Existem razões para que a modelagem econômico-financeira de projetos de parcerias público-privadas (PPP) considerem que a Sociedade de Propósito Específico (concessionária) possua dívidas. Existem alguns casos em que o Poder Concedente pede por uma estruturação que considere 100% de capital próprio (de acionistas), e o projeto acaba sendo questionado por órgãos de controle, em especial Tribunais de Contas.
A proporção entre capital próprio (dinheiro do acionista colocado na empresa) e capital de terceiros (dívidas contraídas pela pessoa jurídica) é um assunto conhecido como estrutura de capital, campo este que passou por transformações importantes ao longo do século 20. Podemos identificar com bastante clareza esses diferentes momentos:
- Até a década de 1950, era corrente o entendimento que a empresa com dívidas oferecia mais risco ao investidor, e por este motivo valeria menos ao acionista. Porém, as formas de se medir esse risco e, principalmente, a desvalorização do valor da empresa em função dessa alavancagem financeira ainda eram incipientes e pouco confiáveis.
- A tese de que o valor da empresa independe da estrutura de capital (forma como a empresa se financia) surge em 1958, com uma teoria desenvolvida por Modigliani e Miller (proposição de irrelevância de capital, também conhecida como proposição I). Segundo eles, o valor da empresa viria da forma como a empresa investe seu capital (ativos), e não como faz sua captação, principalmente porque o acionista está interessado (e avalia um ativo) em função de sua capacidade de geração de receitas futuras, e não observa muito o seu funcionamento ou estruturas internas.
- A proposição de irrelevância logo sofreu intensos ataques, visto que empresas excessivamente endividadas oferecem maior risco de falência, e isso deveria ser observado na avaliação de suas ações. Uma primeira correção veio em 1963, quando os mesmos Modigliani e Miller reconheceram que as dívidas trazem uma primeira vantagem evidente ao acionista: o pagamento dos juros da dívida são dedutíveis no imposto de renda de pessoa jurídica, o que é conhecido no mundo da estrutura de capital como benefício fiscal (em inglês, tax shield). Este é um primeiro ponto de vantagem do endividamento.
- Em 1984, Myers demonstrou que existe um tradeoff entre a vantagem desse benefício fiscal e o crescente risco de insolvência provocado pelo endividamento da empresa. Myers levantou a questão do crescente custo desse risco de insolvência, até um determinado ponto em que esse peso seria superior à vantagem marginal do benefício fiscal dado pelo endividamento adicional.
Naquele momento, também estava evidente que o custo do capital próprio (dos acionistas) é superior ao custo do capital de terceiros (credor), pois esse último tem maiores garantias de retorno de seu capital que o acionista. Além disso, em eventual falência da empresa, o credor tem prioridade no recebimento.
Esse contexto explica o motivo de haver sempre um percentual de dívida das modelagens de projetos de PPP e concessões. Importante ressaltar que um menor custo de capital total da empresa (costumeiramente medido pelo custo médio ponderado de capital – WACC) se reflete em menores patamares de preços de tarifas ou valores de contraprestações pecuniárias a serem pagas pelo poder público ao concessionário. Em outras palavras, existe uma correlação positiva entre o custo de capital da empresa concessionária e o peso da concessão no bolso do contribuinte. Quanto mais barato for esse custo de capital total, melhor para toda a sociedade.
Esse é o motivo dos questionamentos de órgãos de controle a projetos estruturados sem dívidas ao privado na modelagem. Caso uma modelagem dessas seja licitada e apareça apenas um interessado (e isso eventualmente acontece), logicamente esse licitante não ofereceria nenhum deságio sobre a tabela tarifária de referência ou da contraprestação pecuniária máxima da estruturação, e toda a sociedade remuneraria essa concessionária a um custo de capital provavelmente superior à real exigência de retorno dos acionistas.
Estão corretos os Tribunais de Contas que fazem esse tipo de questionamento em defesa da modicidade tarifária ou razoabilidade tributária imposta ao cidadão beneficiário dos serviços concedidos.
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