Um dos textos mais lúcidos que encontrei sobre este assunto foi o de Luis Felipe Vidal Arellano [1], e mesmo a este entendo que ainda cabem alguns comentários. O relato abaixo tem essa obra como referência primordial, complementada por comentários pessoais meus.
O que parece haver de interessante no mecanismo legal da PPP é a possibilidade de se mobilizar recursos privados para projetos de interesse da sociedade que demandem grandes montantes de investimento – características essas típicas de projetos de infraestrutura. Além disso, também parece haver potencial para maior eficiência econômica na prestação de serviços públicos via Lei 11.704/2009 (Lei de PPP).
Porém, a contrapartida disso é o risco à sustentabilidade fiscal dos entes públicos frente a contratos de longo prazo com compromissos financeiros constantes. Esse risco é identificado principalmente quanto à tendência dos concedentes utilizarem o mecanismo de PPP não pela recomendação econômica ou operacional, mas para “afastar os efeitos financeiros da contratação do orçamento público e do balanço patrimonial do governo” [1]. Essa tendência, conhecida como “barganha faustiniana” em referência à obra de Goethe, sacrificaria o longo prazo em prol dos benefícios de curto prazo.
Para evitar esse tipo de problema, é necessário garantir a transparência desses contratos e adotar critérios claros e adequados de contabilidade, pois assemelham-se, em muitos pontos, a uma grande operação de crédito a ser amortizada em prazo estendido.
O Brasil tem investido muito pouco em infraestrutura (aproximadamente 2% do PIB), quando seria necessário investir, no mínimo, 5% do PIB ao longo de muitas décadas para garantir o crescimento sustentado do país. O investimento total da economia também está aquém do necessário (ao redor de 19% do PIB, quando o necessário seria algo em torno de 25% desse montante).
Os motivos apontados por Arellano (com base em estudo do Banco Mundial) para essa deficiência são:
- a própria Constituição de 1988, cujo federalismo fiscal substituiu receitas tributárias com destinação específica por outras não vinculadas à infraestrutura;
- a inclusão constitucional de diversos direitos sociais, que aumentou muito as despesas correntes obrigatórias, principalmente em saúde e educação;
- desempenho precário do setor privado no setor, prejudicado pelos cenários regulatório e institucional desgastados.
Esse contexto criou um ambiente de crescimento de serviços públicos prestados pelo Estado aliado à maior restrição orçamentária. Com isso, surgiu uma urgente necessidade de se viabilizar investimentos em infraestrutura, já que as fontes públicas se viram estancadas por essa insuficiência de recursos decorrente. Neste ambiente, a PPP surgiu como solução principalmente por sua capacidade de atração do capital privado, este último ávido por projetos de investimento de longo prazo, cada vez mais escassos em boa qualidade por todo o globo.
A crítica que se faz, especificamente falando sobre a “barganha faustiniana”, é que a PPP não tem a capacidade de gerar novos recursos para investimentos. São, portanto, grandes contratos de investimentos cujo lastro financeiro é, em essência, o financiamento de investimentos e serviços públicos. Ou seja, o Estado não produz, via contrato de PPP, novas fontes de recursos para seu pagamento – elas continuam tendo, como origem, o orçamento público, com as mesmas restrições orçamentárias acima elencadas.
A diferença que se coloca com a PPP é que o Estado, ao invés de recorrer diretamente ao financiador (credor) para a obtenção de um grande volume inicial de recursos para o investimento fixo (CAPEX), o faz através de um investidor privado, transferindo a este último responsabilidade por esse pesado investimento inicial, em contrapartida de pagamentos de contraprestações pecuniárias periódicas pré-determinadas, ao longo de um prazo estendido (até 35 anos).
No atual cenário de penúria fiscal do Estado brasileiro em todas as suas esferas, a primeira opção se faz cada vez mais difícil, com forte restrição de crédito principalmente a estados e municípios. Além disso, o ente público obtém antecipadamente o benefício social via PPP, pois o parceiro privado, que só começa a receber os pagamentos após a disponibilização do serviço, tem o maior interesse em acelerar as obras necessárias o máximo possível.
O modelo de PPP tem por premissa que a iniciativa privada estaria mais preparada para gerenciar alguns riscos desse tipo de projeto e teria maior agilidade administrativa, possibilitando ganhos de eficiência na construção e operação de equipamentos públicos, o que se reverteria em menor custo de oferta do benefício à sociedade. Ou seja, a PPP só se justificaria quando esses ganhos de eficiência fossem superiores à economia que obteriam ao recorrer a financiamentos do próprio governo (o qual, via de regra, obtém financiamentos a custos financeiros mais baixos que o setor privado).
Por ser contrato de longo prazo, a PPP significa desembolsos financeiros e comprometimento orçamentário por parte do tesouro público diferidos ao tempo futuro, pois, via de regra, não ocorrem na contratação e nem nos primeiros anos da vida útil do contrato. A própria legislação proíbe o pagamento de contraprestações ao parceiro privado antes da disponibilização do serviço.
O receio que gera a crítica é o da tendência à irresponsabilidade fiscal na assinatura desses contratos vultosos de longo prazo por parte dos gestores públicos atuais, transferindo seus compromissos fiscais a seus sucessores. Esses críticos alegam que esses contratos, no longo prazo, poderiam vir a se tornar insustentáveis, assemelhando-se ao aumento do endividamento do Estado. Por outro lado, Arellano lembra que a situação líquida da sociedade não necessariamente tenha piorado, pois os benefícios sociais da infraestrutura produzida podem superar os custos envolvidos.
Em resposta a este mesmo receio, o legislador limitou as contraprestações contratuais a um percentual da receita líquida corrente (RCL) atual do ente, variando esse percentual entre União e entes subnacionais. Esse mecanismo limitador foi inspirado em casos internacionais de comprometimento público dos anos 1990 que se tornaram insustentáveis após os estímulos monetários em resposta à crise de 2008 – em especial, o instituído pela União Europeia em resposta ao caso de Portugal, cujas reclassificações contábeis de contratos de PPP foram responsáveis por um aumento de mais de 10 pontos percentuais no endividamento total do país.
Por fim, de forma geral, o que se recomenda para evitar esse problema é a máxima transparência nos contratos de PPP. O FMI, em particular, admite três formas de se contabilizar a PPP nas quais a maior parcela de risco recaia sobre o Poder Público:
- contabilização semelhante a um leasing financeiro;
- contabilização de uma operação de lease e lease-back, envolvendo um leasing financeiro e um leasing operacional;
- contabilização de baixa do investimento e da dívida (partida dobrada).
[1] Fonte: ARELLANO, L. F. V. Parcerias público-privadas e o endividamento público: a barganha faustiniana. In: CARVALHO, A. C.; CASTRO, L. F. M. Manual de project finance no direito brasileiro. p.755-786. São Paulo: Quartier Latin, 2016.
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