Silvia Rajsfeld Fiszman e Ana Carolina Dias Higueras [1] estudaram o tema com maior profundidade, e nos esclarecem sobre as diferenças entre esses três tipos de agentes relacionados a project finance:
- Agente fiduciário (trustee) [2]: exerce papel fundamental em project finance, principalmente em função de sua complexidade em extensa rede de contratos. É, na prática, um terceiro responsável por assegurar que as obrigações acordadas serão cumpridas, agindo como um intermediário entre credores, devedores e garantidores. Age conforme determinado previamente no acordo estabelecido entre as partes. Sua obrigação primordial é conservar os bens e direitos sob sua custódia e destiná-los ao que foi estabelecido na rede de contratos. Pode ou não agir discricionariamente, dependendo de como foi contratualmente previsto, desde que nunca rompa com seus objetivos e princípios fundamentais. É remunerado através de taxa ou comissão sobre as funções desempenhadas, previamente acordada.
- Agente de garantias: muito comum em operações estruturadas, atua como representante e em benefício dos credores quanto às garantias (sua guarda, controle e execução). Como os credores não podem figurar como polo contratual, há a necessidade de um terceiro independente que controla algumas atividades relacionadas às garantias, assegurando a existência e viabilidade de recursos para o pagamento das dívidas. Uma prática recomendada pelas autoras daquele artigo [1] é centralizar no agente fiduciário (trustee) as instruções ao agente de garantias, para que os credores centralizem seu relacionamento apenas com aquele. Em geral, possuem uma cláusula padrão sobre a antecipação de custos ou reembolso de despesas ao agente de garantias em caso de exercício de qualquer remédio previsto, de forma a mantê-lo indene. O papel do agente de garantias é muito mais limitado que o do agente fiduciário, não há qualquer espaço para discricionariedade.
- Agente de contas ou agente de depósito: quaisquer tipos de ativos podem ser objeto de depósito, tais como recursos financeiros, notas promissórias, listas de marcas e patentes, contratos, documentos, projetos de desenvolvimento, criação científica ou tecnológica, etc. Este agente, especificamente, costuma tratar apenas do primeiro desses itens (recursos financeiros), porque no Brasil se usa muito a estrutura de contas vinculadas (escrow accounts). Como esses contratos costumam ser tripartite, existem ao menos duas partes que desejam acordar algumas condições em relação ao ativo (contas vinculadas), e usam este mecanismo contratual para regular essa custódia e operação, assegurando que os valores sejam movimentados e transferidos conforme acordado no contrato. As contas em escrow são movimentadas de forma restrita, pela própria instituição financeira, conforme previsão contratual, e o titular da conta não possui essa capacidade (a não ser em situações excepcionais, igualmente previstas). Há duas grandes preocupações na movimentação dessas contas, necessariamente nesta ordem de prioridade: 1. continuidade das operações, garantindo o pagamento de fornecedores, folha de pagamento, encargos fiscais, etc.; 2. segurança aos credores, garantindo o pagamento de valores devidos.
Ainda não existe regulamentação específica sobre este tema no Brasil, mais um motivo para que os contratos regulem de forma detalhada e precisa os papéis a serem exercidos pelos agentes [1].
[1] Fonte: FISZMAN, S. R.; HIGUERAS, A. C. D. O papel dos agentes na concessão de maior segurança às operações de project finance. In: CARVALHO, A. C.; CASTRO, L. F. M. Manual de project finance no direito brasileiro. p.503-515. São Paulo: Quartier Latin, 2016.
[2] O instituto do trust vem da Inglaterra da Idade Média, quando bens e propriedades eram cuidadas por terceiros na ausência de seus proprietários, além de regular questões de transmissão de propriedade vetada pelo senhor feudal e outras questões de família em propriedade privada. O conceito foi evoluindo ao longo do tempo, com diversas alterações sofridas internacionalmente, e, a partir do século 19, passou a ser associado ao mercado financeiro.
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