Conceito de negócios em escritórios de arquitetura e urbanismo [e]


Continuando nossa série de textos sobre o planejamento e gestão de negócios em escritórios de arquitetura, chegamos hoje a um ponto central: o conceito norteador do modelo de negócios do escritório. Trata-se da forma de construção e entrega de valor ao cliente, e sua consequente captura de retorno. Mais uma vez, insisto: o retorno não é só financeiro. Organizações sem fins lucrativos buscam retorno na forma de externalidades positivas. Profissionais apaixonados pelo ofício buscam o prazer da realização pessoal com o trabalho.

Claro que não estou falando do conceito econômico ou financeiro da palavra valor. Não confunda com preço, custo ou nenhum outro tipo de montante monetário. O entendimento estratégico de valor, muito importante em marketing, diz respeito àquilo pelo qual o consumidor tem interesse suficiente em obter a ponto de estar disposto a abrir mão de recursos financeiros, tempo, ou energia para isso. E este conceito é tão importante para a empresa, a ponto da Teoria Geral da Administração a associar à vantagem competitiva da empresa. Em resumo, o que a teoria prega é que o consumidor só contrataria um determinado serviço se o valor percebido (associado a benefícios) for maior ou igual ao seu preço.

Quando o valor percebido for maior que o preço, surge um excedente a favor do consumidor (consumer surplus). Se fosse possível identificar com precisão o valor percebido, este seria a máxima disposição a pagar por parte do consumidor (willing to pay) pelo serviço prestado. Assim chegamos à definição econômica de máxima disposição a pagar: equivale ao preço pelo qual o consumidor é indiferente entre comprar o produto e continuar sem ele. Portanto, esta é uma variável que muda de consumidor para consumidor (definição de subjetiva), pois assim se comportaria o valor percebido. Competitividade estratégica é obtida quando a empresa consegue formular e implantar com sucesso uma estratégia para criação de valor – e essa estratégia é desenhada no modelo de negócios. A relação construída entre o desempenho num determinado serviço prestado e os atributos pelos quais os clientes estão dispostos a pagar conformam o valor criado.

Portanto, estamos falando de um conceito diverso do conceito de preço, pois é estabelecido num momento anterior à precificação. O negócio deve ser definido em termos de valor que oferece e não de produtos (serviços) que comercializa.

Observe que o valor é um elemento ofertado, portanto está num sentido inverso ao do preço quando pensamos na relação entre escritório e cliente. O motivo principal dessa consideração é que o preço trata da algo que é cobrado do cliente. O valor do serviço prestado decorre dos benefícios que seus atributos proporcionam.

É necessário que exista uma grande mudança em nosso setor, precisamos pensar muito além do serviço tangível, perceptível. Precisamos migrar para a situação em que haja consciência de que o serviço oferecido ao mercado é consequência direta de como o escritório se vê: a que necessidades atende, que grupos de consumidores procura captar, e os meios para satisfazer a essas necessidades. Precisa ser nítido aos sócios onde é que o cliente vê valor, e parar de perder tempo em atividades que não agregam nada para o cliente. O desafio da política de preços é, portanto, identificar uma expressão quantitativa do valor do produto para o consumidor, principalmente porque:

  1. se o preço for inferior ao que o consumidor está disposto a pagar (willing to pay), retornos potenciais estarão sendo sacrificados, e;
  2. se o preço for superior à disposição a pagar, a venda não acontece.

Ou seja, os preços dos competidores (racionais) necessariamente estarão dentro de uma faixa estabelecida por:

  • um preço mínimo estabelecido pelo custeio (custos mais despesas), abaixo do qual não existe lucro, e;
  • um preço máximo, estabelecido pelo valor percebido pelo cliente, acima do qual o consumidor não vê vantagem na compra.

As sensações ou atitudes gerais que o cliente tem após a aquisição do produto determinam o nível de satisfação do consumidor pós-compra, e o que as pessoas esperam é a combinação de qualidade e valor. O modelo de negócios, a explicação de como uma empresa funciona e cria valor, permite entender como o escritório produzirá retorno, qual será seu modelo de receita, e como vários processos se relacionam para atingir o objetivo, gerando valor aos clientes. Não subestime a necessidade de desenhar formalmente seu modelo de negócios.

Tendo este conceito clarificado, é importante relatar que observamos, na base de 403 escritórios levantados, que estes adotam diferentes estratégias ao oferecer valor ao mercado. Uma atuação generalista do arquiteto e urbanista ofereceria, se não estratégias similares, pelo menos categorias de valor aproximadas ao seu mercado de atuação.  Entretanto, observamos pelo menos três tipos distintos de oferta de valor oriundos de três arquétipos diferentes de modelos de negócios (esses dados já foram publicados anteriormente como artigo científico) [1]:

  1. um modelo de negócios que oferece como valor principal a singularidade de projeto de arquitetura e urbanismo como fator crítico de sucesso (o qual denominamos conceito de produção singular);
  2. um modelo de negócios que oferece valor principal diferente da produção singular, construído com processos internos como fator crítico de sucesso (o qual denominamos operacional), caracterizado também pela rigidez em seus processos internos;
  3. um modelo de negócios que oferece como valor principal o suporte a processos ou ao modelo de negócios de terceiros como fator crítico de sucesso (o qual denominamos apoiador), caracterizado pela flexibilidade em seus processos internos.

São três formas distintas encontradas pelos escritórios de arquitetura para produzir e entregar valor a seus clientes, portanto três formas distintas de estratégias, comunicação com o mercado, posicionamento, precificação e de competitividade. Evidenciam e corroboram a hipótese de que a atuação do profissional da Arquitetura e Urbanismo possui algum grau de segmentação, no mínimo em três classes claramente observáveis de modelos de negócios.

Até a próxima!

[1] TREVISAN, Ricardo M.; BARROS, Gil G.; ONO, Rosaria. Segmentação na atuação das empresas de Arquitetura no município de São Paulo. Anais… Uberlândia: PPGAU/FAU/FAUeD/UFU, 2019.

[e] Textos com esta marcação dizem respeito ao tema empreendedorismo.

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