A Carta de Veneza é um documento internacionalmente convencionado para a conservação do patrimônio material de bens culturais. Seu nome oficial é Carta Internacional para a Conservação e Restauro de Monumentos, e resulta do II Congresso Internacional de Arquitetos e Técnicos de Monumentos Históricos, realizado em Veneza, Itália, em 1964. A convenção estabelecida na Carta de Veneza é reconhecida internacionalmente e seguida até os dias atuais pelos órgãos oficiais de muitos países.
.
.
Esse documento estabelece diretrizes básicas para a conservação e o restauro de bens materiais de valor cultural, histórico, arqueológico ou artístico em qualquer contexto humano ou geográfico. Não deve ser interpretado como um manual porque apresenta apenas as diretrizes gerais de procedimentos a serem seguidos. Prova disso é a longa lista de outros documentos complementares elaborados a partir de então, grande parte deles com o intuito de complementar a Carta de Veneza, fornecendo detalhamentos maiores ou integrando novos elementos não tratados no Congresso de 1964.
.
Entre inúmeros documentos e eventos realizados desde então, a Carta de Veneza se mantém como elemento referencial central no campo da proteção de bens culturais por todo o mundo, ainda que não seja isenta de críticas. Um de seus pontos fundamentais foi o reconhecimento do patrimônio histórico como um valor universal, ou seja, que sua importância transcende a importância local. É muito mais que uma simples colocação teórica porque atribui a responsabilidade da preservação a todos os povos.
.
Outro ponto importante foi o reconhecimento dos monumentos enquanto veículos de mensagens do passado, testemunhos valiosos de tradições seculares. Em outras palavras, os monumentos são classificados numa nova categoria a partir de então, deixando de ser apenas repositórios materiais de informações, incluindo também aspectos afetivos, sociais, políticos, simbólicos, entre outros.
.
No Brasil, a Carta de Veneza é reconhecida e observada pelo IPHAN, a instituição federal de preservação do patrimônio histórico e artístico nacional (vide aqui).
.
A Carta de Veneza institui alguns conceitos atualmente muito consolidados no campo da proteção de bens culturais. São alguns deles:
.
- Monumento histórico é um termo que não se refere apenas às grandes criações, mas também às modestas. Isso inclui suportes materiais que tenham adquirido significado cultural com o passar do tempo (Artigo Primeiro).
- O objetivo da conservação e da restauração é salvaguardar tanto a obra de arte quanto o testemunho histórico. Repare que um bem desprovido de beleza física pode igualmente ser considerado monumento histórico (Artigo Terceiro).
- A utilização do bem é desejada e favorece sua preservação, desde que evite ao máximo alterações, restringindo essas às mudanças exigidas por alterações nos usos e costumes (Artigo Quinto).
- O monumento é inseparável de sua história e contexto. Seu deslocamento físico não deverá ser tolerado, exceto quando necessário para sua própria preservação ou quando houver justificativas de grande interesse nacional ou internacional (Artigo Sétimo).
- A restauração se fundamenta no respeito aos materiais originais e aos documentos autênticos. Ele termina onde começa a hipótese. Observe o trecho: “… todo trabalho complementar (…) destacar-se-á da composição arquitetônica e deverá ostentar a marca de nosso tempo. (…)”. Em outras palavras, os mimetismo não devem ser tolerados e muito menos incentivados. Qualquer elemento que não faça parte do objeto repositório do valor cultural, ou testemunho histórico, deverá ser destacado como elemento contemporâneo a quem faz a intervenção (Artigo Nono).
- Quando as técnicas tradicionais forem inadequadas, técnicas modernas de conservação e construção podem ser empregadas, desde que tenham eficácia comprovada e os demais artigos da Carta sejam respeitados (Artigo Décimo).
- A unidade de estilo não é um objetivo, todas as intervenções e “contribuições válidas” de todas as épocas devem ser preservadas (Artigo 11). Observe que essa diretriz quebra o mito da busca pela beleza como objetivo central da restauração: a Carta de Veneza prioriza o valor cultural e o testemunho histórico, e parece buscar reduzir os aspectos que dependam de juízo de valor individual, mesmo que este indivíduo seja o autor do projeto.
- A Carta condena qualquer ação que possa deturpar o significado do bem e defende a manutenção das ruínas (Artigo 15).
- Nos casos específicos em que a reconstrução é permitida, os elementos de integração deverão ser sempre reconhecíveis como intervenções posteriores, além de limitados ao mínimo necessário para “assegurar as condições de conservação do monumento e restabelecer a continuidade de suas formas” (Artigo 15).