Relato pessoal da apresentação do Workshop 1, realizado em 19 de outubro de 2016, das 9h às 17h, nas dependências do Hotel Windsor, no Rio de Janeiro (RJ), antecedendo ao congresso UPAV 2016. As anotações pessoais a seguir partem do princípio que você já tem um conhecimento mínimo do que se trata a avaliação econômica de imóveis (pelo método da renda), conforme NBR14.653 parte 4. Entretanto, caso queira conhecer a metodologia desde o nível básico, acompanhe aqui no blog que falaremos mais sobre isso em outras oportunidades.
A mesa foi coordenada por Daniel Lird (Paraguai), teve como palestrantes Osório Accioly Gatto (Brasil) e Agnaldo Calvi Benvenho (Brasil). Os debatedores foram Elena de La Poza (Espanha), Mauro Gomes (Brasil) e Claudio Souza (Brasil)
Segue um resumo pessoal dos pontos mais importantes, anotados à mão.
A avaliação de imóveis por Fluxo de Caixa Livre (FCL) é um trabalho com muito mais tecnicidade e sofisticação conceitual que o Método Compartivo Direto de Dados de Mercado. Depende de razoável grau de conhecimento em administração financeira e um pouco de micro e macroeconomia.
O trabalho do avaliador, neste caso, envolve variáveis críticas como volume de vendas, preço, Goodwill, expectativa de crescimento, impostos, custos, investimentos e cenário macroeconômico. neste tipo de avaliação estamos observando, em geral, empreendimentos de base imobiliária, a ser explorado pelo investidor em período alongado. O objetivo imediato não costuma ser a venda de unidades.
A ABNT NBR 14.653, em sua parte 4 especifica bem o FCL para a avaliação. Esta versão da norma eliminou eventuais dúvidas que existiam anteriormente.
Portanto são necessárias modelagens de produção e de custeio do empreendimento. Há também a necessidade de identificação e apropriação de variáveis-chave por tipo de investimento. Por exemplo, para shoppings e hotéis a questão da vacância é crucial. Para loteamentos (empreendimentos imobiliários, para comercialização de lotes urbanizados) a velocidade de vendas é o mais importante na análise econômica em período projetivo. Cada tipo de empreendimento de base imobiliária tem uma variável chave, a qual deve ser estressada na modelagem, onde se deve investir mais energia.
Período projetivo usual no Brasil é de 5 a 10 anos (usos e costumes). Nossa instabilidade econômica e política sugere por prudência a utilização do horizonte de 5 anos. Além disso, é temeroso fazer qualquer estimativa de inflação para mais de dois ou três anos em FCL nominal. O período de 10 anos vem da literatura técnica norte-americana, onde estão localizados vários dos autores mais consagrados no assunto. O motivo é o comparativo fácil com o mesmo prazo dos títulos do tesouro dos EUA, ou T-Bonds.
Os empreendimentos de base imobiliária são voltados para a renda, têm vida útil alongada. É muito diferente do empreendimento imobiliário, onde o produto final é vendido (lotes / apartamentos / casas, etc.), têm vida útil definida, e após a venda o empreendedor se desliga do projeto (resta apenas a garantia e assistência técnica por período limitado por lei).
O empreendimento de base imobiliária concentra-se em analisar a viabilidade de sua continuidade pós-implantação. Após um período de crescimento por ativação, vem outro de estabilização. Após o período projetivo é considerada a perpetuidade do FCL ou um valor residual (ou de desmonte, para empreendimentos de vida curta).
O workshop tratou também do assunto taxas utilizadas para a obtenção do valor presente dos resultados periódicos do FCL, expondo uma das maiores fragilidades conceituais de nossa NBR. Temos no Brasil o (mau) costume de chamar esta taxa de taxa de desconto para um cálculo de operação de juros compostos. A matemática financeira nos ensina que a operação de desconto (de onde vem a verdadeira taxa de desconto) é de outra natureza, e tem correção linear ao longo do tempo. O correto seria utilizar o termo taxa de capitalização. O erro vem de imaginar que, por este nome, esta taxa só seria aplicável a operações de capitalização, e não de obtenção de valores atuais com operação de juros compostos.
A análise de viabilidade de shopping parte de uma análise de ambiente macroeconômico + entorno. A de hotel, de ambiente macroeconômico + câmbio. E assim por diante. A avaliação de novos empreendimentos tem outra natureza, é uma análise do investimento (estudo de viabilidade). Veja aqui um trabalho nosso sobre o assunto. Este tipo de trabalho deve ser melhor remunerado, inclusive pela responsabilidade envolvida.
A taxa de capitalização clássica vem do Capital Asset Pricing Model, ou CAPM, e é a taxa auditada internacionalmente. Trata-se de uma consideração de taxa livre de risco somada a um prêmio pelo risco específico do tipo de investimento. Este último componente é calibrado por uma covariância entre retornos internos e de mercado, o famoso beta.
Avaliação imobiliária pelo método econômico não deve ser confundida com a avaliação de empresas (ou Valuation), cujas diferenças são gritantes e se processam em inúmeros níveis.
O período projetivo é o período de maturação do projeto. Uma economia mais estável permite a melhor visualização do período projetivo (que ocorreu no Brasil após o Plano Real, 1994). Mas continuamos menos estáveis que as economias dos países ricos, com flutuação de inflação, altas taxas básicas de juros (Selic), instabilidade política, perda de qualidade nos indicadores macroeconômicos.
Pontos principais do fluxo de caixa:
- Receitas (valores locativos / taxa de ocupação, vacância)
- Gastos na operação
- Evolução de ingressos e de gastos
- Fundo de reposição de ativos
Há duas formas principais de se analisar o fluxo de caixa: desempenho real ou média de mercado (depende da finalidade da avaliação). A avaliação de imóveis afere parâmetros de tendência central dos mercados. Pode haver valor especial, utilizando taxa especial para a necessidade do cliente, mas deve ser justificado internamente e comparada à taxa de tendência central daquele empreendimento, naquele setor e cenário específicos. O Valor intrínseco do imóvel é diferente do valor econômico do bem
Deve ser considerado no FCL sempre um fundo de reposição de ativos, prevendo reformas / retrofits. Nada mais é que a depreciação, amplamente investigada em demonstrativos contábeis. Para shopping center costuma ficar entre 4% e 5% da receita bruta. Torres corporativas ficam entre 2% e 4% da receita bruta.
Hoje (2016), a vacância média em São Paulo é de 35% para imóveis corporativos. Estudo do Núcleo de Real Estate da Poli-USP prevê que deve ser praticamente zerada até 2025.
Uso de indicadores setoriais: apenas como referência, não deve ser adotado no modelo sem questionamento / transformações em função do conhecimento acumulado.
Shopping center: costuma girar de 3 a 4 vezes o número de vagas de estacionamento por dia. 16% a 18% é tributo. Somando segurança e seguros, a margem do estacionamento fica em torno de 70% sem Capex, lembrando que esta atividade tem custos e responsabilidades pesadas.
Hotel: custeio por departamento. Apartamentos costumam significar 60% do custeio global do hotel.
CDU: “luvas” em shopping center. Esse tipo de empreendimento tem como fontes de receita estacionamento, aluguel (principal receita do shopping), espaços publicitários, mall (aluguel para temporários).
Salvador (BA): foi proibido cobrar estacionamento até 2015. Um ano após a liberação, o preço do estacionamento já estava no nível do Rio de Janeiro (RJ).
Estacionamento costuma significar 10% a 15% da receita do shopping. Faz parte da operação do shopping center, e quando é liberado de pagamento pelo usuário, seu uso é desvirtuado. Durante o horário comercial muitas vagas são ocupadas por quem trabalha nas redondezas, por exemplo, sem utilizar o shopping.
Shopping: até certo limite de receita, tributado por lucro presumido com alíquota de 32%.
Condomínio de shopping é dividido em dois: a) condomínio civil, constituído pelos proprietários, que paga a tributaçnao sobre a renda e depende do Fluxo de Caixa do empreendimento; b) condomínio operacional, constituído e financiado pelos lojistas, que pagam aluguel e não são tributados pela receita do shopping (apenas por seus próprios empreendimentos).
Sinergia de FCL é o principal motivo de fusões no Brasil (verticalização da operação). Exemplo do estacionamento do shopping é extrapolado para o setor secundário, de transformação, ou manufatureiro.
Avaliação patrimonial, de custos: base para avaliação de ativos.
Múltiplos do resultado (base comparativa): muito utilizado na avaliação de indústrias e imóveis industriais. Difícil de se levantar. Exemplos: Valor/EBITDA (muito usado em empresas de capital aberto). Valor / unidade hoteleira.
Avaliação de empresas (valuation): exemplo de cláusulas de não concorrência, presentes em normas internacionais de avaliação.
Risco é a medida do grau de desvio que as projeções podem ter. Para as finanças, é o desvio de uma média esperada (variância / desvio-padrão). Em chinês: perigo e oportunidade. São incertezas que consigo calcular com certa probabilidade.
Incertezas: possíveis oscilações aleatórias aos resultados esperados.
Referência: prêmio pelo risco nos EUA varia de 3,5% a 7% para empreendimentos de base imobiliária.
Liquidez de empresas pequenas é baixa: deve ser cobrado um prêmio adicional pelo risco? Depende do cenário e da cultura empresarial em cada país. Por exemplo, na Espanha as empresas pequenas são flexíveis o suficiente para contornar problemas de financiamento buscando fontes alternativas, e costumam lidar melhor com as crises que as grandes. Por outro lado, na Itália 70% das empresas pequenas necessitam de ajuda em algum momento. Portanto as pequenas não são necessariamente menos líquidas que as grandes. E o mantra do too big to fail foi enterrado na crise financeira de 2008. O coeficiente de liquidez tem relação maior com a capacidade de conversão de ativos, não tanto ao tamanho da empresa.
A liquidez pode estar maquiada pela quantidade de ações no mercado, não refletindo fragilidades operacionais (exemplo da Oi).
Padrão da literatura especializada no Brasil: usar 1 desvio-padrão (protege de 83% dos riscos – uma cauda) Exemplo: Quanto pagar num hotel? Esta literatura diria que é a média menos um desvio-padrão.
IGM-C: índice patrocinado por fundos de pensão brasileiros. Dissociam derivativos de ativos reais. Rentabilidade por efetivo ganho de capital. Mostram o desempenho real de fundos de pensão.
Avaliação econômica é basicamente fundamento. Deve ser compreendido o que está por trás dos números, a realidade do empreendimento. Necessário ter sensibilidade. É um trabalho caro, deve remunerar a alta responsabilidade envolvida.