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por Ricardo Trevisan
Hoje talvez seja difícil imaginar que possa virar realidade, mas o futuro é inexorável. Ele chega para todos. A habilidade de identificar a tendência que vai se concretizar daqui a algum tempo é a visão de futuro, e na verdade nem é tão difícil ter essa visão, basta um pouco de observação da atualidade, estudo da evolução histórica e treino. Alguns casos de acertos e erros até viraram lendas e mitos famosos.
As cidades têm um futuro, e nossas preocupações e desejos atuais direcionam seu desenvolvimento. Mas o desenvolvimento das cidades é lento. É tão lento que muita gente acha que ela não muda, é estática. Grande erro. Uma simples comparação visual entre fotos aéreas de dez em dez anos mostra que as cidades não são nem um pouco estáticas, são organismos vivos, crescendo ou morrendo, absorvendo e expulsando, respirando, trabalhando, trocando com o ambiente.Algumas preocupações e objetivos atuais são muito fortes, definem bem o pensamento sobre como o desenvolvimento das cidades deve acontecer e dificilmente serão reduzidas ou revertidas. Acredito convictamente que algumas dessas tendências estão claramente apresentadas, e seus efeitos provavelmente não serão muito diferentes do futuro para o qual apontam. Outras ainda são tênues, pouco definidas, ainda não sabemos muito bem que direção tomar.
De qualquer forma, de alguns pontos, os quais apresento abaixo, estou plenamente convicto:
1. Coletividade e inclusão: não haverá espaço para o pensamento individualista na cidade do futuro, porque seremos muita gente convivendo muito de perto. As densidades demográficas e construídas serão altíssimas. O pensamento individual terá que fazer parte de uma rede de intenções e de trocas de informação. Não há desenvolvimento ou crescimento individual se o coletivo estiver na precariedade das cidades brasileiras de hoje. Não haverá espaço para o transporte cotidiano urbano individual, espaçoso e de alto consumo energético, como nossos automóveis de hoje.
2. Permeabilidade social: não haverá espaço para limites, divisas ou barreiras. É impossível imaginar a cidade do futuro separa em bairros ricos e pobres de forma tão contundente como as cidades brasileiras (e de quase todo o globo) de hoje. Certamente não admitiremos mais a existência de habitação em qualquer formato similar à de nossas atuais favelas. Aliás, acho que favela é um problema que pode ser solucionado num prazo bem mais curto do que se acredita, basta um pouco de vontade política e da sociedade organizada pressionando. Acredite também, isso também é uma forma de pressão, e importante.
3. Cidade compacta: uma das maiores idiotices das cidades de hoje é o espraiamento urbano. Os norte-americanos chamam isso de urban sprawl (algo como um pingo de azeite que vai se espalhando sem adição de mais azeite), que está sendo fortemente combatido pelo Partido Democrata, em especial por Al Gore. Estão combatendo porque eles são os campeões de espraiamento da mancha urbana, e perceberam que esse é um modelo falido. Não acredita? Então circule pela cidade nos horários de pico, e veja em que condições os moradores da periferia se deslocam para o centro de manhã e de volta no final da tarde. É o modelo mais idiota possível, coloca os empregos numa pequena região, extremamente concentrada, e cria uma imensa área urbana de baixa densidade para a habitação. Não há sistema de transporte que suporte, seja público ou privado. É uma cidade ineficiente, que consome muita energia para produzir resultados pífios.
4. Habitação resolvida: “não tenho onde morar”? Nem pensar que isso vai se perpetuar. Não há o que discutir. Próximo item…
5. Transporte público: as cidades vão se adensar, pelos motivos acima elencados. É óbvio que isso vai acontecer. Numa cidade densa (quero dizer densa mesmo, algo que o Brasil ainda não conhece), você acha que vai tirar seu carro da garagem impunemente? É claro que não. Isso vai ser como água potável: vai estar disponível, é só abrir a torneira. Mas vai ser tão cara, que você vai pensar cinco vezes antes de fazer isso. Quer saber como uma cidade densa funciona? Veja filmes que se passam em Nova York, especialmente em Manhattan: ou as pessoas estão no transporte público (metrô, ônibus, trem) ou estão num táxi. Não pode ter carro? Claro que pode. Mas é caríssimo.
6. Transporte de alta capacidade: continuando a imagem de Nova York: você acha que ônibus resolveria aquele problema sozinho? Claro que não. Precisa de alta capacidade de transporte urbano. Precisa de trilhos, metrô, trem. E nem imagine tentar usar monotrilho de média capacidade, como o Metrô de São Paulo está querendo fazer. A linha já nasce obsoleta. Monotrilho é coisa de aeroporto (interno) e parque de diversões. Não é suficiente para levar o trabalhador para o emprego.
7. Devolução de áreas para a natureza: com a compactação dos centros urbanos, alguns núcleos urbanos e algumas franjas de periferia poderão ser devolvidas para a natureza. Parece impossível? Pois saiba que isso já está sendo feito na Europa. E não é simples. Não basta abandonar a cidade, tem que desmontá-la. Isso é caro e trabalhoso. É bom começarmos a pensar nisso.
8. Cidade justa e segura: o que o Brasil não tem? Muitas coisas, mas duas delas recebem menos atenção do que deveriam. Uma é a qualidade urbana. Nosso desenho urbano é péssimo, insuportável. Mas por que as pessoas não reclamam? Porque ninguém ensinou o brasileiro a ler o espaço urbano. As cidades por aqui parecem acontecer como uma frente fria: simplesmente acontecem. É como se fôssemos analfabetos (e de certa forma somos mesmo) para esse tipo de leitura. Mas quando melhora, todo mundo percebe, porque a influência do espaço em nossas vidas é gigantesco. Influencia até no humor. A outra questão é a segurança pública. O Brasil está em guerra civil. Morre mais gente aqui pela violência urbana do que em guerras! O problema maior é achar isso normal. Está cada vez pior, e os brasileiros já estão fugindo para o exterior. Essa pessoa é refugiada de guerra, não há outro termo possível. Isso tem que ser combatido, porque isso não existe no futuro. Se não muda, não avançamos em direção a ele.
O futuro vai acontecer, mas alguém precisa construí-lo. Sempre há um grupo de pessoas que trabalham para isso, porque acreditam, mesmo que de outro lado estejam as pessoas que não se importam. Venha para o lado dos que acreditam.