Loteamentos e condomínios na nova lei federal 13.465 de 2017

[Conforme debatido no Secovi-SP em 13 de novembro de 2017]

Loteamento de acesso controlado

O apresentador iniciou com uma introdução breve sobre o surto de urbanização brasileiro do período de 1940 (31% de população urbana) a 2010 (85% dos brasileiros vivendo em cidades). Em 2003 foi publicada a Nova Carta de Atenas pelo Conselho Europeu de Urbanistas (Revisão da Carta de Atenas do CIAM, de 1933). A Carta original [documento de base do zoneamento monofuncional, não citado pelo palestrante] dividiu as funções urbanas em habitar, trabalhar, lazer e transporte (hoje chamada de mobilidade).

As bases legais do loteamento de acesso controlado estão em:

  • Constituição Federal de 1988: Objetivos da República
  • CF88: Definições e políticas sobre a propriedade (inclusive sua função social, conforme regulamentado posteriormente no Estatuto da Cidade)
  • CF88: Direitos Sociais
  • Competência municipal para legislar sobre desenvolvimento urbano local
  • Atuação do Estado sobre a propriedade
  • Política Urbana

O Estatuto da Cidade (Lei Federal 10.257/2001), em seu artigo primeiro, trata do direito à segurança:

Art. 1o Na execução da política urbana, de que tratam os arts. 182 e 183 da Constituição Federal, será aplicado o previsto nesta Lei.

Parágrafo único. Para todos os efeitos, esta Lei, denominada Estatuto da Cidade, estabelece normas de ordem pública e interesse social que regulam o uso da propriedade urbana em prol do bem coletivo, da segurança e do bem-estar dos cidadãos, bem como do equilíbrio ambiental.

Deve estar claro que o loteamento difere de desmembramento por criar novas áreas públicas como vias de circulação e áreas institucionais e de lazer. Este último é o modelo clássico de loteamento.

Figura diversa do loteamento é o condomínio, onde o lote ou gleba original permanece íntegro e sobre o qual é incorporado um empreendimento com vários coproprietários que estabelecem regras de utilização e de rateio de despesas através de instrumentos legais particulares, respeita todos os dispositivos legais pertinentes (por exemplo, a Lei Federal 4.591/64 que dispõe sobre condomínios e incorporação imobiliária), e se estabelece como pessoa jurídica de direito privado com CNPJ. Nos condomínios existe obrigatoriamente a fração ideal de terreno.

O Condomínio de Casas, figura que já existia em leis municipais diversas (por exemplo, a Lei de Vilas de São Paulo/SP) foi agora incluído na nova Lei Federal 13.465/2017. Por ser condomínio, as vias internas permanecem sendo particulares, assim como suas despesas (inclusive tributação).

O loteamento de acesso controlado não estava previsto na Lei 6.766/79. Na prática, tratam-se de glebas loteadas com a presença de portaria, cujo conjunto recebeu autorização para:

  • Cercamento do perímetro
  • Controle de acesso pela portaria

Deste fato decorreu (até a promulgação da nova lei) grande discussão acerca de sua legalidade, e se poderia ou não haver lei municipal permitindo a existência de loteamentos de acesso controlado em seu território.

Deste modo, antes da nova lei 13.465, deveria haver quatro elementos para a existência do loteamento de acesso controlado:

  • Deveria nascer com esta característica
  • Deveria haver lei municipal permitindo, a qual trataria da análise urbanística pelo poder público local
  • Deveria haver definição do que fica ou não circunscrito à área controlada
  • Deveria vincular a associação de moradores e o poder público local

Exemplo apresentado, a lei de Itu (SP) submete os loteamentos de acesso controlado ao zoneamento da cidade, salvo se o projeto do empreendedor for ainda mais restritivo. Há uma concessão especial de uso para os moradores, e a administração do loteamento se incumbe de realizar os serviços municipais (manutenção de infraestrutura urbana, como pavimentação, redes de energia elétrica, água, esgoto, gás, coleta de lixo, etc.). Durante este período, houve grande número de sentenças favoráveis aos loteamentos de acesso controlado, inclusive reconhecendo a constitucionalidade de leis municipais (foi apresentado um exemplo de Peruíbe – SP). As sentenças reconheceram que compete aos municípios legislar sobre o assunto.

A nova lei, em seu Art. 2, parágrafo 8º, prevê o loteamento de acesso controlado, vedando o impedimento de acesso por pedestres ou veículos devidamente identificados.

A lei deixa bem claro ser o loteamento de acesso controlado diverso do condomínio edilício, este último tratado pela Lei Federal 4.591/64, o qual tem plenos direitos de vedar o acesso a suas dependências.

Outra situação diferente é a de ruas fechadas sem saída, conforme preconizar a legislação local.

A prefeitura de São Paulo, por exemplo, permite o fechamento de ruas sem saída ou não, como as vilas e ruas sem impacto no trânsito local, conforme lei municipal 16.439/16. Em 2014, um levantamento de 32 subprefeituras constatou que já havia 694 ruas fechadas no município naquela época.

O controle de acesso será regulamentado por ato do poder público. Este instrumento regulamentador seria um decreto ou lei municipal?

O que fazer com os loteamentos de acesso controlado já existentes? Uma diretriz colocada é a de que uma via pública não pode perder sua característica de via pública. Em pesquisas qualitativas realizadas com consumidores deste tipo de imóvel, foram identificadas quatro principais características almejadas:

  • Segurança
  • Organicidade
  • Zeladoria
  • Regras de convivência

 

Condomínios de Lotes e Condomínio Urbano Simples

O conceito de propriedade em direito é um dos mais mutáveis em toda a história. Atualmente, com a ascensão de novos conceitos de família e o declínio da família nuclear tradicional (pai, mãe e filhos) suscita a ideia de aproveitamento de imóveis grandes com restrições ao desmembramento (exemplos de imóveis grandes no Jardim Europa, Jardim América, Alto de Pinheiros e Pacaembu).

Características definidora do loteamento é a abertura de conexões à cidade, integração espacial e viária, o que não costuma ocorrer nos condomínios.

O condomínio edilício pode ser:

  • Horizontal: condomínios de casas, Lei de Vilas de São Paulo/SP, vias estão em áreas comuns de condomínio
  • Vertical: edifícios de apartamentos

Em ambas existe obrigatoriamente a fração ideal de terreno.

São novidades da nova lei o condomínio urbano simples (que tanto poderá ser para fins sociais de ReUrb quanto de aproveitamento de grandes imóveis, como citado acima) e o condomínio de lotes, obrigados a atender a toda a legislação pertinente a condomínios, a exemplo da lei federal 4.591/64.

O condomínio urbano simples, previsto no artigo 61, pode ser de casas ou de cômodos como unidades autônomas. Mas dispensa (sem proibir) a Convenção de Condomínio para fins de ReUrb. A gestão das partes comuns pode ser pactuada através de instrumento particular simples que registre o comum acordo, com o objetivo de facilitar a regularização da situação de fato. Só vale para imóveis urbanos, e é necessariamente composto por áreas comuns e privativas das unidades.

O condomínio de lotes foi inserido no Código Civil (Art. 1358-A) e é diferente de loteamento de acesso controlado por ser um condomínio com todas as suas características inerentes. Também chamados de condomínios de solo ou condomínios urbanísticos, tem a finalidade da incorporação imobiliária, onde o empreendedor instala toda a infraestrutura necessária, a qual não será doada ao poder público – ou seja, os proprietários arcam com as despesas de manutenção e reposições necessárias.

O conceito tem origem na própria lei 4.591/64, a qual cita vias de circulação privadas. Na lei 6.766/79 foi inserido o regramento para o condomínio de lotes através de de Art. 2º, parágrafo 7º.:

O lote poderá ser constituído sob a forma de imóvel autônomo ou de unidade imobiliária integrante de condomínio de lotes.

E no Art. 4º, parágrafo 4º.:

No caso de lotes integrantes de condomínio de lotes, poderão ser instituídas limitações administrativas e direitos reais sobre coisa alheia em benefício do poder público, da população em geral e da proteção da paisagem urbana, tais como servidões de passagem, usufrutos e restrições à construção de muros.

Na prática, o Decreto 271/67 já permitia a instalação de condomínios de lotes (segundo os palestrantes, dado a verificar) em seu Art. 3º.

Questões que surgem:

  1. Seria esta uma burla à legislação de parcelamento do solo?
  2. A incorporação imobiliária não deveria estar associada a edificações, unidades prontas? Seria esta uma violação a outras leis federais?
  3. A aplicação é obrigatória?
  4. As restrições do loteamento poderiam impedir o condomínio urbano simples?
  5. Quais normas de condomínios edilícios serão aplicadas ao condomínio urbano simples?
  6. Como serão rateadas as despesas em condomínios de lotes? Qual seria o critério de rateio?
  7. Pode haver um condomínio de lotes em um lote dentro de outro condomínio?
  8. Condomínios de lotes podem ter exigência de lote mínimo pelo município? É lote ou unidade autônoma, sob esta ótica?
  9. O empreendedor pode delimitar o padrão de construções? Pode definir parâmetros urbanísticos mínimos? O comprador exigirá isso?
  10. Em condomínios de lotes a fração ideal deveria ser calculada pelo potencial construtivo? [repare aqui na necessidade de revisão da NBR 12.721]

A manutenção de toda a infraestrutura urbana será de responsabilidade:

  • Dos próprios condôminos, em casos de condomínios
  • Das concessionárias locais de serviços públicos, em casos de loteamentos. Lembrando que essas concessionárias são reguladas e fiscalizadas por agências reguladoras, com metas definidas de desempenho, o que não ocorrerá em condomínios.

O condomínio de lotes poderá ter servidão (inclusive por previsão de necessidade de mobilidade extra no futuro), a qual deverá estar na legislação urbanística municipal. Ainda nos condomínios, as vias serão também áreas particulares, e serão, portanto, tributadas desta forma (inclusive IPTU).

[Um última observação pessoal: repare que os instrumentos previstos na Constituição Federal e regulamentados pelo Estatuto da Cidade de combate à retenção especulativa de imóveis não utilizados ou subutilizados – notificação, edificação compulsória, IPTU progressivo – continuando valendo para qualquer uma das modalidades aqui apresentadas]

 

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12 comentários em “Loteamentos e condomínios na nova lei federal 13.465 de 2017”

  1. Ricardo boa tarde sobre o CUS (condominio urbano simples), a lei é clara quanto a “área de uso comum” ela diz em seu artigo 61 § 1° ……uma fração ideal do solo e das outras partes comuns, SE HOUVER”. Então lhe pergunto em um caso onde não há area comum onde as duas unidades possuem entradas independentes para via publica qual procedimento tomar, uma vez que paredes, muros e telhados não é considerado área de uso comum. Cria-se uma área fictícia?

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    1. Prezado Ivo,

      Qualquer área fictícia criada num documento é procedimento irregular. Os quadros devem refletir a realidade.
      Em seu caso, há ainda um problema adicional: verifique se a criação do condomínio nesta situação espacial não pode ser entendida como burla à legislação urbanística de uso, ocupação e parcelamento do solo. Caso positivo, não recomendo participar da elaboração destes documentos, é uma exposição a riscos de sanções pelo poder público municipal.

      Abraços,

      RT

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      1. Prezado Ricardo, aqui não existe uma legislação especifica para esse fim, esta se seguindo a 13.465, e a orientação é se não tiver área comum vai sem, bem ao pé da letra da lei SE HOUVER, mas ao meu entender está errado, o que caracteriza um condomínio mesmo sendo ele edilício ou urbano simples é a área de uso comum, por isso a minha duvida não achei nada especifico ao assunto, a lei apesar de ser de 2017, ela está crua ainda com relação a entendimento por parte dos municípios e cartórios. Para se ter uma ideia em casos de imóveis já pronto onde eu vou fazer somente a instituição de condomínio caiu a exigência das tabelas da ABNT, sob a prerrogativa de que as tabelas elas são documentos para fins de incorporação, mas eu mesmo assim continuo anexando as tabelas.

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        1. Prezado Ivo,

          Existe sim a possibilidade de condomínio sem área comum. Este assunto já está pacificado e consta em leis federais.

          Abraços,

          RT

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        2. Prezado Ivo,

          Existe a possibilidade de haver condomínio sem áreas comuns. Este assunto já está pacificado e consta em legislação federal.

          Abraços,

          RT

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  2. Sobre o questionamento 3, quanto a obrigatoriedade, se o proprietário não possui interesse na individualização, o cartório pode simplesmente exigir que o faça para conseguir a averbação das construções na matrícula?

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    1. Maria Rita,

      Na época, o entendimento foi que não haveria obrigatoriedade. Recomendo consultar um advogado especialista em direito imobiliário para saber sobre decisões jurídicas posteriores.

      Att.,

      RT

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  3. Prezado Ricardo.
    Como deve ser tratada a alteração de área construída e calculada a “taxa de ocupação do solo” e o “índice de permeabilidade” em um CUS (Condomínio Urbano Simples) sem área comum?
    Possuo um imóvel em um CUS sem área comum (unidades totalmente independentes) e o proprietário da outra unidade (são duas) protocolou na prefeitura um projeto de reforma da sua unidade distribuindo o “aumento” da área construída dele por toda a área construída do condomínio. Para o cálculo dos índices, utilizou toda a área do condomínio (a área da minha unidade é 4x a dele). Esses índices não deveriam ficar restritos à área da unidade dele?
    Infelizmente, de tudo o que pesquisei, me parece que a lei é bastante genérica quanto a isso.

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    1. Prezado Maurício,

      Em condomínios (seja em que tipo for), não existe parcelamento do solo. Ou seja, o lote continua sendo um só.

      Assim sendo, os cálculos de índices urbanísticos usam a área do lote todo por base. Porém, por ser uma propriedade coletiva, todos os proprietários precisam estar de acordo com o aumento de área construída, ainda que esse aumento ocorra apenas na unidade autônoma de apenas um dos proprietários.

      Abraços,

      RT

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  4. Prezado Ricardo,
    Parabéns pelo seu texto explicativo! Porém estou abrindo um processo de REURB em um local de casas que possui um Espaço Livre (público), e estou pensando em trabalhar em cima do Condomínio Urbano simples, já que na área tem uma guarita. Porém estou no dilema se essa área pública existente estará no meu processo de Reurb? ou preciso que os proprietários comprem essa área do Município?
    Abraços,
    Vanessa Maskow

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    1. Olá, Vanessa

      O Condomínio Urbano Simples, assim como qualquer outro tipo de condomínio exceto o de lotes, tem que estar implantado sobre um único lote, cuja matrícula é desmembrada em unidades autônomas às quais corresponde uma fração ideal de um lote indivisível. Portanto, não comporta uma área pública dentro dele.

      Assim sendo, ou a área pública fica de fora dessa matrícula-mãe, ou tem que ser absorvida por ela. Mas isso deve ser analisado com a prefeitura, pois nem toda área pública é alienável a particulares, e existe um rito para que isso seja feito nas situações possíveis.

      Atenciosamente,

      RT

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