Este é um dos termos mais mal utilizados pela imprensa quando se fala de desenvolvimento urbano. Seu uso indiscriminado costuma se referir à ocupação ou adensamento de uma área sem o devido planejamento ou desenho urbano. Mas especulação imobiliária não é exatamente isto, pelo menos não em sua totalidade.
Primeiro é necessário entender o que é especular. Veja o que uma simples busca na internet retorna:
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transitivo diretoestudar com atenção, detalhadamente; pesquisar, investigar.“e. a intimidade de alguém”
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transitivo direto e transitivo indiretobuscar entender por meio da razão, teoricamente; refletir, teorizar.“e. um imperativo moral”
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transitivo indireto e intransitivopraticar especulação.“dedicam-se a e. (com o câmbio)”
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transitivo indiretoaproveitar-se de circunstâncias, cargo, posição etc., para obter vantagens pessoais.“e. com o fato de ser sobrinho do presidente para viajar”
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referente a espelho.
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que reflete; que tem as propriedades de um espelho.“superfície e.”
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invertido como a imagem do espelho.“movimento e.”
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que possui espelho(s).
Perceba como a palavra tem mesma origem de espelho, e está, em sua essência, ligada ao ato de observar. E, a partir destes, obter vantagens. Ou seja, o especulador é aquele que observa com atenção em busca de possibilidades de vantagens. Por isso se diz, por exemplo, que negociar em bolsa de valores é uma atividade especulativa.
Observe que o especulador não quer correr riscos, ou fazer apostas, ou produzir algo. Quer apenas identificar uma possibilidade de ganhos com grandes chances de sucesso e se utilizar dela. Portanto, o especulador não é empreendedor. Este último é aquele que toma riscos, investe seu próprio capital e produz riqueza nacional. Ou seja, atividade quase oposta à do especulador.
Transportando para o setor imobiliário, o empreendedor seria aquele que investe no empreendimento, utilizando principalmente seus próprios recursos, tomando o risco do negócio para si e produz bens, ou seja, cria riqueza. Assim sendo, este empreendedor imobiliário não poderia ser classificado como especulador.
Por outro lado, o proprietário de terras que faz retenção aguardando a chegada de benefícios urbanos (luz, água, esgoto, iluminação, pavimentação, equipamentos comunitários, transporte, etc.), não está produzindo riqueza por não produzir nenhum bem; não corre muitos riscos, pois trabalha com a baixa liquidez para obter a valorização patrimonial com o passar do tempo; e não está investindo nada além do que foi pago na aquisição da terra e tributos sobre a propriedade (que tradicionalmente no Brasil, são inferiores à tributação sobre o consumo). Este sim, é o especulador. E a paisagem que ele produz é a da terra nua, sem qualquer benfeitoria ou edificação – exatamente o oposto da imagem que a imprensa mostra associada à especulação imobiliária.
A promulgação do Estatuto da Cidade (Lei Federal 10.257/2001) foi um importante passo para o combate à retenção especulativa de terras urbanas, equilibrou um pouco melhor a disputa entre especuladores e empreendedores imobiliários e ajudou a divulgar com mais propriedade estes conceitos. Mas todos estes efeitos, ainda que crescentes, são pequenos frente aos equívocos cristalizados pela repetição incorreta de nomes e conceitos.
A crítica às áreas urbanas de desenvolvimento desproporcional, sem desenho ou incoerente com o entorno urbano é muito válida, claro. Mas talvez suas causas sejam outras, diferentes da especulação. Por exemplo, a ineficácia do Estado em regular a atividade do empreendedor, que, por definição, produzirá o máximo possível buscando a maximização de retornos, pois esta é a sua natureza, e é assim que este agente mitiga seus riscos.