O mercado de capitais e os imóveis para aluguel

Aluguel, propriedade e subúrbio

Uma característica da habitação no Brasil que sempre me intrigou é a dificuldade  de se consolidar um mercado imobiliário consistente para o aluguel. A despeito das políticas públicas da casa própria, as quais remontam ao Estado Novo de Getúlio Vargas e tomaram por completo o referencial nacional de habitação de interesse social, é no mínimo curioso que esse mesmo modelo se mantenha num ambiente perfeito para a locação, principalmente quanto às seguintes variáveis:

  • Custo de oportunidade do capital elevado: com uma das maiores taxas de juros do planeta, a família brasileira teoricamente estaria menos propensa a imobilizar seu capital num imóvel quando pode alocar esse recurso em ativos ainda mais seguros que a solidez dos tijolos, principalmente após o acesso pulverizado ao Tesouro Direto;
  • Dinâmicas urbanas de pouco controle público: diversos eventos razoavelmente frequentes em nossos espaços urbanos destroem valor imobiliário da noite para o dia, tais como o anúncios de obras públicas elevadas, como as vias e trilhos elevados, o anúncio de obras de grande porte e geradoras de tráfego, redesenhos de vias públicas que despejam tráfego intenso em ruas tranquilas, invasões de áreas públicas, desrespeito às leis e normas de tranquilidade urbana, entre muitas outras. O investidor racional certamente ponderaria esses elementos no risco desses ativos (o que explica o que eu disse acima sobre títulos poderem ter menor risco que imóveis sólidos).

Entretanto, a ideologia da casa própria segue firme, obrigado. É necessário aqui ponderar também o outro lado dessa equação:

  1. Programas governamentais subsidiados colocam imóveis como propriedade de famílias carentes desde 1964, ano de criação do BNH em substituição ao sistema de IAPs e de mútuas privadas;
  2. As instabilidades macroeconômicas do país, aliadas à ocorrência de alguns eventos traumáticos no mesmo contexto (moratória nos anos 1980, sequestro de poupanças em 1990, etc.) deixaram as famílias brasileiras pouco confiantes em instrumentos abstratos de investimentos, pior ainda quando esses instrumentos não se convertem em utilidades cotidianas – ponto para a propriedade imobiliária;
  3. A crescente valorização imobiliária em geral, ininterrupta (descontados alguns pequenos solavancos) há muitas décadas também criar uma grande confiança do investidor nacional no ativo imobiliário urbano em geral. Este elemento, perversamente aliado ao elevado custo de capital doméstico cria um ambiente de taxas de retorno obscenas a alguns grandes grupos investidores corporativos do setor.

Posto o cenário, proponho um exercício mental. É fato que nosso mercado de capitais está em expansão e amadurecimento acelerados, se compararmos o momento atual a cenários anteriores. Me pergunto se essa tendência seria capaz de auxiliar na mudança de paradigma imobiliário.

Talvez você esteja se perguntando o que uma coisa tem a ver com a outra. A questão é que alguns sinais do mercado de capitais amadurecido são contrários aos acima colocados:

  • A maior oferta de capital a ativos nacionais também pode ser lida como maior oferta de crédito para o outro lado do balcão. Mais oferta de crédito, menor o seu custo (lei da oferta e da demanda), e as taxas de juros tendem a cair. Cai também o retorno dos incorporadores nos imóveis para alienação, beneficiam-se os empreendimentos de base imobiliária, o que inclui aqueles para locação;
  • A abertura de capital de muitos investidores tende a ser acompanhada de exigências de maior transparência e responsabilidade. Com isso, provocar um impacto danoso ao ambiente urbano (pela iniciativa privada) fica cada vez mais difícil, apesar de o poder público continuar podendo fazê-lo sem impactos diretos do mercado de capitais – os governos sofrem controles de outras naturezas.
  • As novas gerações de investidores, como a Geração Y e a Geração Z estão se mostrando cada vez mais desapegadas da propriedade, valorizam a liberdade, flexibilidade e até a volatilidade de suas vinculações territoriais;
  • Quanto mais desenvolvido é o mercado de capitais de um país, mais pulverizado tende a ser o capital de um país. Com isso, um eventual choque econômico em uma espécie de ativos específica (como a poupança) teria menor impacto na macroeconomia nacional;

Que os sinais são trocados, não há dúvida. Portanto, essas variáveis apontariam para um favorecimento dessa conexão benéfica entre habitação para locação e mercado de capitais. Porém, a questão não é o sinal, mas sim a escala. Os programas habitacionais sociais para alienação possuem elevado vulto no país, com capacidade de produzir algo na ordem de 20 milhões de unidades habitacionais (UH), ou seja, população de 60 milhões de pessoas atendidas – considerando a média de 3 pessoas por UH, uma estimativa baixa. Isso representa quase 30% da população do Brasil diretamente impactada. Por outro lado, o mercado de capitais nacional não atinge nem 1% da população. Além disso, essa minoria também não costuma aportar muitos recursos para a renda variável, o que nos dá a uma ideia da reduzida dimensão desse mercado.

Certamente essa se coloca, a meu ver, como uma tendência de longo prazo no país. Mas isso não deveria nos desanimar, porque o “pouco” na habitação representa alguns empreendimentos. E algum desses poucos empreendimentos pode vir a ser o seu.

Saiba mais:

O que é PPP

 

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2 comentários em “O mercado de capitais e os imóveis para aluguel”

  1. Um verdadeiro estado de encantamento social!
    Me parece que Getúlio Vargas lançou um encantamento, UM BORDÃO, que PEGOU, e até hoje o MITO de que O IMÓVEL PRÓPRIO seja a MELHOR COISA DO MUNDO… nunca mais foi derrubado!!!
    É assim que vejo o bombardeio midiático sobre a “AQUISIÇÃO DA CASA PRÓPRIA” tão endeusada ao longo das últimas décadas!
    Reconheço que essa é uma análise sócio histórica complexa, deixada de uma geração a outra nem sempre sob argumentos robustos, mas deixada como uma verdade quase absoluta afinal na Novela Rei do gado o personagem de Antonio Fagundes já dizia “TERRA É TERRA”!
    Pois é em razão deste contexto social plantado na mente de gerações de pessoas, que vejo com bons olhos o artigo recém publicado por @Ricardo M Trevisan, em seu Instagram hoje.
    Claro que minha abordagem é um pouco menos econômica, entretanto, não espere que eu seja menos polêmica!
    Em um mundo SUPER POPULOSO, onde a produção de alimentos x crescimento da população já tornou habitar o PLANETA TERRA algo no mínimo Desafiador, hoje, EM TERMOS DE TERRA/CASA/ IMÓVEL, podemos classificar os titulares de direitos e obrigações sobre estes bens em dois grupos: OS QUE OS TEM E AQUELES QUE NÃO OS TEM.
    Aqueles que OS TEM, ainda podem ser agrupados em dois sub- grupos:
    a) Aqueles que acreditam na vida eterna, tem herdeiros para deixar seus bens, que não acreditam e nada em que NÃO SEJA MATERIAL, é o chamado “Grupo São Thomé”- PRESERVAÇÃO PATRIMONIAL/GARANTIA DE TETO.
    b) Aqueles independentemente de acreditarem ou não na vida Eterna e terem ou não Religião, pertencem ao “Grupo São Thomé II”- TETO NÃO ME BASTA PRECISO SOBREVIVER DE RENDA E NÃO CREIO EM NADA QUE NÃO SEJA MATERIAL, deixando assim basicamente de fora a oportunidade de ganhar dinheiro com o MERCADO IMATERIAL, que está a cada dia mais acessível aos comuns e não somente a NATA DE WALL STREET ! Em sua grande maioria são os famosos aposentados que vivem da renda do aluguel de seus imóveis! Mas há os mais abastados em número de propriedades, QUE SÃO PROPRIETÁRIOS DE UMA QUANTIDADE INDIZÍVEL DE BENS IMÓVEIS, e seus objetivos na aquisição de “TERRA” como dizia nosso Ator Nacionalmente Conhecido, vai muito além da SOBREVIVÊNCIA.
    Aqueles que não OS TEM já são mais complicados de resumir:
    a) Aqueles que NÃO TEM dinheiro suficiente para COMPRAR seu imóvel, e ter um lugar pra chamar de seu, de seus herdeiros, e LUTAM com fé e afinco para obter O MITICO BEM DESEJADO, ignorando qualquer sinal o frequência de conversa que fuja deste sonho implantado na sua mente.
    b) Aqueles que TEM dinheiro para adquirir, e não o fazem com MEDO DE IMOBILIZAR CAPITAL, optando pelo TEMIDO MERCADO DE VALORES E AÇÕES, IMATERIAL, ou ainda, INVESTINDO EM FUNDOS DE INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO, que de igual forma não engessa o dinheiro que garante sua sobrevivência.
    Ora, fica claro nas quatro definições acima delineadas que a EDUCAÇÃO E O CONHECIMENTO podem fazer diferença no momento de um destes AGENTES SOCIAIS investirem seu suado dinheiro.
    Por isso como profissional tarimbada há 30 anos no mercado imobiliário, sapiente de suas belezas e mazelas, riquezas e tristezas, me chamou a atenção o nobre colega debruçar-se sobre o tema, trazendo ao foco da discussão “a característica da Habitação no Brasil” não só sobre os SUJEITOS que transitam neste MERCADO IMOBILIÁRIO, mas principalmente FOCADO NO TEMA DA SUA CONSOLIDAÇÃO ATUAL SER A BUSCA MÍTICA DA AQUISIÇÃO E NÃO DA LOCAÇÃO.
    O debate é longo, e só está por iniciar.
    Em breve, acredito, que em efeito cascata, os grupos sociais, irão observar que formalmente ALUGAR UM IMÓVEL, para qualquer dos sujeitos envolvidos no Mercado imobiliário é mais vantajoso do que imobilizar seu dinheiro seja como um abrigo ou como fonte de renda, HOJE, neste século de direitos difusos tão discutidos, as “políticas públicas” e “os eventos urbanos que forçam a realocação dos espaços públicos”, citados pelo subscritor do artigo, DE FATO E DE DIREITO serão fatores determinantes para que o comportamento social mude de forma jamais concebida.
    Propõe o Autor um cenário onde os grandes fundos de investimento nacionais tornam-se cada vez mais acessíveis e seguros ao passo, que os programas habitacionais podem alienar o cidadão.
    Sem pretensão alguma de trazer ao debate a FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE prevista pela nossa Constituição Cidadã de 1988 , Ricardo M Trevisan se pergunta: “… essa tendência seria capaz de auxiliar na mudança de paradigma imobiliário”?
    Recaem ainda muitas análises sobre variáveis que fogem ao nosso controle no momento de determinar quando o cidadão entenderá que o DIREITO A MORADIA, não é um FUNDAMENTO CONSTITUCIONAL DE UM ESTADO ASSISTENCIALISTA, mas algo a ser regulamento por uma nação que por ora escolheu ser Neo- liberalista, devendo cada qual escolher como e onde vai dormir ao fim do dia.
    Trocando em miúdos, até onde se pode analisar, formalmente a Locação no Brasil certamente é o meio pelo qual os Brasileiros em sua grande maioria HOJE ainda precisam ou optam por habitar.
    Se o mercado de LOCAÇÃO VAI SE CONSOLIDAR?
    Essa resposta só o tempo dirá, mas certamente se depender dos fundos imobiliários e dos programas habitacionais que hoje existem, a Locação em breve sairá da obscuridade E TODO PRODUTO OU SUBPRODUTO de seu exercício certamente exigirão UM MERCADO ESPECIALIZADO COM PROFISSIONAIS CAPAZES DE VER ALÉM, do bordão do personagem de Antonio Fagundes, rs…..

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