Após apresentar dois estudos de caso (avaliação de um quadro de Picasso e da Casa dos Contos, em Ouro Preto – MG), Radegaz Nasser e Maria dos Anjos Ramos retornaram aos palcos para apresentar a metodologia de avaliação de bens singulares de patrimônio cultural. Apesar da ordem aparentemente inversa das apresentações, não houve prejuízo da compreensão do processo para quem acompanhou os três trabalhos durante o congresso UPAV 2016 no Rio de Janeiro.
O contexto não poderia ser mais oportuno: em todos os países os valores culturais estão sendo resgatados, e a fala de nossos colegas sul-americanos durante a exposição confirma este entendimento em nossa região do globo. A APAC no Rio, ações em Cuzco, Washington D.C., Cartagena de las Índias, Salvador e Bogotá (compra de uma fazenda na Carrera 7 – Usaquén) são exemplos inequívocos do crescente interesse no assunto. E existe um selo mundialmente reconhecido para bens patrimoniais: o selo da UNESCO.
A avaliação deste tipo de bem depende de se fazer a pergunta certa. O que eu devo avaliar? As variáveis envolvidas para edifícios de valor cultural passam necessariamente pela arquitetura e engenharia, e estes profissionais estão mais preparados, por sua formação, para entender os imóveis. É essencial, por exemplo, entender os materiais e as técnicas de construção aplicadas.
E este trabalho enfrenta alguns tabus gerados pelo desconhecimento geral sobre o assunto. Um deles é acreditar que patrimônio não tem mercado. Ora, existem interessados em comprá-los e proprietários dispostos a vendê-los, portanto existe mercado.
Outro tabu é acreditar que o patrimônio não pode ser transacionado. A missão de proteção é viabilizar a sua manutenção e, se possível, seu uso. Portanto, esta crença não tem o menor fundamento, e é de interesse de todos que o bem seja encaminhado a seu melhor destino com fins de preservação. Portanto os bens culturais podem ser transacionados. Paris importa, desde Napoleão, bens da Pérsia e do Egito (ainda que esta prática tem diversos motivos para ser criticada).
Existe legislação para transações de bens históricos, nacional e internacional, e não são tão recentes quanto se costuma acreditar. A legislação brasileira sobre o assunto está calcada em Decreto-Lei dos anos 1930, e garante, por exemplo o direito de transferência de potencial construtivo de bens tombados, o direito de preempção (preferência do poder público numa transação) e a proteção de bens tombados.
Os bens culturais são considerados bens públicos em seu conceito econômico, caracterizados por serem não-rivais (o consumo por um indivíduo não reduz a quantidade disponível aos demais) e não-exclusivos (difícil impedir a baixo custo um indivíduo qualquer de ter acesso ao bem).
E existem ainda facilidades recentes para o trabalho avaliatório, como a internet para a construção de amostra. Um exemplo recente é a negociação de castelos na região de Setúbal, em Portugal. Tudo pode ser transacionado, desde que a lei seja cumprida.
O método de avaliação é, em muitos pontos, similar ao de uma avaliação comum feita pelo Método Comparativo Direto de Dados de Mercado (MCDDM). É levantado o maior número possível de características que possam, de alguma forma, influenciar no valor do bem, considerando sempre que cada bem tem suas características próprias.
Exemplos de variáveis são:
- Classificação pela UNESCO (códigos alocados)
- Raridade
- Impacto na sociedade
- Interesse global / setorial
- Impacto – alcance territorial (em número de pessoas)
- Atributos (religiosos, culturais, sociais, políticos, artísticos, estéticos, intelectuais, científicos, acadêmicos, turísticos, ambientais, etc.)
- Qualidade – idade, materiais, técnicas, arte, possibilidade de manutenção física, etc.
Não é o caso de ser poeta, mas é necessário sentir. O bem pode interessar a pessoas muito distantes e que não o conheçam, e as regras de avaliação utilizadas devem ser as internacionais definidas pela IVS. É necessário respeitar a história, uma combinação de inteligência e cultura, o que infelizmente não está acessível a todos.