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por Ricardo Trevisan, arquiteto e urbanista
As incorporadoras imobiliárias, ao solicitarem potencial construtivo adicional através do instrumento chamado outorga onerosa aos municípios, defrontam-se com diferentes políticas de concessão em diferentes prefeituras. Em algumas delas, o empreendedor, ao fazer o pedido, sabe que obterá o índice construtivo solicitado com segurança (desde que respeitem critérios previamente estabelecidos, como os do zoneamento, por exemplo), mediante a contrapartida financeira prevista no Estatuto da Cidade. Em outras, essa certeza não existe, o empreendedor não tem segurança de que obterá o benefício solicitado no ato do pedido, ou seja, essas prefeituras agem discricionariamente em relação à aplicação do instrumento urbanístico.
As municipalidades, ao adotarem esta última postura, criam alguns problemas. Apesar de analisar os pedidos caso a caso, terão que construir critérios para definir quais pedidos serão deferidos e quais não serão, os quais deverão ser claros, diretos e transparentes. Mas não são critérios exclusivamente territoriais, pois do contrário a concessão seria atrelada a um zoneamento, e os pedidos não seriam analisados um a um. Estes critérios deveriam sempre incluir, no mínimo, o impacto do maior número de unidades habitacionais e da altura (gabarito) do edifício no trânsito, nos transportes públicos, nos sistemas de infraestrutura urbana (água, esgoto, drenagem, gás, telefonia, eletricidade, etc.) e o impacto na paisagem. O problema é que este último aspecto de análise é de difícil mensuração e demonstração exata, apesar de ser percebido e sentido por todos. Não há fórmula matemática que o comprove, há apenas a sensibilidade humana. E isso faz com que a transparência de sua aplicação seja invariavelmente contestada na análise caso a caso.
É claro que a paisagem urbana deve ser considerada na concessão de potencial adicional de construção, porém as regras de sua aplicação devem ser definidas previamente, de forma clara e que aponte ao empreendedor quais parâmetros deverão ser obedecidos para que o benefício seja concedido. O estudo deve ser feito previamente e as zonas em que o benefício será concedido (além dos critérios para essa concessão) devem ser de conhecimento de toda a população, até mesmo para que a fiscalização seja facilitada e transparente a ponto do cidadão comum saber facilmente identificar e denunciar uma irregularidade.
E, a meu ver, esse não é o único problema. Existe também a questão do risco do empreendedor. Para que esta questão seja mais facilmente compreendida, farei uma analogia: imagine que você é o gerente de um banco de crédito de uma cidade pequena, onde todos se conhecem, e que sua única restrição para a concessão do crédito seja a aplicação de uma taxa de juros mínima, mas que você pode aumentar a seu critério. Pois bem, imagine agora que o Seu João, conhecido de muitos anos, famoso por honrar seus compromissos religiosamente, lhe peça um empréstimo para ampliar alguns produtos em sua adega. Você provavelmente lhe concederá o empréstimo pela taxa mínima, não é verdade? Imagine agora que, apareça também um tal de Pedro, do qual você nunca ouviu falar, também lhe peça um empréstimo de mesmo valor. Você não sabe e não tem a menor ideia se ele honrará com seu compromisso de saldar a dívida. Não estou dizendo que Pedro seja caloteiro, apenas que você não sabe nada sobre ele. Você concederia o empréstimo à mesma taxa que aplicou ao Seu João? Imagino que não.
O que acontece nas prefeituras é a mesma coisa. Imagine que você é responsável por um empreendimento de 350 milhões de reais, e que pode optar por realizá-lo em um município qualquer à sua escolha. Imagine agora que você encontrou dois municípios que podem receber o empreendimento em igualdade de condições, exceto uma: num deles você sabe que a outorga será concedida e no outro, não sabe. Qual você escolhe?
E não para por aí. Imagine agora que você atua em apenas um município, que não lhe dá segurança sobre a concessão de outorga onerosa. Aí você começa o processo de aprovação do empreendimento acima citado, e já investiu 1% quando descobre que seu pedido de outorga onerosa foi negado, o que inviabiliza o empreendimento. Só poderia parecer que o impacto não é tão grande para quem não fez a conta de que 1% de 350 milhões são 3,5 milhões.
Agora imagine que você pode tentar novamente em outro lugar do município, e para isso, continua tendo que investir, no risco, 3,5 milhões. Para recuperar os 3,5 milhões perdidos na tentativa anterior, você teria que aumentar o valor bruto para 360 milhões. Para quem você deixaria a conta dos 10 milhões adicionais? Para o comprador do imóvel, não é verdade? Pense que todos os seus concorrentes estão enfrentando o mesmo tipo de problema. Ou seja, se todos repassarem esse custo de risco adicional aos imóveis, o efeito produzido pela insegurança é o aumento do preço final do produto. Isso acontece em qualquer mercado. Por que não aconteceria no mercado imobiliário?