A Teoria de Pecking Order na estrutura de capital das incorporadoras brasileiras

 

Cheguei agora onde eu queria. Os posts anteriores sobre a proposição de irrelevância, trade-off e teoria da agência foram necessários para o entendimento da Teoria de Pecking Order (ou teoria da hierarquia de preferência, numa tradução livre).

A famosa pesquisa de Myers e Majluf, de 1984, colocam a questão da assimetria de informações: os gestores possuem mais informações sobre a magnitude dos investimentos, o retorno de cada investimento e outras características da firma que os investidores externos. Assim, os gestores prefeririam emitir ações quando os preços estão sobrevalorizados. Como os investidores sabem disto, exigiriam um desconto para comprá-las. Os gestores dariam, então, preferência a outras formas de financiamento, como o endividamento. Myers, em outro trabalho, sugere que as empresas seguem uma ordem de preferência para seu financiamento (pecking order). A sequência de preferência seria pelos recursos próprios (lucros retidos), seguido pela dívida de baixo risco, dívida de alto risco e, por fim, a emissão de ações.

Bulan e Yan, em 2010, estudaram a proposição do pecking order em função do ciclo de vida da firma e identificaram que esta teoria descreve melhor o comportamento de firmas maduras do que firmas em fase de crescimento. Foi definido como período de crescimento aquele que compreende os primeiros seis anos após o IPO, e o de maturidade como um período posterior de seis anos consecutivos, seguindo uma iniciação de dividendos, em que a firma manteve dividendos positivos. Foram pesquisadas as firmas na base de dados do CRSP-Compustat cobrindo o período de 1970 a 2008. Vale comentar que, por este critério, quase todas as empresas de incorporação imobiliária brasileiras de capital aberto estariam no período de crescimento, pois a primeira empresa do setor a abrir o capital (Rossi Residencial) fez seu IPO em 1998, e a segunda (Cyrela) só viria a abrir o
10 capital em 2005. Se a conclusão de Bulan e Yan estiver correta, estas empresas não seriam bem explicadas pela teoria do pecking order. E as pesquisas no Brasil mostram resultados semelhantes? Medeiros e Daher (2008), pesquisando 420 empresas brasileiras não-financeiras com ações listadas nas bolsas BOVESPA e SOMA, entre 1995 e 2002, concluíram que a teoria de pecking order de Myers e Majluf foi a corrente dominante na determinação da estrutura de capital das empresas da amostra. David, Nakamura e Bastos (2009), estudando endividamento e payout de 143 empresas brasileiras não-financeiras entre 2000 e 2006 a partir de demonstrativos contábeis da base Economática, concluem que, de modo geral, os resultados indicam que a teoria de pecking order é consistente para explicar a determinação da estrutura de capital das empresas brasileiras. A variável lucratividade foi significativa e negativamente relacionada ao endividamento, corroborando a teoria. Considerando a proposição de assimetria de informações de Myers e Majluf correta, devemos esperar que o preço das ações no IPO esteja com deságio. Portanto, tenderia a ter alguma elevação de preço num período subsequente. A literatura confirma que o anúncio de emissão de ações derruba significativamente seu preço. Isto é demonstrado por Jung, Kim e Stulz (1996) e por Asquith and Mullins (1986). Estes últimos investigaram o efeito das ofertas subsequentes de ações (seasoned equity offerings – SEO) de 531 ofertas de ações ordinárias de firmas industriais e de utilidades escolhidas através do Moody’s Industrial Manual e do Moody’s Public Utility Manual. Para emissões industriais, a redução do preço no dia do anúncio é significativa e negativamente relacionada ao tamanho da oferta. As descobertas são consistentes com a hipótese proposta por Myers e Majluf (1984) de que emissões de ações são vistas pelos investidores de forma negativa.

Mas será que há criação de valor para a empresa que emite ações? Ahmed (2011) examinou alterações na performance operacional de 496 firmas que abriram o capital na Malásia entre 1999 e 2009 (na Bursa Saham Kuala Lumpur – BSKL) e encontrou melhora significativa na performance operacional antes da emissão de ações. Ahmed identificou também que estas firmas tiveram uma aguda e estatisticamente significante queda na lucratividade após o IPO, e que esta queda foi maior para firmas que possuem maior fluxo de caixa. Outra constatação foi que as firmas que investiram os recursos do IPO em novos ativos fixos tiveram melhor performance do que as firmas que não o fizeram. Ahmed também identificou que o declínio na performance da firma é negativamente relacionado ao fluxo de caixa no ano anterior à emissão de ações, de forma coerente com a teoria de agência apresentada por Jensen (1986).

Helwege e Liang (1996) estimaram um logit para predizer o financiamento externo e um logit multinomial para predizer o tipo de financiamento de uma dada firma, a partir de dados de IPO realizados em 1983 e acompanharam o financiamento destas firmas entre 1984 e 1992. Descobriram que a probabilidade destas firmas obterem financiamento externo não está relacionada a baixos níveis de fundos gerados internamente, apesar de terem constatado que firmas com excesso de caixa evitam financiamento externo. Aliás, descobriram que as firmas que menos precisam de financiamento externo e possuem capital de giro elevado são justamente as mais propensas a buscar recursos externos. Descobriram também que as empresas analisadas preferem endividamento privado a emitir ações, mas preferem emitir ações ao endividamento público (talvez este padrão reflita mais as restrições do que as preferências das firmas). E as emissões de ações, apesar de serem menos frequentes, envolvem volumes financeiros muito maiores. As empresas não apresentaram comportamento totalmente plausível com o que a teoria de pecking order prediz que seria a mais racional (do ponto de vista do acionista), pois ao longo do tempo passaram a ter mais acesso a dívidas de baixo risco, mas mesmo assim continuaram emitindo ações. O capital de giro (folga financeira) de várias empresas analisadas foi obtido justamente pelo IPO, e não com lucros retidos. Por outro lado, firmas que emitiram títulos de dívida apresentaram, depois disso, forte tendência a buscar recursos através do endividamento, em vez de fazê-lo com vendas de ações, fato coerente com o pecking order. No geral, o estudo de Helwege e Liang resultou em evidências de decisão de financiamento externo que dão pouco suporte à hipótese de pecking order.

Quer saber como as incorporadoras brasileiras se comportam em relação à teoria de pecking order em seus IPOs, emissões em follow on e em emissões de debêntures? Descubra no livro Estrutura de capital de incorporadoras brasileiras: Teoria de Pecking Order (veja aqui).

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