamente metade das lojas dos empreendimentos lançados em 2012 continuava desocupada ainda em 2016 [3], principalmente em função da crise econômica que se instalou no país a partir de 2013.

As causas da crise do modelo não são desconhecidas: as gerações mais jovens (millenials) simplesmente não frequentam os shoppings. Além disso, o comércio eletrônico já avançava intensamente em praticamente todos os mercados, mesmo antes do isolamento social de 2020. Aparentemente, a atual condição de isolamento social só está acelerando, e muito, uma tendência que já estava em curso. Diversos shoppings dos Estados Unidos já foram convertidos em centros de convenções, campi de universidades e parques –  e este foi o destino dos que tinham melhor arquitetura. Diversos outros foram simplesmente demolidos – e antes da covid-19.

Isso ajuda a explicar os motivos pelos quais fundos imobiliários brasileiros baseados em shopping centers (por exemplo, MALL11, XPML11, etc.) caíram, nas últimas semanas, muito mais que o índice de mercado dos fundos imobiliários (IFIX), o qual inclui outros tipos de imóveis.

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[1] Importante também observar que o termo “shopping center” nada tem a ver com seu significado nos EUA, onde costuma ser utilizado para designar regiões comerciais cidades. Foi justamente em áreas assim que surgiram, no Brasil, as galerias comerciais dos anos 1950 e 1960, as quais, especialmente neste momento, parecem ter muito a ensinar ao modelo comercial em malls, como a abertura à cidade, adaptável ao clima brasileiro com ajustes de desenho e vegetação, com conforto acústico muito superior ao promovido pelos caixotes fechados com superfícies duras em toda parte. O próprio modelo já percebeu este risco, e já busca adaptações para a sobrevivência: novos empreendimentos se abrem para as calçadas, e deixam áreas internas ao ar livre. Alguns exemplos são o The Grove (Los Angeles) e o Village Sanlitun (Pequim).

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The Grove, Los Angeles
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Village Sanlitun, Pequim

[2] Fonte: Business Insider, por LORES, Raul Juste. São Paulo nas alturas: a revolução modernista da arquitetura e do mercado imobiliário nos anos 1950 e 1960. São Paulo: Três Estrelas, 2018.

[3] Fonte: Ibope Inteligência e Alshop, por LORES (ibid.).

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