Acho que já deu para perceber, pelos textos anteriores, que o discurso de que o arquiteto trabalha “com todos os tipos de projeto e para todos os públicos” é exatamente isso: um discurso – e que não encontra respaldo na realidade cotidiana dos escritórios.
Hoje trago aqui mais um elemento (e não será o último) a corroborar essa tese: a segmentação de mercado em seu sentido lato, ou seja, a segmentação de público-alvo. Por um lado, temos encontrado fortes indícios de que os escritórios de arquitetura delineiam muito pouco os segmentos de clientes com os quais querem trabalhar – e sofrem as consequências disso.
Por outro lado, também descobrimos que a grande maioria dos escritórios coloca limites em seu grupo de potenciais clientes. De 403 escritórios de arquitetura observados no município de São Paulo entre 2018 e 2020, encontramos as seguintes restrições (esses dados já foram publicados anteriormente como artigo científico) [1]:
- 74 escritórios (18,4%) não atendem pessoas físicas
- 24 escritórios (6%) não atendem pessoas jurídicas de nenhum tipo (nem governos, nem iniciativa privada)
- 3 escritórios (0,7%) não atendem qualquer tipo de cliente privado, apenas governos
- 280 escritórios (69,5%) não atendem setor público de nenhuma forma, e nunca participaram de concursos públicos
Pode até, num primeiro olhar, parecer uma arbitrariedade desnecessária. Mas garanto que está longe disso. Aliás, os recortes ainda são muito mais brandos do que poderia ser classificado como um comportamento saudável e sustentável no longo prazo.
A tendência é que os escritórios aprendam, cada vez mais, a mirar num perfil de cliente melhor definido para poder construir modelos de negócios mais robustos. Quem não o fizer, terá dificuldades de sobreviver, e a seleção natural tende a consolidar no setor apenas aqueles que trabalharem com mais afinco na proposta de valor (value proposition).
Ou seja, provavelmente só estarão no mercado, num horizonte não muito distante, quem mapear a construção e entrega de valor aos seus clientes. Isso envolve compreender as listas de tarefas, os ganhos desejados e as dores de seu público-alvo. Só assim você poderá pensar em serviços a serem prestados que criem esses ganhos perseguidos ou que sirvam de analgésicos para tais dores.
Ou seja, será impossível fazer isso sem segmentar clientes.
Até a próxima!
[1] TREVISAN, Ricardo M.; BARROS, Gil G.; ONO, Rosaria. Segmentação na atuação das empresas de Arquitetura no município de São Paulo. Anais… Uberlândia: PPGAU/FAU/FAUeD/UFU, 2019.