O Brasil tem um arquiteto para cada 2.000 habitantes. Existem mais de duzentas escolas oferecendo cursos de graduação em Arquitetura e Urbanismo, onde estudam atualmente pelo menos 50.000 estudantes e se graduam cerca de 5.000 novos arquitetos a cada ano. Existem mais de 90.000 arquitetos para uma população de 180 milhões de habitantes. Essa relação não é muito diferente da média mundial: é, aproximadamente, a proporção de Irlanda, Finlândia, Suécia, Holanda, França, Grã-Bretanha. E temos menos arquitetos por habitante que Noruega, Suíça, Portugal, Bélgica, Grécia, Espanha, Itália e Alemanha. Da amostra apresentada, só teríamos mais arquitetos por habitante que a República Tcheca, Áustria e Polônia.
Se considerarmos ainda a maior necessidade de arquitetos que temos por déficit de área construída (por exemplo aquela devida ao déficit habitacional), isso nos levará a supor que os arquitetos brasileiros são mais demandados que em outros países e talvez melhor remunerados. Mas não é isso o que acontece, há outros problemas que não entraram nessa equação. Somos um dos piores países do mundo em distribuição de renda, nossa qualidade de educação é reduzida, temos problemas sociais mais profundos que muitos dos países citados. Além disso, nosso ensino de arquitetura precisa ser atualizado, há muitas faculdades de baixa qualidade formando arquitetos que na prática são apenas técnicos.
E um dos piores problemas aos arquitetos brasileiros ainda é outro: não são ensinados a administrar seus escritórios. Pelo contrário, são oficialmente ensinados a hostilizar a administração empresarial e a economia de mercado. As faculdades de arquitetura brasileiras (principalmente as de primeira linha), por alguma razão que não vem ao caso aqui discutir, não se preocupam muito com os aspectos práticos de viabilidade da vida profissional. Até fingem tentar com alguma disciplina de prática profissional, ou normas e legislação, corrigir esta falha ao final do curso. Um estrangeiro que observe a estrutura curricular de nossos cursos pode até imaginar que a arquitetura é um ofício que oferece condições de trabalho e de remuneração excelentes no Brasil, a ponto de não haver necessidade de nos preocuparmos com coisas tão mundanas. Obviamente esta visão é um tanto equivocada.
O objetivo desta série é apresentar conhecimentos e ferramentas quase desconhecidas pelos arquitetos para a gestão e o planejamento de seus escritórios (que deveríamos chamar de suas empresas). O ofício do arquiteto oferece grandes oportunidades de ganhos e de projeção no mercado, em geral desperdiçados simplesmente por falta de ações simples, às vezes por desconhecimento, outras por falta de interesse nas atividades de gestão e planejamento de negócios.
A ideia a série surgiu durante minha segunda graduação, no curso de administração, ao mesmo tempo em que trabalhava como arquiteto num escritório pequeno mas de grande visibilidade. Já estava, naquele momento, há quinze anos trabalhando nesta área. Já havia passado por algumas construtoras, uma incorporadora, cinco escritórios de arquitetura pequenos e grandes, e já havia sido funcionário estatutário de uma grande prefeitura. E recorrentemente encontrei os mesmos problemas, nos mais variados ambientes de trabalho do arquiteto. As aulas do curso de administração miram sempre a prática e acabei direcionado a utilizar os conhecimentos da administração em meu ambiente de trabalho. Foi impressionante: mesmo as ferramentas mais banais da administração de empresas produziam (quando implantadas, claro) efeitos espantosos nos resultados, e algumas vezes até no clima do ambiente de trabalho. Então por que isso não acontece com mais frequência?
Logo no início de minha carreira, trabalhei num escritório que tinha dois profissionais da administração de empresas para ajudar o departamento administrativo. Em pouco tempo um foi dispensado e outro só ficou porque era sócio, mas perdeu espaço em processos decisórios. Isso aconteceu simplesmente porque eles não conseguiam entender como o mundo da arquitetura funciona. Este métier é muito diferente de outros setores de serviços. Nós vendemos conceitos, ideias. É muito mais complexo que vender serviços como cortes de cabelo ou planos de saúde. Não adianta tentar empurrar o problema para os outros: só o arquiteto tem o potencial para fazer uma excelente gestão do escritório, aproveitando todos os recursos ao máximo e com o melhor resultado (em qualidade, não apenas em quantidade).
Esta série está dividida em quatro partes. A primeira é uma rápida apresentação de conceitos fundamentais de administração necessários para entender as demais partes, por isso recomendo que não seja ignorada. As três partes seguintes referem-se a três campos de estudo em que os arquitetos mais comentem muitos equívocos: marketing, finanças e gestão de pessoas.
Esta classificação reflete uma tradicional (não a mais atual) divisão funcional das empresas, que inclui também a área operacional (a qual não foi incluída porque sobre esse assunto já há extensa literatura). O propósito é o de ajudar os arquitetos a sobreviverem num ambiente estranho, também conhecido como mundo real. E, apesar da organização refletir também a segmentação do raciocínio da gestão de uma empresa, é importante que fique clara a necessidade de se manter uma visão global em qualquer decisão, em qualquer setor. Foi justamente isto que motivou a superação da divisão funcional nas empresas.
Espero que seja útil para arquitetos atuantes nas mais variadas organizações e com os mais variados conjunto de atribuições, especialmente para aqueles que decidiram investir em seu próprio escritório. Tenho certeza que esta leitura vai mostrar que o potencial de sucesso para o arquiteto no Brasil é grande, desde que a carreira seja adequadamente planejada, organizada, executada e monitorada.
Pois é Ricardo…só quem tem escritório é que sabe…e é exatamente o que disse: temos ainda a cultura que saber trabalhar um espaço, querer ser como os grandes mestres basta. Nada disso, é muito difícil. Aprendemos na prática tudo, desde a legislação mais básica.
Nada nos é ensinado na faculdade, não sabemos ser empresa e pior…termos que depender de outras empresas quando de estrutura, instalações, etc…que também não sabem ser.
Cada um olha sua ilha e acha que não há interdependência….e que grande engano.
Somos sempre uma grande equipe.
Tudo a que se refere projeto, construção, deveria ter como base o mesmo conceito que um produto qualquer….mas vendemos idéias e que muitas vezes não são vistas como deveriam: soluções.
Cobra-se cada vez mais do arquiteto como se ele fosse a resposta única, e não o é, ele faz parte de um processo.
E como em qualquer processo ele precisa estar sustentado por uma estrutura forte.
Infelizmente, mais uma vez, ele aprende isso com dor.
Estou num momento desses, trabalhando sózinha novamente porque não soube olhar meu trabalho como empresa onde precisam existir certas palavras de ordem, onde deve haver discernimento entre ” o negócio” e ” no negócio”…enfim.
Mais uma etapa.
Até o próximo capítulo.
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Oi, Teresa!
Vejo o problema como uma combinação maléfica de duas tradições nossas. A primeira é mais geral, nossa cultura latino-americana de ver o concorrente como um inimigo mortal e não sabermos identificar oportunidades de estabelecer alianças em interesses comuns, questão muito explorada por Paulo Feldmann em seu livro (veja o post). Isso acontece em qualquer indústria por aqui, infelizmente. Na Europa e Estados Unidos as empresas fazem alianças com frequência. Na Ásia então, nem se fala, as alianças são umbilicais.
A segunda questão é específica em relação ao ensino da arquitetura: como não aprendemos absolutamente nada de administração em nossos cursos (ao contrário dos dentistas, dos educadores físicos, dos engenheiros, dos designers,…), acabamos não aprendendo conceitos extremamente básicos de economia. Um deles que nos falta aqui é o da Fronteira de Possibilidade de Produção (FPP). Quando nos isolamos, estamos limitados à nossa capacidade produtiva. Quando nos associamos e realizamos trocas, nossa capacidade de consumo aumenta, e a da outra parte (com quem fazemos as trocas) também aumenta! Uma falha de currículo transforma todo um mercado numa guerra campal sem sentido, enfraquece toda a classe e até muda a vida das pessoas para visões de mundo limitadas e arraigadas a conceitos ultrapassados.
Concordo com você: somos uma grande equipe. Mas ainda não percebemos isso…
Um abração!
Ricardo
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Ricardo, seus 4 textos são claros e objetivos. Acho necessária essa sua iniciativa.
O que reduz a empolgação, pra arquitetos que estão começando a vida profissional como eu, é a sensação de que; ou optamos pelo crescimento do escritório (empresa), ou pelo prazer de ser um “arquiteto completo”.
Me surgiu a seguinte possibilidade (abaixo), e caso possa comentá-la, seria bacana.
Terceirizar a parte administrativa (buscando essa visão mais estratégica e de longo prazo que você comenta) de um escritório de arquitetura poderia ser uma alternativa? A ideia de criar sociedade, com o proposito de conduzir a gestão empresarial e financeira me incomoda um pouco. Por isso a terceirização (caso existam empresas nesse ramo, ou seja, especializadas em gerir outras empresas).
Você comentou da incompatibilidade de visão entre o administrador tradicional e “mundo da arquitetura”, e por isso os gestores deveriam ser os próprios arquitetos.
Sabe se há casos de escritórios que terceirizaram a parte administrativa e se saíram bem? Terceirizar a gestão de uma empresa que tem o foco em outros aspectos (como no caso da arquitetura) é comum?
Obrigado,
Paulo.
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Caro Paulo,
Não entendo porque você não poderia ter um escritório que cresce ao mesmo tempo em que é um arquiteto completo. Aliás, o arquiteto completo é aquele que administra suas coisas, sua vida. Você terceirizaria a gestão de sua casa ou de sua família? Então por que deseja tanto terceirizar a gestão de seu escritório? Você pode terceirizar a parte OPERACIONAL da administração (documentos, procedimentos burocráticos e bancários, documentação de pessoal, etc.), há sim quem tenha feito isso com sucesso, mas jamais desejará terceirizar a administração estratégica porque você perderia o controle sobre o que é seu. Imagine eu te dizer o que você vai fazer, que tipo de mercado vai buscar, quem vai ou não atender… é claro que você não vai aceitar, porque a gestão do escritório é sua, não minha.
Quanto a criar sociedade, é uma exigência legal, a não ser que você trabalhe com uma empresa individual ou como autônomo. Gestão financeira pode também ser terceirizada, mas gera insegurança por parte da alta direção que começa a interferir muito na atividade do terceiro e reduz as vantagens desse tipo de contrato.
Um abraço,
RT
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Ricardo, boa tarde.
Estou desenvolvendo meu trabalho final para o MBA de gestão de escritórios de arquitetura com a temática de liderança e motivação. Li seus textos e compartilho suas idéias, elas mostram a deficiência que nós arquitetos temos em toda a área de gestão…seja financeira, de pessoas, marketing, etc.
O seu livro está disponível apenas no Amazon ou é possível comprar em alguma livraria de SP?
Vi também que existe apenas o e Book disponível, você sabe me informar se é possível comprar o livro impresso?
Obrigada!
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Tatiana,
O livro só existe em formato digital por enquanto. Estou aguardando resposta de algumas editoras para o formato impresso. O ebook do Kindle pode ser lido em qualquer computador, em iPad ou iPhone. O App é gratuito.
Abraços,
RT
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Olá Ricardo.
Cheguei em seu artigo por uma dúvida que estou lidando. Sou estudante de Arquitetura e Urbanismo e me surgiu a oportunidade de fazer um curso de Administração, com uma bolsa de estudos que ganhei, porém eu estava procurando algo na área de Arquitetura, como Técnico Designer de Interiores. Então surgiu a dúvida em minha mente, vale a pena cursar Administração?
É um curso longo e complexo, tenho medo de estar jogando meu tempo fora e não aproveitar com algo mais útil. Você que tem uma mais experiência, pode me tirar está dúvida?
Agradeço desde já,
Victória.
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Olá, Victória
Tudo depende dos seus objetivos pessoais e profissionais. Cursar Administração vale a pena se você pretende migrar para atividades de gestão. Se você pretende se especializar enquanto técnica e não se tornar gestora, então seria melhor se especializar nesse sentido.
Abraços,
RT
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