Estamos vivendo tempos de fortes solavancos na economia, com disparadas do dólar e fortes quedas na bolsa. Entre as causas domésticas para isso, certamente o risco fiscal é o mais relevante. Já faz alguns anos que o Brasil não consegue equilibrar bem essas contas, e os investidores passam do receio à desconfiança de que, em algum momento, o governo pode não conseguir honrar com seus compromissos financeiros. A incerteza faz com que investimentos domésticos sejam reduzidos, parte dos recursos vai para o exterior. Resultado, o real se desvaloriza, a inflação aumenta. E a insegurança faz com que o custo de capital se eleve, ou seja, os juros sobem. E fica mais difícil ainda ao Tesouro Nacional cumprir com suas obrigações, principalmente com relação à dívida interna e remuneração de títulos públicos. Pronto, está criado o círculo vicioso.
E como isso afeta a construção civil? De diversas formas, e o impacto não é pequeno. Além dos impactos gerais que os manuais internacionais de economia apresentam, ainda há de se considerar as especificidades nacionais. A principal delas, o funding para o crédito imobiliário. O Brasil financia suas operações imobiliárias a partir de diversas fontes de recursos, das quais se destacam duas muito relevantes: o Fundo de Garantia do Trabalhador (FGTS) e as cadernetas de poupança (SBPE). Vejamos como o atual cenário de incerteza fiscal pode afetar cada um deles:
- FGTS: o Fundo de Garantia é uma exigência da legislação brasileira aos trabalhadores contratados pela CLT. Quando o desemprego aumenta, a origem deste fundo se reduz, há menos empregados contribuindo para a formação do montante financeiro do Fundo. Se as incertezas fiscais permanecem tempo suficiente para reduzir investimentos, menos pessoas são contratadas. Além disso, há hoje no país um crescente comportamento de empregadores de contratar pessoas físicas formalizadas como pessoas jurídicas (PJ), conhecido como pejotização. Isso ocorre em função da alta carga tributária envolvida na contratação CLT. Essas empresas (empregados) não contribuem com o FGTS. O resultado desse arranjo é uma redução crescente desta origem de recursos. Além disso, decisões judiciais recentes aumentaram o custo do capital deste funding, e a criação do saque-aniversário tem reduzido este montante disponível.
- SBPE: apesar de a elevação das taxas de juros melhorar a remuneração da caderneta de poupança, atualmente existem diversos outros instrumentos financeiros de fácil acesso à pessoa física com rentabilidade superior à da poupança, com menor nível de risco. Este cenário já está consolidado há vários anos, o que acelerou a mudança de cultura de poupança das famílias brasileiras. Por volta de 2015, o país já havia passado por uma primeira crise desta modalidade de funding, situação esta que só não se agravou mais por conta da desaceleração da construção civil, do mercado imobiliário e da economia nacional como um todo nos anos que se seguiram. Agora adicionemos a este cenário uma crise fiscal. Menor segurança em relação ao comportamento do governo, até hoje, provoca no público de meia idade ou mais idoso, inseguranças em relação à caderneta de poupança, mais de 30 anos após o sequestro de poupança do Plano Collor. Além disso, as desconfianças em relação à economia doméstica funcionam também como incentivo ao investimento em ativos no exterior, algo muito simples, fácil e rápido hoje em dia. Outro elemento a se considerar é que as taxas de juros mais altas aumentam a diferença de rentabilidade entre a caderneta de poupança e aplicações financeiras alternativas, incentivando os saques do SBPE (Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo).
A restrição de fontes de recursos para o crédito imobiliário não é o único problema trazido pelos desequilíbrios fiscais do governo. O investimento em ativos imobiliários exige recursos vultosos e previsibilidade de longo prazo, ambos afetados por incertezas macroeconômicas nacionais. Uma queda no índice de confiança do consumidor e nas intenções de consumo são sentidas primeiro e de forma mais contundente no mercado imobiliário. A própria elevação do custo financeiro coloca volumes imensos de imóveis em condições inacessíveis de seu público, principalmente nos mercados mais populares e na base da pirâmide social do mercado.
Quanto mais estável e previsível for uma economia, melhor para o desenvolvimento imobiliário de um país. E vice-versa.
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