O que Michael Porter tem a ver com planejamento urbano?

A pesquisa Origem e Destino 2007, do Metrô de São Paulo, mostra um problema que os paulistanos, em especial os urbanistas e engenheiros de tráfego conhecem bem: a extrema concentração dos empregos. Não é necessário muito esforço para perceber, pelos gráficos apresentados, que a população se desloca (e muito) todos os dias para chegar ao trabalho pela manhã e voltar para casa no fim do dia. E o pior é que esta concentração da atividade econômica gera concentração de outras atividades, pois universidades, clínicas, bares e restaurantes, entre tantos outros usos comerciais e de serviços procuram ficar próximos de onde as pessoas estão.

Concentração de domicílios - OD 2007 Metrô

Localização de empregos - OD 2007 Metrô

O resultado do fenômeno é a valorização de algumas poucas áreas da cidade em detrimento da estagnação de valores de muitas outras. Algumas tentativas são feitas no sentido de desconcentrar empregos, principalmente os especializados e de alta renda (são os que atraem o resto da cadeia produtiva para perto). Uma modalidade destas tentativas são as operações urbanas, que sempre miram a recuperação ou transformação de um trecho do território. Mas será que uma urbanização funcional e agradável e a oferta de imóveis adequados são suficientes para atrair empregos de qualidade de forma sustentada?

Talvez a melhor resposta para esta questão tenha sido encomendada por Ronald Reagan quando assumiu a presidência dos EUA pela primeira vez, no início dos anos 1980.Preocupado com a força econômica do Japão, que ameaçava invadir de vez a América com produtos mais baratos e de melhor qualidade, além dos processos produtivos enxutos e extremamente eficientes, Reagan encomendou ao Prof. Michael Porter da Universidade Harvard uma pesquisa para identificar os motivos que levavam alguns países a terem grande destaque em determinada atividade econômica, a ponto de se tornarem líderes mundiais naquele segmento. Por que a Itália é líder em produção de azulejos? Por que os alemães fazem os melhores carros do mundo? Por que as melhores agências de publicidade do mundo estão nos EUA? Por que Portugal é líder mundial (em volume e qualidade) na produção de cortiça? Enfim, quais são e de onde surgem as vantagens competitivas das nações?

Porter formatou a pesquisa com equipes em 15 países, e com um prazo que ultrapassava um mandato presidencial. Mesmo assim, entendendo a importância estratégica da pesquisa, Reagan aceitou a proposta e a pesquisa foi realizada. Seu resultado foi publicado em 1993, num livro chamado “A vantagem competitiva das nações”.

O mais importante para o planejamento urbano foi uma constatação muito curiosa, para dizer o mínimo: a liderança ocorre não no país todo, mas em geral em uma única cidade, ou em cidades próximas. Não é a Itália que lidera a produção mundial de azulejos, é uma cidade italiana. As melhores agências de publicidade não estão espalhadas pelos EUA, estão numa única avenida – a Madison Avenue, em Nova York. As montadoras estavam em Detroit. Várias das maiores farmacêuticas em Basileia, na Suíça. Por que isso ocorre?

A conclusão de Porter, após anos de pesquisa, foi sintetizada num modelo chamado “diamante”, ou Sistema Completo de Porter.

Modelo Diamante - Michael Porter

Sem detalhar este modelo em profundidade, a ideia básica é que quatro elementos principais precisam estar presentes, e os quatro são influenciados pelo Acaso e pelo Governo. Os modelos citados a seguir foram apresentados pelo professor Paulo Feldmann, da FEA-USP.

O primeiro são as condições dos fatores de produção: a presença de recursos naturais, matéria-prima, ajudam muito. Mas os fatores mais importantes são os transformados pelo ser humano: o Japão só se tornou destaque em tecnologia e microeletrônica a partir dos anos 1960 e 1970 porque oferecia o principal fator de produção: engenheiros altamente qualificados. Repare que a educação é um elemento-chave aqui.

O segundo elemento é a presença de indústrias correlatas e de apoio. A Itália só tem a maior indústria calçadista do mundo porque já possuía oferta de curtidores, produtores de couro, designers, indústrias de máquinas e equipamentos para dar suporte ao desenvolvimento do setor.

O terceiro é a qualidade da demanda, medida pelo seu nível de exigência. Quanto mais exigente o mercado consumidor, mais a indústria se vê obrigada a elevar seus padrões de qualidade e de produtividade. A Alemanha se destaca na produção de automóveis porque os alemães são apaixonados por carros e velocidade, e são exigentes em suas escolhas. Novamente, a educação comparece como um item substancial.

Por fim, o quarto elemento é a estrutura e competitividade do setor. Quanto mais competitivo, melhor para seu desenvolvimento. A alta competitividade entre indústrias nascentes de microinformática levou o Vale do Silício ao que é hoje.

Resumindo, Porter tem muito a contribuir para o planejamento de intervenções num espaço urbano como o de São Paulo. Nossas Operações Urbanas seriam um ótimo momento para pensar nisso. Não adianta redesenhar e sanear a cidade, melhorar condições de habitação popular e mesmo construir prédios bonitos e acessíveis. Talvez isso não seja o suficiente para levar para lá empregos de qualidade.

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