Todos os dias, volumes gigantescos de dinheiro se movimentam pelos mercados financeiros seguindo sua função natural: estão em busca de projetos. Fácil de entender: se, no final do mês, sobrar um dinheirinho na sua conta, você também vai procurar por um projeto. Se seu desejo for poupar, será para realizar algum projeto no futuro, e ao aplicar o dinheiro, você financia projetos atuais de terceiros, sejam públicos ou privados.

Fato é que não falta dinheiro nos mercados (as crises econômicas recentes já foram chamadas de crises líquidas). O que falta é projeto. Existem inúmeros fundos de private equity, investidores individuais, corporações em busca de crescimendo, anjos, seeders, e muitos outros investidores em busca de quem tem as ideias.
Dinheiro é como coelho: quer mesmo é se reproduzir. E deve, porque esta é sua função social. A virtualidade da moeda representa uma quantidade de valor econômico nas mãos de seu detentor. A função social daquele valor econômico acumulado é promover desenvolvimento econômico, o bem estar dos cidadãos. Mas como uma prefeitura pode se apropriar desses recursos para seus próprios projetos? O caminho para isso já existe e está no Estatuto da Cidade, lei federal de 2001.
Talvez o instrumento legal do Estatuto mais interessante para isso seja um desenvolvido na recuperação de Beirute, capital do Líbano, no início dos anos 1990. Ao sair da guerra civil, em 1991, Beirute era uma cidade em ruínas. As cenas da época são dignas de Counter Strike: prédios em ruínas com fachadas desenhadas por tiros, barricadas nas ruas, vias irreconhecíveis pelas bombas. E o pior: saindo da guerra civil, o Líbano não tinha recursos para uma recuperação rápida, nem crédito no mercado internacional. Mas o Líbano fica no Oriente Médio, região do planeta inchada de petrodólares. Era como morrer de sede do lado da água. E alguém teve a ideia de usar, no poder público, o que o setor privado faz diariamente com naturalidade: vender projetos futuros na forma de títulos. O título tem tanta credibilidade quanto seu emissor, e no Oriente Médio o Estado todo tem fé pública de curso forçado, não apenas a moeda, como aqui. Além disso, a região toda quer ter seus próprios centros globais e depender menos do ocidente que os hostiliza por inúmeros motivos, válidos ou não. Os títulos foram emitidos e sua negociação livre em mercado secundário permitia o price clearing, saber quanto a cidade valia a cada instante. E, com os crescentes investimentos urbanos, o valor dos títulos aumentava e o investidor recuperava seu recurso. O poder público colocava mais títulos no mercado com valores mais altos e também recuperava seu investimento com a apropriação pública da valorização imobiliária da cidade. O resultado foi uma completa recuperação da cidade em apenas quatro anos. O centro de Beirute é impecável, tem grifes dignas de Rodeo Drive e um circuito de rua para a Fórmula 1 pronto para ser usado. Atrai turistas ricos de todo o Oriente Médio que não querem passar por constrangimentos em aeroportos ocidentais. O modelo foi tão bem sucedido que inspirou operações semelhantes no mundo todo. Inclusive no Brasil, pois a ferramenta está disponível no Estatuto da Cidade. Mas não é utilizada.
O maior problema de nossas prefeituras é o preconceito. Lucro, mercado, bolsa, balcão organizado, leilão, Bovespa são palavrões, proscritos nos corredores de prefeituras (eu trabalhei oito anos em uma e lido com elas até hoje). Com isso, bons projetos provenientes de concursos de projetos bem organizados ficam nas gavetas ou enfeitando salas de secretários de governo sem permitir que o investidor chegue perto. A ferramenta para isso, a Operação Urbana Consorciada, é muito pouco e mal utilizada. Gestões subsequentes alteram os projetos indiscriminadamente, sem atentar para o mal que isso causa no mercado e para os investidores, e como isso prejudica o título (que aqui é o CEPAC). Esse prejuízo se estende à inexistência de um mercado secundário e o desrespeito das prefeituras aos prospectos aprovados na CVM. E esse (ignorância) se torna o segundo maior problema nas prefeituras.
De um lado, o investidor querendo entrar no negócio e financiar os projetos. De outro, as prefeituras não viabilizando projetos essenciais para a recuperação qualitativa da cidade. Agora falta deitarmos os preconceitos para ligar um ao outro. Alguém precisa colocar o ovo em pé.
Infelizmente no Brasil, o que emperra qualquer ação neste sentido chama-se : 1-vontade política, 2 – ego político que transcende o pessoal sobre coletivo (afinal quem receberá os louros de uma boa ideia), 3 – parafraseando “tudo o que se é combinado sentado com as administrações públicas, deixam de ser cumpridas em pé por estes, e, 4 – o Rei de tudo o que se ‘emperra’ no País a “Corrupção”
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