A taxa de desconto é peça-chave dos estudos de fluxos de caixa descontados, seja para a finalidade que for: avaliação de empreendimentos existentes, estudos de viabilidade, planos de negócios, simulações, e assim por diante. Dependendo do caso, uma mínima variação na taxa de desconto pode provocar enormes diferença no resultado. Além disso, nossa economia doméstica costuma sofrer fortes variações em seus fundamentos em períodos relativamente curtos. Então sempre fica a dúvida sobre a determinação da taxa de desconto mais adequada a ser utilizada.
Com a intenção de ajudar nossos leitores, deixamos abaixo um exemplo de cálculo de taxa de desconto para a atividade de incorporação imobiliária para uma empresa totalmente financiada por capital próprio, dos acionistas (sem financiamento por dívidas).
Conforme já dissemos em outros textos aqui publicados, o método mais comumente aceito para o cálculo do custo de capital próprio (que seria o caso) é o CAPM, Modelo de Precificação de Ativos de Capital, em seu acrônimo em inglês. Sua fórmula de cálculo é:
Ke = TLR + Beta x ( RM – TLR )
Onde:
Ke: Custo do capital próprio
TLR: Taxa Livre de Risco, ou de Risco Zero teórico
RM: Retorno esperado de mercado
Beta: Coeficiente de risco
Taxa livre de risco: como, em geral, se utiliza fluxos de caixa em termos reais (ao invés de nominais), a taxa de livre de risco mais adequada seria a de remuneração real de títulos públicos. No caso do Brasil, enquanto que, em termos nominais, utilizaríamos CDI ou Taxa SELIC, em termos reais seria mais adequado utilizar a remuneração do título público brasileiro que garante uma remuneração real, ou seja, acima da inflação. Este título é o Tesouro IPCA (antiga NTN-B).
Na data de elaboração deste texto, um título Tesouro IPCA com vencimento em 5 anos (o prazo deve ser compatível com o período projetado), é de 2,23% ao ano acima do IPCA (portanto, em termos reais).
Então, TLR = 2,23%
Retorno esperado de mercado: idealmente, seria a média de retorno de todas as atividades econômicas. Como isso é impossível de se obter, utilizamos para isso uma proxy: o retorno de uma carteira teórica de ações que indique a saúde de uma determinada economia. Estes índices já existem, e são formados, atualizados e divulgados pelas Bolsas de Valores. No Brasil, por exemplo, existem o Ibovespa e o IBX.
Entretanto, como nosso mercado de capitais ainda é pouco amadurecido, com um número reduzido de empresas, e sofre intensas variações em curtos espaços de tempo inclusive por ingerências políticas de nosso governo, a maior parte das discussões técnicas neste sentido tem recomendado a utilização do mercado norte-americano, em que o CAPM se originou. Por este motivo, é comum a utilização do S&P500 como referência de retorno de mercado.
Como isso é feito? É necessário entender que retorno o investidor tende a receber, em média, na linha de tendência da proxy. Assim, pegamos duas informações sobre o gráfico de evolução do índice: o atual e um ponto no passado que reflita sua linha de tendência.
Neste exemplo, o patamar atual do S&P500 é 2.997 pontos. Retornando dez anos no mesmo gráfico obtemos um ponto dentro da tendência, e em 1.117 pontos. A partir destas informações, calculamos primeiro o retorno total do período:
RT = (final / inicial) -1
RT = (2.997 / 1.117) -1
RT = 1,6831 = 168,31%
Agora precisamos saber o retorno ao ano. Como o período capturado do S&P500 foi de 10 anos, o retorno anual será:
RA = [(1+1,6831) ^ (1/10)] -1
RA = 10,37% ao ano
Este retorno é nominal, nos Estados Unidos. Então, precisamos fazer alguns ajustes: primeiro, descobrir a taxa real. Isto é feito da seguinte forma:
Taxa real = (1 + taxa nominal) / (1 + taxa de inflação nos EUA) – 1
Uma rápida pesquisa é o suficiente para se descobrir a atual taxa de inflação nos Estados Unidos. Na data de construção deste texto, está em 1,7% ao ano:
Assim sendo:
Taxa real = (1 + 0,1037) / (1+0,017) -1
Taxa real = 8,53% a.a.
Segundo, precisamos converter esta taxa real para a realidade brasileira, onde há exigência de maiores prêmios pelo risco. Esta diferença corresponde ao risco-país, cujo índice (EMBI+) é divulgar diariamente pelo banco J. P. Morgan. Na data de elaboração deste texto, o EMBI+ estava em 238 pontos. Importante notar que este indicador não é uma taxa em si, e sim uma métrica de pontos percentuais. Ou seja, não é uma acumulação de taxas, e sim um adicional de pontos percentuais em função da diferença de remuneração de títulos públicos dos dois países.
E agora podemos calcular o retorno de mercado (RM):
RM = 8,53% + 2,38%
RM = 10,91% a.a.
Beta: existem duas formas de obtê-lo. A primeira, é calculando conforme explicamos em nosso post anterior sobre o assunto (veja aqui). Porém, a forma mais prática é consultando dados de beta setoriais divulgados, sendo que o mais famoso é o relatório da New York University (veja aqui).
Como estamos trabalhando com um exemplo de empresa financiada 100% por capital próprio (sem alavancagem financeira), usamos o beta desalavancado (unlevered beta). Estamos tratando, neste exemplo, mercado de incorporação imobiliária, que possui uma categoria bem definida no relatório (real estate – development), cujo beta setorial encontrado nesta data é igual a 0,79.
Pronto, agora já temos como calcular o custo de capital próprio pelo CAPM básico:
Ke = 2,23% + 0,79 x (10,91% – 2,23%)
Ke = 9,09% ao ano, real
Caso a empresa não seja financiada por capital de terceiros, e nenhum outro aspecto (tamanho, prazo do projeto atípico, etc.) modifique esta taxa, utilizamos esta como a taxa de desconto para fluxos de caixa em incorporação imobiliária, na data de hoje.
E se minha empresa tiver também capital de terceiros?
Neste caso, usaríamos o WACC, conforme explicamos em outro texto (veja aqui). Em casos assim, deve ser utilizado o beta alavancado.
Saiba mais:
Estudo de viabilidade econômica de empreendimentos imobiliários
Avaliação econômica de imóveis
Leia também:
Poa, 22-10-2019
Boa Tarde Sr. Ricardo Trevisan
Achei ótimo seu artigo sobre o Exemplo de Taxa de Desconto para Incorporação Imobiliária, artigo muito prático e objetivo, agora com esta exemplificação ficou muito mais claro os ensinamentos descritos no seu livro Estudo de Viabilidade Econômica de Empreendimentos Imobiliários, fica uma sugestão para o amigo, um artigo idêntico ao aqui apresentado para Empresas Alavancadas com Capital de Terceiros (WACC), com exemplos de cálculos, obtenções de índices e taxas no mercado. Seria Ótimo!
Atenciosamente
Luciano Fraga
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Boa tarde, Luciano
Está anotada a sugestão, faremos sim. Já começa na próxima segunda-feira, explicando o beta alavancado. Obrigado pela contribuição.
Abraços,
RT
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Poa, 28-10-2019
Muito Obrigado Sr. Ricardo Trevisan
Fico muito grato pela atenção e muito feliz em poder contribuir com assuntos para seus post’s, com o intuito que o senhor possa ensinar e esclarecer as duvidas minhas e de outros colegas;
E sigo acompanhado seus post’s, que, por conseguinte são muito bons;
Luciano Fraga
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Eu que agradeço, Luciano!
Um abraço,
RT
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