Acredito que o atual interesse dos arquitetos pelo tema do empreendedorismo e ferramentas de gestão tenha uma explicação muito simples e clara. O escritórios de arquitetura vivem um desafio inédito de estrutura de mercado. Para entender isso, é necessário um breve retrospecto.
Apesar de o ofício do profissional de arquitetura ser milenar, os principais cursos superiores específicos brasileiros foram criados por volta da década de 1940, e os primeiros titulados se lançaram ao mercado na década seguinte, justamente a era de ouro de nosso nome internacional. Foi a época da publicação Brazil builds do MoMA de Nova York, da explosão internacional do nome de Oscar Niemeyer, da forte expansão urbana e de infraestrutura no país, da consolidação de um parque industrial em decorrência da substituição de importações da Segunda Guerra, da assimilação mais intensa do movimento moderno pela elite brasileira (ainda que mais a cultural que a econômica).
Até a década de 1970, o campo experimentou o avanço de um reduzido número de profissionais sobre um mercado que, apesar de pequeno, se expandia numa proporção inédita, cuja aceleração também se beneficiou da forte expansão da economia nacional – não fossem as duas últimas décadas do século, o Brasil teria atingido a maior expansão de PIB nacional em todo o século 20.
E então, na sequência, nossa economia estancou a partir da crise da dívida externa mexicana de 1982 – a qual viria a se transformar numa crise da dívida latinoamericana. Ao mesmo tempo, a quantidade de profissionais da arquitetura crescia como nunca no Brasil. O ofício passava a ser reconhecido pelas massas, novas academias públicas e privadas surgiam para atender a uma nova demanda da classe média urbana brasileira pelo diploma superior. A realidade de inserção econômica do profissional da arquitetura num mercado cada vez mais sofisticado passava a exigir, cada vez mais, o entendimento do escritório de arquitetura enquanto empresa de arquitetura. Algo para o qual não estávamos preparados. Esse movimento só viria a se acentuar nas décadas seguintes, em especial a partir da criação do Fundo de Financiamento Estudantil (FIES), em julho de 2001.
Apesar da aceleração de uma demanda silenciosa por maior qualificação dos arquitetos para gerir adequadamente seus próprios escritórios, esse subsídio nunca esteve suficientemente presente nos currículos de graduação. Em busca de ferramentas básicas de gestão, diversos colegas procuraram por conhecimento complementar para a administração de negócios e empreendedorismo em cursos independentes, muitos deles desconhecedores das características de nossa atividade profissional. Acabaram encontrando ferramentas nem sempre atualizadas, muitas delas lineares e racionalistas, de base industrial, previsível, sequencial e nada adeptas de atividades intelectuais de prestação de serviços, menos ainda de atividades de criação e inovação.
Curiosamente, a indústria de desenvolvimento de software passou por problema parecido, e percebeu que essas mesmas ferramentas (era o que havia à disposição na época) eram absolutamente incompatíveis com o desenvolvimento de projetos cujas encomendas completas se descobria à medida em que o trabalho era desenvolvido. Esses problemas mal formulados são conhecidos como problemas selvagens (wicked problems). O ponto curioso, para nós, é que essa indústria tecnológica encontrou uma parte da solução justamente nos escritórios de arquitetura. Obviamente não em sua gestão, mas em sua operação. Nossa forma de trabalhar deveria ser a forma de empreender e gerir empresas atuantes nesses campos desafiadores, segundo eles. O Manifesto Ágil (2001) é um dos sintomas.
Nossa forma de trabalhar (de arquitetos), com idas e vindas e construções paulatinas do problema completo a partir de propostas parciais de soluções, compõe um rol de recomendações considerado adequado para a indústria de software e startups flexíveis e tecnológicas contemporâneas. Ora, não seriam então essas mesmas ferramentas e métodos adequados para a gestão de nossos próprios escritórios? Não seriam os nossos desafios, impossíveis de serem mapeados de forma linear (foi tentado muitas vezes), semelhantes aos deles?
Acredito que sim. É por isso que estou produzindo aqui essa série de textos. Convido você a me acompanhar (e criticar, e contribuir, e comentar…) nessa jornada.
Sejam bem-vindos a bordo.
RT
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[GA] : sinaliza texto da série Gestão Arquitetônica.
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