Assim como em inúmeros outros setores, as parcerias entre governos e iniciativa privada para a revitalização urbana também surgiu num momento de escassez. A desindustrialização, internacionalização corporativa e suas consequentes recessão econômica e degradação urbana das décadas de 1970 e 1980 redirecionaram o planejamento urbano para novas possibilidades de financiamento de grandes projetos. Todo o consenso keynesiano e política estatal de bem-estar social (welfare state) estavam sendo colocados em xeque. O próprio planejamento foi atacado pela direita radical, sob alegação de desvirtuar e inibir as forças de mercado. Em 1972, Peter Walker, então Secretário de Estado para o Meio Ambiente britânico, contratou três das mais antigas consultorias de seu país para investigar a fundo os problemas urbanos de três áreas críticas, e as conclusões, publicadas em 1977, apontavam que a privação não era mais limitada a a famílias abaixo da linha de pobreza: a falência havia alcançado a economia urbana inteira.
Isso explica por que o planejamento, a partir do final da década de 1970, se deslocou para políticas intra-urbanas de ressurgimento econômico. Essa tônica só ganhou mais peso com a chegada da década de 1980, quando as economias intra-urbanas continuavam fazendo água. Os planejadores que assumiam os escritórios de desenvolvimento econômico já demonstravam consciência da reversão de seus papéis tradicionais de organizar o crescimento, como foi nas décadas de 1950 e 1960. Encorajar o crescimento a qualquer custo virou uma obsessão do planejamento.
A solução com maior impacto em resultados parece ter vindo dos Estados Unidos, a partir de alguma “parcerias criativas” entre governos municipais e setor privado, com subvenções federais, às quais se impunham poucas restrições. Áreas residenciais degradadas próximas aos centros foram revitalizadas e eliminadas para os jovens profissionais urbanos (yuppies) que injetavam dinheiro em pequenos empreendimentos comerciais implantados em imóveis restaurados. Esses trechos urbanos revitalizados passaram a ser importantes atrativos ao turismo, provendo a esses municípios novas bases econômicas. Exemplos emblemáticos de empreendimentos dessa primeira fase são a orla marítima de Boston e o Inner Harbor de Baltimore, duas áreas em declínio desde os anos 1950 – e, desde então, tentando novas saídas para o problema. Ambas caminhavam, desde a década de 1960, em busca de um novo modelo de desenvolvimento a partir de uso do solo para sedes corporativas, aproveitando seus centros comerciais estabelecidos há tempos e sua localização geográfica de proximidade aos grandes centros financeiros.
O modelo se utilizava de uma fórmula fixada anteriormente em Pittsburgh e Filadélfia: usar o poder econômico da nova elite financeira para a promoção de urbanizações comerciais em grande escala, produzindo esquemas de combinação de atividades (lazer, cultura, comércio e habitação para moradores de renda mista) principalmente em imóveis antigos recuperados e reciclados. Era inaugurada também a era de participação de capital privado nesses projetos, ainda que em menor proporção nessas primeiras iniciativas.
Este último ponto viria a se inverter rapidamente, com investimentos privados várias vezes maior que o público nas iniciativas que viriam nos anos seguintes. De forma geral, os projetos eram explicitamente turísticos e de cidades-como-palco, cada vez mais cenográficas e fantasiosas, yuppificadas com alicerce provido por massivo capital federal da HUD (Housing and Urban Development). A Disney ditava o modelo urbano do final do século.
Fonte: HALL, Peter. Cidades do amanhã: uma história intelectual do planejamento e do projeto urbanos no século XX. São Paulo: Perspectiva, 2013. p. 405-428.
Veja também: