A síndrome do arquiteto operador [GA]

escritório de arquitetura

 

Uma das constatações que mais me preocupa é a de que os arquitetos se afastaram da liderança estratégica em projetos complexos ao longo das últimas décadas. Dos construtores de um novo país nos anos 1950, passamos a assumir um papel técnico afastado do planejamento estratégico dos grandes projetos nacionais. Se este afastamento vier de uma decisão consciente de classe, pouco posso fazer a respeito. Mas se vier de deficiências de conceitos e lexicológicos de gestão, farei meu melhor para contribuir com a reversão desse quadro.

Durante a década de 1950, houve uma proximidade muto grande entre o então Presidente da República Juscelino Kubitscheck e Oscar Niemeyer, numa linha de construções estratégicas que não paravam apenas em construções técnicas. Niemeyer chegou a ser convidado a planejar a nova capital, Brasília, mas insistiu na realização de um concurso conduzido pelo IAB, e preferiu presidir tal banca de comissão julgadora. Recomendo a leitura do livro de Milton Braga (O concurso de Brasília) a este respeito.

Certamente grande parte dos arquitetos possui vínculo emocional forte com a profissão, e me incluo neste grupo. Da mesma forma, também estou convicto de que isso não precisa e não deve impedir a aquisição de conhecimentos gerenciais pelos mesmos profissionais. A operação do escritório de arquitetura não é algo trivial, e acaba tomando muito tempo e energia de quem se dispõe a gerir esse tipo de produção. Com isto, outras questões essenciais à sobrevivência do escritório, como a gestão de pessoas, o marketing e a administração financeira acabam ficando para um segundo momento, que pode vir a não chegar nunca. A falta de gestão completa tende a levar a problemas que se retroalimentam, como perda de pessoal, rotatividade elevada de equipe, falta de reserva financeira para sazonalidades e choques econômicos, desatenção ao relacionamento com clientes e mercados, entre diversos outros. Esses efeitos adversos dificultam ainda mais a gestão operacional, que passa a tomar ainda mais tempo dos gestores, alimentando um círculo vicioso difícil de ser quebrado.

Para agravar ainda mais este quadro, a maioria dos escritórios também nutre o péssimo hábito de não manter nenhum tipo de foco de mercado. Sem foco, não há estratégia que sustente o negócio. É como o navegante que não sabe aonde vai, só encontra vento contrário pela frente. O escritório deveria investir algum tempo em definições estratégicas de longo prazo, é necessário que esse amadurecimento seja construído de forma consistente (e convincente), o que pode – e deve – incluir experimentações em mercados específicos.

Algo recorrente em toda a literatura recente sobre empreendimentos nascentes (startups) é a necessidade de se aprender empiricamente, atuando efetivamente, cometendo os inevitáveis erros e – o mais importante – aprendendo com esses erros e recomeçando esse processo. Erre logo e aprenda rápido, incorpore o aprendizado e comece de novo, este é o mantra repetido à exaustão por Eric Ries, Peter Thiel, David Rogers, Tim Brown, Jake Knapp, Jeff Sutherland, Alexander Osterwalder e Yves Pigneur, citando apenas alguns. Identificar o nicho de mercado adequado ao seu escritório é algo impossível de se fazer sem experiência real, sem vivência prática de mercado.

Existe um outro aspecto, mais estrutural, a ser também observado: a alta direção do escritório deveria exercer um papel estratégico, mesmo que divida o tempo com outras tarefas operacionais, em prol da sobrevivência da organização – e a manutenção de emprego e renda de toda a equipe. Quando a gestão operacional passa a tomar muito tempo dessa camada elevada (que tem que existir mesmo em escritórios pequenos), é o futuro de todos os envolvidos que está sendo consumido. De alguma forma, mais cedo ou mais tarde, esse comprometimento será sentido pela equipe, e isso alimentará o eixo da desmotivação pessoal, com seus problemas subsequentes.

Também temos que ter cuidado ao compararmos nosso ofício estruturado em empresas de arquitetura com o de outros profissionais liberais. Temos a possibilidade de ampliar nossa escala de atuação se soubermos estruturar adequadamente a organização, de forma a delegar grande parte ou mesmo todas as atividades do arquiteto enquanto pessoa física – e isso já nos diferencia imediatamente dos médicos e dentistas. Também temos a possibilidade de ampliar ainda mais esse ganho de escala ao construir arranjos colaborativos com outros profissionais associados ao nosso ofício – e isso também cria uma importante diferenciação em relação aos escritórios de advocacia e consultorias.

Veja como a posição estratégica de uma pessoa numa empresa está sempre associada à perenidade. Quanto mais alta a posição hierárquica de uma pessoa na organização, menos técnico e mais político será seu papel. Se possível, deve ser uma imagem de referência interna (“figura de proa”) e, mais intensamente ainda, alguém comprometido com o bem-estar e perenidade da organização. Isso exige duas vertentes importantes:

  1. Olhar e atuação externa em defesa do escritório;
  2. Compreensão aprofundada e conexão facilitada com a estrutura interna.

Não é uma tarefa simples, principalmente na América Latina, por dois motivos: primeiro, por aqui não existe ainda muito clara a imagem do escritório de arquitetura enquanto organização que possa sobreviver à morte de seus fundadores. Em geral, os escritórios são vistos como manifestações de capacidades pessoais, e não como marcas independentes. O segundo motivo, que também está associado ao primeiro, é uma característica latino-americana de culto ao indivíduo, o que exacerba uma faceta pouco gloriosa de nosso campo.

Compreendido isso, fica mais fácil de entender a apreensão das equipes ao ver arquitetos-titulares completamente tomados por funções operacionais do escritório: a mensagem passada é que o futuro deles está em risco.

Saiba mais:

Gestão do escritório de arquitetura - capa do livro

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