A estrutura financeira de qualquer empresa segue uma lógica de partidas dobradas divulgada em Veneza, no ano de 1494, pelo monge Luca Pacioli (1445–1517) em sua obra Summa de Arithmetica, Geometria proportioni et proportionalità. O método é tão racional e coerente que é usado até os dias atuais por corporações do mundo todo. Mas Pacioli não foi o primeiro. Quando publicou essa obra, a humanidade já havia desenvolvido padrões eficazes de controle contábil e financeiro, com conceitos e usos consolidados. Os egípcios já tinham um sistema bem desenvolvido por volta de 2000 a. C. A inovação trazida por Luca Pacioli foi a chamada partida dobrada, em que qualquer evento que altere uma conta qualquer tem efeito inverso em outra conta. A lógica é simples, consiste em individualizar contas para as origens e alocações de recursos financeiros na empresa, e sempre que qualquer evento altera uma delas, há um comportamento oposto em outra, refletindo o equilíbrio financeiro natural da organização como um todo.
Muitos conceitos contábeis são amplamente aceitos e internacionalmente padronizados com o objetivo de dar mesmo entendimento aos pronunciamentos contábeis em diversas partes do mundo, inseridos em culturas regionais diversas. O primeiro conceito fundamental a ser assimilado é a coexistência de dois pontos de vista simultâneos: de um lado há uma caracterização de como a empresa é financiada, de onde vêm os recursos, se são de terceiros (passivos), ou colocados pelos próprios sócios (patrimônio líquido). De outro lado, os investimentos, ou seja, como estes recursos se materializam e se transformam em caixa, depósitos à vista, recebíveis diversos, máquinas, equipamentos, investimentos financeiros, recursos produtivos, estoques, projetos de longo prazo em andamento, e assim por diante (ativos). O balanço patrimonial apresenta isso em seus pronunciamentos contábeis, aquela sopa de numerinhos pequenos que empresas de capital aberto publicam em jornais de grande circulação a cada três meses e nós, simples mortais, usamos apenas para forrar a gaiola do passarinho ou embrulhar vidro quebrado para nosso amigo lixeiro não machucar a mão.
Mas o que é que um arquiteto tem a ver com isso? O que deveria ser observado numa empresa menor que essas corporações, caso de qualquer organização da arquitetura? É claro que o balanço patrimonial de nossas empresas é muito mais simples, mas é crucial tê-lo em mente se você pretende ter uma empresa duradoura, uma empresa perene. A primeira reflexão que deve ser feita é sobre a proporção entre dívidas (passivo) e capital próprio (patrimônio líquido) no financiamento da empresa, a chamada estrutura de capital. É bastante popular a crença que o ideal para uma empresa é não ter dívidas para não pagar juros e não correr riscos, mas isso não é bem verdade por alguns motivos: primeiro, o capital próprio tem custo maior que os juros de empréstimos porque a exigência de retorno por parte dos proprietários (acionistas) é mais alta. Isso faz sentido, uma vez que eles correm riscos muito maiores que os credores. Segundo, porque o pagamento de juros reduz o imposto de renda, o que cria um benefício fiscal das dívidas.
Epa! Então significa que a empresa tem que se endividar para otimizar seu custo de financiamento?! Não é bem assim, porque muitas dívidas também trazem muitos riscos, especialmente para um escritório de arquitetura pequeno ou médio, onde dívidas trazem muitos riscos sem ganhos significativos. Além disso, uma empresa em regime tributário de Lucro Presumido não obtém qualquer vantagem com endividamento porque (em geral) não haverá benefício fiscal de utilização de capital de terceiros. Há atualmente uma grande discussão se existe uma estrutura ótima de capital para as empresas, mas fato é que as maiores empresas do mundo possuem uma média de 12% a 16% de seu capital financiado por dívidas. Isto não é acaso.
Outra reflexão importante é a distribuição dos investimentos (ativo) entre dois grupos, o de alta e o de baixa liquidez. Quanto mais fácil e rapidamente um ativo puder ser convertido em dinheiro, mais líquido será. Dinheiro em caixa, numa conta corrente em um banco, ou em investimentos de resgate rápido como poupança ou CDB são ativos de alta liquidez, que reduzem os riscos da empresa, mas não produzem o retorno que deveria. Máquinas, equipamentos, veículos, pesquisas, marcas, patentes, utensílios, mobiliário, imóveis são ativos de baixa liquidez que possuem maior risco, mas são eles que produzem retorno. Quanto mais imobilizado o investimento estiver, mais produtiva e lucrativa é a empresa, apesar de apresentar maior risco. Jamais perca este trade-off de vista, ele está presente no cotidiano da empresa e define sua longevidade.
A curva resultante de um gráfico do trade-off mostra o comportamento das disponibilidades líquidas da empresa, medida subtraindo dos ativos circulantes (caixa, depósitos à vista em bancos, aplicações financeiras de resgate rápido, contas a receber, estoques, etc.) os passivos circulantes (dívidas de curto prazo, como fornecedores, títulos a pagar, despesas a pagar, etc.). Esta diferença é chamada Capital Circulante Líquido (CCL):
CCL = Ativo circulante – Passivo circulante
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