Imóvel tombado é aquele que guarda algum tipo de valor cultural para uma determinada comunidade, e por isso foi protegido através da ação de um conselho de proteção do patrimônio. Estes conselhos costumam ser paritários, e podem ser da esfera federal (IPHAN), estadual (por exemplo, em São Paulo, é o Condephaat) ou municipal.
Ser paritário significa que são compostos meio a meio: metade são membros do Poder Público e a outra metade é composta pela sociedade civil (qualquer cidadão ou entidade legítima com interesse no assunto dentro daquela comunidade pode participar). Estes conselhos votam os pedidos de tombamento, e se dá empate (já que os conselhos costumam ser 50/50), o voto de minerva é, via de regra, do presidente do conselho (escolhido internamente entre os membros titulares).
Uma curiosidade que pouca gente sabe é que estes conselhos normalmente são impedidos de pedir o tombamento de qualquer bem, obviamente dependendo de seu regulamento ou estatuto. O pedido tem que ser feito por qualquer cidadão externo ao conselho, mas que faça parte da comunidade à qual o conselho se refere (a cidade, o estado ou todo o país, conforme o conselho). Isto ocorre para dar maior legitimidade e transparência ao processo de tombamento.
Mas por que um bem deveria ou não ser tombado? Por quais motivos seria tomada esta decisão?
O que une uma determinada comunidade é a sua cultura, ou seja, o seu modo de vida, de relacionamento entre pares, de construção de seus artefatos, sua visão e entendimento de vida e de universo. Pessoas pertencentes a uma mesma cultura compartilham um conjunto de crenças e valores em comum. Estes valores dão identidade aos sujeitos, portanto estão em sua base de construção de caráter. Mas são conceitos abstratos, e o máximo que podemos fazer para preservá-los é fazer registros. E estes registros podem ser de dois tipos:
- Materiais: são registros tangíveis, como edifícios, urbanizações, conjuntos paisagísticos, obras de arte plásticas, como desenhos, pinturas, esculturas, etc.
- Imateriais: são representações codificadas (escritas, descrições, partituras, etc.) de ideias, conceitos, roteiros, receitas, músicas, livros, ou qualquer outra manifestação intangível de uma cultura.
Assim, existem formas distintas de se preservar o patrimônio cultural de um povo. Os bens imateriais, por não estarem contidos em uma peça física exclusiva, precisam ser protegidos através da construção controlada e descrita com o máximo possível de detalhes e procedimentos. Por exemplo, a preservação de uma receita de alguma forma específica de se preparar um prato que esteja vinculado à identidade de um povo e tenha significativo valor cultural para esta comunidade, assim se justifica. Sua preservação é feita através de um registro detalhado deste preparo, incluindo a definição exata dos ingredientes, certificando-se de deixar claro a espécie e qualidade de cada um deles, o registro da forma de preparo (descrição textual, vídeos, dicas, roteiros) e de seu contexto sociocultural, assim como de qualquer outra forma de manifestação cultural relacionada àquele prato.
Os bens materiais são aqueles que manifestam ou registram de forma rara um determinado valor ou prática cultural (repare que não é necessariamente um registro histórico). A justificativa para o tombamento de um bem não é sua beleza, nem sua antiguidade (apesar desta tender a acompanhar a raridade do registro), nem alguma nostalgia se esta última não fizer parte do conjunto cultural daquela comunidade. Os bens materiais são protegidos de alterações, destruições, demolições, mutilações ou qualquer outra forma de deturpação do registro existente. O tombamento de imóveis é uma destas formas de proteção.
A determinação exata da forma e abrangência da proteção depende de que valor foi identificado no bem tombado (como um imóvel). Por exemplo, se o valor está no desenho urbano (como no bairro do Pacaembu em São Paulo, ou no Plano Piloto de Brasília), a volumetria dos edifícios está preservada, mas não seus revestimentos externos, por exemplo. Se o motivo está no conjunto urbano promovido por fachadas de renques de edifícios (como na Rua do Catete, no Rio de Janeiro), estas devem ser preservadas em sua integralidade, mas o interior destes edifícios pode ser modificado. Se o valor está no sistema construtivo (como na Vila de Paranapiacaba, em Santo André), todos os aspectos do edifício são preservados, inclusive sua pintura, pois uma prospecção pictórica pode vir a revelar fatos surpreendentes sobre a cultura local que já escapa à memória comum dos atuais habitantes locais (o que, de fato, aconteceu).
O instituto legal do tombamento não é novo: foi inserido em nosso ordenamento jurídico através do Decreto-Lei 25 de 1937, e continua em vigor. Faz parte do Direito Administrativo brasileiro desde então, e foi preservado em todas as alterações constitucionais posteriores.
Em quase todos os países desenvolvidos, os imóveis tombados costumam aproveitar economicamente o seu valor singular sem desrespeitar o valor cultural do qual é guardião. É comum virarem restaurantes, museus, hotéis, entre outros usos comerciais e institucionais. O uso faz parte de sua preservação, da manutenção de sua vitalidade, e aumentam assim o grau de competitividade local. A ideia de que o tombamento “congela” um imóvel é extremamente incompleta e deturpada, e uma eventual degradação do bem é muito mais acompanhada deste tipo de engano que do tombamento em si.
O valor adicional que estes imóveis possuem podem muito bem ser aproveitados por empreendedores competentes que saibam fazê-lo de forma correta. Portanto, o valor de avaliação destes imóveis costuma ser superior aos de outros imóveis que não abriguem esta característica distintiva, pois permite um retorno adicional que mais que compensa o custo mais elevado de obras de restauro. Se duvida, recomendo consultar trabalhos publicados do grande mestre no assunto, Radegaz Nasser Junior. O custo de obras de restauro tendem a girar, na maioria dos casos, entre 3 e 5 vezes o custo de uma obra convencional de construção nova, conforme padrão CUB dos Sinduscon estaduais, mas este valor pode flutuar muito, tanto para mais como para menos.
O imóvel tombado continua sendo de seu proprietário (não se confunde com desapropriação), e pode ser vendido, alugado ou financiado normalmente, como qualquer outro, a não ser que o ato de tombamento tenha criado alguma restrição específica neste ponto (situação muito rara).
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