6 ferramentas essenciais que os urbanistas desconhecem

Os cursos superiores de arquitetura e urbanismo exibem em seus currículos significativa carga horária em disciplinas de “planejamento urbano” – que deveria ser a espinha dorsal de conhecimento técnico em urbanismo, o mesmo do título profissional.

Entretanto, o que vemos hoje de forma generalizada, é uma forte limitação às teorias, história e projetos de urbanização, e praticamente nada referente ao planejamento em si.

O substantivo masculino, numa rápida pesquisa digital, retorna os sentidos de a) serviço de preparação de um trabalho, de uma tarefa, com o estabelecimento de métodos convenientes; planificação, e b) determinação de um conjunto de procedimentos, de ações (por uma empresa, um órgão do governo etc.), visando à realização de determinado projeto; planificação.

O que se tem visto nos órgãos públicos de planejamento urbano, quando estes recebem profissionais técnicos da área, é a completa ausência justamente de método, de procedimentos, de orientação para ações e de planificação. O que se vê é muito conhecimento teórico, um imenso e qualificado repertório, muita vontade de transformar a triste realidade urbana nacional, ótimos projetistas e nenhum palpite sobre metodologias de planejamento ou mesmo de trabalho.

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Em minha experiência pessoal, após viver um momento assim, decidi explorar outra área do conhecimento –  a administração – crente de que não encontraria nada relacionado a arquitetura e muito menos ao urbanismo por ali. Mas, para minha surpresa, encontrei (entre outras coisas muito interessantes ao arquiteto) as ferramentas que me faltavam ao planejamento urbano, porque a gestão de negócios usa tudo o que pode (e mais um pouco) de planejamento e controle do que você puder imaginar. O mais curioso é que quando algum assunto se aproxima de nossa área, como por exemplo em estudos de economia espacial, eles param e dizem que quem faz o resto são os urbanistas.

E deveríamos mesmo.

Veja algumas dessas ferramentas essenciais ao urbanista, que todos deveriam conhecer:

 

I. Usar direito planilhas eletrônicas

As planilhas eletrônicas comuns (como o Excel), inclusive as gratuitas, possuem muitas ferramentas de apoio ao planejamento, essenciais para diagnósticos a análises de decisões.

Exemplo: lembra-se dos sistemas de equações que você viu no ensino básico? Duas equações diferentes, com duas variáveis (x e y), você soma as equações e descobre o valor de x. Substitui na outra e descobre o valor de y. Lembrou? Pois é, o Excel faz isso com centenas de variáveis, não só duas, imediatamente. Faz análise de sensibilidade para os melhores resultados, inclusive com funções quadráticas (x²) sem ter que fazer derivada nenhuma.

Em outras palavras, você pode calcular a oferta ótima (custos x benefícios) frente à demanda por equipamentos comunitários (creches, escolas, postos de saúde) e urbanos (capacidade de abastecimento de água, transporte público, coleta de esgoto) com dados reais e explicar com simplicidade para a população e para a imprensa. Por que para eles? Por que você tira o poder das mãos dos políticos e traz de volta para os técnicos. Quem trabalha em prefeitura sabe que isso é uma imensa vantagem para técnicos e população, e um enfraquecimento do poder político. Portanto, são duas vantagens.

Tabelas de dados, tabelas dinâmicas, funções condicionais como Atingir Meta, Solver, são ferramentas de apoio a muitas atividades de planejamento urbano, que fornecem respostas imediatas e claras, inclusive com gráficos de sensibilidade. E simplesmente não são usadas por puro desconhecimento.

II. Bancos de Dados

Excel não é banco de dados. Não foi feito para preencher linhas de dados e depois recuperar para alguma finalidade. Quem usa o Excel assim, acha o programa limitado porque tem uma quantidade relativamente pequena (para a dimensão de um município) de linhas. Como dissemos acima, planilhas eletrônicas servem para outros propósitos.

Enquanto isso, o conhecimento específico de Bancos de Dados é praticamente nulo. Nem Access o técnico sabe usar. Manipular dados e construir extrações e comparações de dados são atividades básicas de planejamento. E num município, há uma vantagem ainda maior: você não trabalha com uma amostra, e sim com todo o universo de dados! Os estatísticos chamam isso de censo. Qualquer estudo feito com uma base desse tipo retorna informações valiosíssimas. Atualmente, as grandes corporações fazem estudos de grande profundidade em seus bancos de dados imensos em busca de informações (big data) utilizando para isso ferramentas de análise de determinadas magnitudes, comportamentos e relações entre fenômenos registrados, a chamada mineração de dados (data mining).

Qualquer banco de dados simples faz cruzamento de dados, compara campos, faz extrações em relatórios, detecta inconsistências. Mas tudo isso nem é o mais importante, porque com um banco de dados decente, você pode usar ferramentas simples e muito poderosas para fazer previsões com alto grau de acerto. Falaremos de algumas delas abaixo.

Enquanto isso, no urbanismo, estamos na idade das trevas, e na falta de conhecimento de como obter informações a partir de massas de dados, continuamos trabalhando com muito palpite, sentados sobre as respostas para os problemas que estão sobre a mesa.

III. Estatística Básica

Se você está pensando “ah, isso eu aprendi na faculdade”, lembre-se de que estatística básica inclui além da descritiva, testes de hipóteses, distribuições de Bernoulli, de Poisson, e curva Normal, correlação e regressão, aderência e testes de descolamento de médias, como o teste de Wilcoxon. Se ainda assim você acha que conhece estatística básica, eu apago este item. Senão, continua aqui.

E se você acha que estatística é bobagem, digo que uma empresa como a Ambev sabe prever com 99,7% de precisão o consumo de cerveja (em hectolitros) por marca, praça, canal, evento, centro de distribuição e nível de preços com antecedência de 3 meses em todo o território nacional, otimizando seus fluxos quase à perfeição e eficiência quase absoluta de canais, atendendo sem falta ao mercado a partir de estoques mínimos, usando para isso apenas estatística – e com muito menos dados que uma prefeitura média possui.

Por que não podemos fazer o mesmo com demanda por serviços públicos, atração de postos de trabalho e renda, fomento ao empreendedorismo, receita do município no ano fiscal ou até com decisões simples como onde construir uma nova creche?

VI. Análise Multivariada de Dados

A primeira vez que usei uma multivariada numa prefeitura, vi muitos colegas olharem com desconfiança para aquilo. Geramos então uma equação por análise discriminante para prever em que quadras apareceriam novos edifícios verticais. Uma colega que entende muito de GIS fez um mapa com o resultado da equação e resultou num círculo. Outros colegas riram daquilo. Sobrepusemos então com uma foto aérea, e quase todos os edifícios verticais estavam dentro do círculo. Mas sua distribuição não preenchia toda a área contida pelo círculo, havia alguns vazios.

Adivinha onde estavam aparecendo os novos processos de aprovação? Exatamente nesses vazios. O modelo acertava 83% dos novos prédios da cidade. Era baseado em setores censitários do IBGE. Medimos o quanto dos setores fugia dos limites naturais do território (grandes avenidas, linhas de transmissão, corpos d’água, etc.): eram 17% de erro territorial. Exatamente o que faltava para nosso modelo.

A Análise Multivariada de Dados (Regressão Linear Múltipla, Análise de Clusters, Regressão Logística, Análise Fatorial, Lógica Fuzzy, Inteligência Artificial, Análise Envoltória de Dados, Análise Discriminante) é amplamente utilizada para avaliação de imóveis, estudos científicos e acadêmicos, estudos de mercado, estudos na área da saúde pública, definição de volumes de produção e oferta, campanhas (inclusive políticas), e por mais uma infinidade de usos. A única condição inicial é a existência de Bancos de Dados relevantes (temos muito mais que o suficiente, como já disse).

V. Programação simples

Arquitetura e urbanismo é um curso que inacreditavelmente não ensina programação. Nenhuma linguagem. Não precisa ser nada sofisticado, como C++. Bastaria alguma ferramenta básica para operar dados e informações. É absolutamente incrível a quantidade de trabalho que ainda é feita manualmente em departamentos de planejamento de nossas prefeituras. Um simples básico de VBA já ajuda muito – usei algumas rotinas simples numa prefeitura para:

  1. Delimitar imóveis de uma região por número de contribuinte, sem usar o GIS
  2. Identificar as maiores dívidas de IPTU para a aplicação dos instrumentos do Estatuto da Cidade
  3. Relacionar uma lista prioritária de aplicação do IPTU progressivo

Isso foi feito em apenas 3 horas – com computadores extremamente lentos e ultrapassados. Mas seriam feito em três ou quatro meses por uma colega – e todo mundo acha isso normal! E não é um caso isolado.

VI. Pesquisa Operacional

A pesquisa operacional contém um conjunto amplo de ferramentas para otimização operacional de qualquer atividade. utiliza a fundo os recursos de planilhas eletrônicas (item I) para obter a máxima eficiência de recursos. Necessidades básicas de nossas prefeituras, as quais são pressionadas pela população por ser a esfera de governo mais próxima e responsável por grande parte dos serviços básicos do cotidiano dos cidadãos, apesar de ser a esfera de governo que recebe a menor fatia das receitas tributárias entre as três esferas de governo (17%).

É típico da pesquisa operacional esmiuçar a distribuição mais eficiente de recursos para uma utilidade máxima. Só este princípio já deveria colocá-la como obrigação do Estado, o qual recolhe tributos de toda a população (inclusive dos mais pobres) e atende a quem mais precisa.

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