Estou percebendo que conhecer nossos vizinhos é um ótimo exercício de auto-conhecimento. Nos ensina sobre nossas virtudes e pecados.
Uma das coisas que mais me chamou a atenção foi nossa violência. Nem Bogotá é tão violenta quanto o Rio de Janeiro. E a crescente onda de violência que acompanha pari passu a decadência econômica da Argentina ainda não os levou a nossos níveis de amedrontamento urbano. Incrível como é possível viver com paz nas cidades, mesmo as mais pobres. E é nítido que o crime não tem, necessariamente, correlação com desempenho econômico ou pobreza. Chegando em Lima, ouvi: “Brasileiro? Não se preocupe, a área central daqui é segura, pode andar com câmera, celular e relógio sem se preocupar.” E é mesmo. Quando chego a Cusco, descubro que é mais segura que Lima. Em Montevideo, o comentário: “aqui também está ficando perigoso, estamos tendo que trancar a porta quando saímos de casa”. Não sei se dá pena ou inveja. Por que temos que conviver com essa guerra civil todo dia?
Por outro lado, o problema não é exclusividade nossa. A moça de El Salvador na trilha de Intipunku, Machu Picchu comenta: “Estava com receio de subir sozinha, de ser muito ermo. Ainda bem que havia mais gente no caminho.” Pensamento brasileiro. Duas mulheres no aeroporto comentando sobre a violência urbana da Guatemala: “temos que aprender a conviver com isso, qualquer lugar é perigoso”. Quem nunca ouviu isso em São Paulo? Uma amiga me relatou um assalto violento em Buenos Aires que sofreu com o namorado. E o argentino que pensava que era inglês, onde foi parar?
Outra coisa que me constrange é o extremo grau de ignorância de nossos conterrâneos. Num city tour do Peru, as perguntas dos brasileiros: “independência? Vocês pertenciam a quem?” ou “ah, quando os espanhóis chegaram já tinha gente aqui?”. Eram uns tais incas, que eles pensavam ser o povo do México. O guia responde pacientemente, e deve pensar “são brasileiros, coitados…”. E todos eles, argentinos, uruguaios, chilenos, peruanos, colombianos (os que conheci) conhecem história muito bem. Inclusive a nossa. Não duvido que tenha havido algumas aulas de História do Brasil em castelhano para brasileiros por aí. E fiquei curioso a respeito daqueles nossos caixotes de concreto que tem a palavra “escola” na frente.
Museu Blanes, Uruguai. Estava eu sentado num dos três bancos defronte a uma pintura ícone da libertação deles, quando um numeroso grupo de crianças (estudantes uniformizados, de escola pública) sentou ao meu redor. Ia começar uma aula. Fiquei constrangido de permanecer ali e me levantei para me afastar. Vários garotos pediram muitas desculpas, pediram que eu permanecesse ali, perguntaram se eles tinham me incomodado. Fiquei com vergonha. De ser brasileiro.
E o consumismo. Quer falar português? Procure um shopping. Cultura local não interessa, comércio sim. Talvez nossa educação primitiva explique isso, sei lá. Ainda não encontrei povo (da América Latina) que ganhe de nós neste quesito. Dizem que o Panamá compete conosco, não fui para lá ainda para avaliar.
Limpeza urbana. Lima é chão limpo, em todo lugar, de forma impressionante. Vi um policial entrar num meio de um grupo de uns 100 estudantes adolescentes e intimidar: quem jogou o papel no chão? E inquiriu com veemência, como se houvesse um criminoso entre eles. E insistiu até que o garoto confessou, e foi imediatamente condenado a jogar o papel na lixeira. Naquele momento percebi que aquele era o primeiro papel que via no chão até aquela hora.

Temos motivos para orgulho também. Somos amistosos e acolhedores, apesar de não sermos muito cordiais e às vezes nada respeitosos (e inconscientes disso). Nossas cidades têm qualidades. Temos belas praias. O metrô de São Paulo é limpo e seguro, apesar de pequeno, apertado, lotado e, ultimamente, não muito confiável. Bogotá, Lima e Montevideo não têm metrô. E o de Buenos Aires não comporta mais sua demanda. Ficar sem metrô numa grande cidade é caótico, Lima e Bogotá que o digam. Tudo bem, o metrô de Santiago é muito bom, concordo. A população deles é um terço da nossa e a extensão da rede não é muito diferente de São Paulo. Tem mais espaço per capita. E per pés.
Deve haver outros motivos para orgulho. Citar esporte não vale.
Olá, Ricardo. Me alegra muito ver seu relato. É incrível o “Gap” que existe em matéria de conhecimento nosso com nossos irmãos espanohablantes. Um novo mundo está aqui do lado. Vejo, pelo seu relato, que há mais dignidade e preocupação de qualidade de vida para além dos Andes. Pareceu-me bonita Lima. Dá vontade de conhecê-la. Abraço.
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Obrigado, Guilherme!
Lima é linda, recomendo.
Abraços,
RT
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Pelo visto você acha que o Brasil se resume a duas cidades: Rio de Janeiro, São Paulo.
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Anderson
Conheço sete capitais e várias outras cidades do interior. Pelo que tenho visto, Rio e São Paulo nem estão tão ruins… Além disso, acredito que o adequado é comparar elementos semelhantes: metrópoles com metrópoles.
RT
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Manaus, Porto Alegre, Salvador, Brasília e Goiania também são metropoles; e outra, a escola que eu estudava no ensino medio não era simplesmente um “caixote de concreto”
Paz! (:
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Anderson
Infelizmente parece que você não entendeu muito bem o propósito do texto. A questão não é que cidade usei nos exemplos, e sim que o Brasil como um todo não tem qualidades que nossos vizinhos hispânicos esbanjam. Qualquer uma das cidades que citou poderia substituir meus exemplos – e em nada ajudaria.
Também me parece que você não conhece muito os países vizinhos, pois perceberia que nossas pequenas diferenças individuais desaparecem frente ao degrau que nos separa deles em segurança pública ou educação, só para começar. Minha escola também não era só um caixote de concreto, mas o comportamento de nossos conterrâneos no exterior nos envergonha. Achar um brasileiro é fácil porque normalmente é quem se comporta mal. E faz as perguntas mais cretinas.
A ininterrupta criação de disputas internas é um de nossos defeitos que eu gostaria de ver minimizado com o autoconhecimento. O espelho que nossos vizinhos podem ser para nós é o que eu queria mostrar.
RT
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