William Deming e o milagre japonês

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Diz a lenda que quando os aliados ocuparam o Japão, após o término da Segunda Guerra Mundial, vários oficiais estrangeiros relataram “danos profundos na rede telefônica do país”. A estes relatos, os japoneses responderam não haver danos à rede, que ela estava funcionando como antes – ou seja, de forma intermitente. A cultura do país, até então, estava calçada na crença de que sua invencibilidade bélica milenar decorria muito mais de suas tradições que de tecnologia ou preocupações com a qualidade. Uma crença que desapareceu repentinamente.

A partir de então, os japoneses fizeram o que fazem melhor: correram atrás de suas necessidades com obstinação e disciplina. O país, que naturalmente já enfrenta escassez de recursos naturais, limitações territoriais e um clima hostil, estava naquele momento física e moralmente destroçado pela guerra. Conforme seria de se esperar por sua cultura, a sociedade nipônica queria então compreender onde falharam. E receberam, a partir de 1946, especialistas em diversas áreas técnicas.

Na época, o controle de qualidade ocidental vivia a era do controle estatístico. O Japão rapidamente criou uma organização com este foco (JUSE), a qual trouxe ao país especialistas ocidentais. Entre eles, desembarcou em 1950, William Deming. A diferença dele para os demais foi sua estratégia de palestra, que além de falar a língua dos técnicos, orientou-se também à alta administração, incutindo em diretores e presidentes o conceito de qualidade como responsabilidade de todos, não apenas das operações e produção, e o foco no cliente em toda a cadeia de valor.

Foi um pavio aceso. As ideias de Deming, junto com a alimentação dada também por Joseph Juran em 1954, encontraram terreno fértil na cultura japonesa – baseada no trabalho coletivo, interdependência humana, responsabilidade devida ao grupo e eliminação de desperdícios desde tempos imemoriais. Dali em diante, surgiram incontáveis iniciativas nipônicas para a excelência da produção: a gestão da qualidade total (diferente do conceito homônimo ocidental), melhoria contínua, kanban, círculos da qualidade, o gráfico de espinha de peixe de Ishikawa, garantia da qualidade, auditoria interna, e por aí em diante. Era uma revolução adequada para um país asiático em reconstrução.

Ainda nos anos 1950, Eiji Toyoda e Saiichi Ohno, executivos da Toyota, visitaram uma fábrica da Ford nos Estados Unidos com o objetivo de aprender sobre o processo ocidental de fabricação, referência mundial na época. E o impacto foi uma grande decepção: os dois executivos concluíram que o principal produto daquela planta era o desperdício, algo inconcebível para um japonês de qualquer era, pior ainda naquele momento. Era necessário redesenhar todo o sistema para algo que fizesse sentido. Deste redesenho surgiu uma série de práticas, como o just-in-time, produção flexível, equipes autogeridas, busca implacável pelas causas de problemas, obstinação com a qualidade, produção enxuta (lean production) que ficaram conhecidas como Sistema Toyota de produção – ou simplesmente toyotismo.

O jeito japonês de produzir surtiu efeito rápido, e a evolução de sua indústria nos anos 1960 foi espantosa, a ponto de colocar seus produtos de forma competitiva no mercado norte-americano já na década seguinte. A invasão de produtos asiáticos despertou a curiosidade ianque, que ainda vivia os paradigmas fordistas. A crescente participação japonesa no mercado norte-americano virou séria ameaça na virada para a década de 1980 (já falamos rapidamente sobre esse momento aqui). O toyotismo foi responsável por colocar o crescimento do PIB japonês como o maior do planeta durante o século XX (posição ocupada pelo Brasil até 1980).

Quando inquiridos sobre a origem daquela revolução, a resposta era ainda mais inesperada: atribuíam o milagre japonês a um norte-americano – um senhor desconhecido, chamado William Deming. Redescoberto, Deming virou celebridade. Publicou um livro de apoio para seus cursos e palestras no início dos anos 1980, e dedicou-se à disseminação de ideias sobre a qualidade até sua morte, em 1993.

O prêmio Deming, oferecido pela JUSE (organização japonesa), é até hoje um dos mais importantes prêmios de qualidade do mundo.

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