Situação hipotética muito próxima à realidade: imagine que seu município precisa fazer um investimento urgente em alguma solução para saúde, mas não tem recursos suficientes para isso. O que fazer? Se a prefeitura tiver como captar dinheiro em alguma linha de investimentos subsidiada ou a fundo perdido, ótimo. Mas essa alternativa está cada vez mais rara.
Os municípios, que ficam com a menor parcela da arrecadação tributária do país, sofrem imensas dificuldades para fazer investimentos em elementos de alto custo. A parceria público-privada (PPP) é uma possível saída para alguns desses casos, e tem também a vantagem de agregar vários contratos administrativos em um só. Em outras palavras, se essa prefeitura tivesse o recurso necessário para fazer esse investimento, faria uma licitação para a obra, uma licitação para a manutenção, uma licitação para limpeza, uma licitação para segurança, uma licitação para equipamentos, uma licitação para insumos… e por aí vai. Na PPP, todas essas licitações são unidas em uma única contratação. A empresa contratada (concessionária), além de construir a obra, terá que se responsabilizar também por sua Operação e Manutenção (O&M), Segurança, Limpeza, Conservação, pelos Insumos do prédio (todos eles, de papel higiênico a elementos de alta tecnologia) por todo o período do contrato.
As vantagens desse tipo de contrato são muitas: por ser responsável pelo prédio por décadas (até 35 anos), a obra costuma ser executada em boa qualidade; a remuneração da concessionária dependerá do desempenho e satisfação dos usuários, então o serviço tende a ser prestado com qualidade; a prefeitura deixa de ter que fazer aquele conjunto de licitações e pode gerenciar apenas um contrato; os servidores públicos podem ser liberados de tarefas burocráticas repetitivas a passam a poder atuar na inteligência e planejamento do serviço público; a fiscalização do contrato pode ser feita com o apoio de um agente externo (Verificador Independente ou Verificador de Conformidade); a prefeitura transfere uma série de riscos para a iniciativa privada; e, o mais relevante para muitos municípios: a obra fica pronta e começa a gerar benefícios para os cidadãos mesmo quando a prefeitura não tem recursos para sua construção.
O concessionário (iniciativa privada) também tem pressa de entregar a obra, porque só começa a receber a contraprestação pecuniária quando o serviço começa a ser prestado. Ou seja, a construtora não recebe enquanto a obra não termina. Por isso o contrato de PPP costuma ser apontado como uma solução para evitar obras públicas paralisadas.
Mas como calcular a remuneração desta empresa privada para abrir a licitação?
Contratos de longo prazo exigem considerações financeiras que incluam o valor do dinheiro no tempo. Fazer uma consideração estática (sem trazer valores futuros a valor presente) poderia gerar dois riscos ao interesse público:
- Modelar valores mais altos que o necessário, deixando dinheiro público na mesa para apropriação privada;
- Modelar valores mais baixos que o necessário, criando o risco de abandono do contrato repentinamente por insolvência financeira do concessionário, situação na qual o serviço público pode parar de ser prestado repentinamente.
Para resolver esse problema, o fluxo de caixa da operação é simulado por todo o período do contrato (este é o plano de negócios referencial). Essa simulação inclui:
- Investimentos em capital fixo, as obras e aquisições de ativos de longo prazo, o chamado CAPEX;
- Desembolsos operacionais, ou seja, os custos e despesas recorrentes de curto prazo associados à Operação e Manutenção (O&M) do ativo (OPEX) até o encerramento do contrato.
A partir desses orçamentos construídos com base em referenciais públicos, calcula-se uma Receita recorrente, composta principalmente a contraprestação pecuniária paga pela prefeitura ao concessionário, suficiente para cobrir o custo de capital daquele setor específico da economia. Isso é observado pela Taxa Interna de Retorno (TIR) obtida por essa simulação.
Veja um exemplo numérico para ficar mais claro. Suponhamos que esta prefeitura precise construir um edifício público para saúde no valor de 50 milhões desembolsados em dois anos de obras. O tesouro público não possui esse recurso, mas a necessidade pública é urgente. Este prédio também terá um gasto em O&M (limpeza, segurança, insumos etc.) da ordem de 450 mil por ano. A pergunta que devemos fazer, a bem da economicidade e eficiência na prestação de serviços públicos é: qual seria a remuneração adequada ao concessionário privado de forma a evitar os riscos citados acima?
Essa conta é feita de trás para a frente: suponhamos que o custo de capital deste tipo de projeto seja de 9,8% ao ano real (veja aqui de onde vem esse número). Fazemos a planilha eletrônica “preencher” o valor da contraprestação anual de forma a proporcionar essa remuneração de capital. Num exemplo muito simples, considerando uma PPP de 30 anos, essa remuneração anual seria de 6 milhões por ano, ou 500 mil por mês:
Em suma, como se trata de um contrato público, o investimento privado deverá ser remunerado exatamente por seu custo de capital, sem que haja apropriação indevida de riquezas a partir do esforço público. Assim, a TIR do projeto deverá ser igual ao custo de capital para sua realização (WACC).
Em PPP: TIR = WACC
Nos próximos textos sobre este assunto, detalharemos melhor o custo de capital e como fica o Valor Presente Líquido (VPL) dessa operação.
Mas assim a saúde pública não seria privatizada?
Não, porque o contrato continua produzindo um edifício público, e o serviço continua sendo prestado por servidores públicos (médicos, enfermeiros, técnicos etc.). Após o encerramento do contrato de PPP, os ativos (edifício, equipamentos, terreno, veículos etc.) voltam a ser de domínio público geridos diretamente pela prefeitura. Dessa forma, a concessão (que aumenta o patrimônio público) é o oposto da privatização, que reduz o patrimônio público.
Não seria melhor contratar da forma tradicional para economizar esse custo de capital?
As prefeituras já contratam empresas privadas para fazer todos esses serviços, mas em muitos contratos desconexos entre si. Ou seja, esse custo de capital já será pago pela prefeitura em qualquer alternativa estudada. Pior, com as despesas associadas à realização de várias licitações. Além disso, o risco do empreendimento como um todo ficaria com os servidores públicos, o que não acontece na PPP.
Se é tão bom, por que ainda não temos mais contratos de PPP?
A PPP também tem suas limitações. Primeiro, nem toda operação de concessão será vantajosa para o poder público, porque exige vários meses de estruturação do projeto. Segundo ponto, esta atividade envolve muitos profissionais especializados nas mais diversas áreas envolvidas no projeto, que as prefeituras não costumam ter em seus quadros. Esses consultores precisam ser contratados à parte, cujos honorários também costumam ser significativos. Pois esses motivos iniciais, a legislação brasileira já estabelece o valor mínimo de contrato de 10 milhões de reais para o enquadramento em PPP (Lei Federal 11.079/2004, Art. 2º, § 4º, redação dada pela Lei 13.529/2017). Há ainda outros desafios às PPP no Brasil: quantidade e fôlego de financeiro investidores, tempo de análise dos projetos por órgãos de controle, mercado em amadurecimento, falta de funding e de produtos de crédito para alguns setores, mudança de governo durante a estruturação, resistências (muitas vezes infundadas) por desconhecimento de como funciona o contrato, entre outros.
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