Por que São Paulo alaga quando chove?

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por Ricardo Trevisan, arquiteto e urbanista

Apesar de não ser exclusividade da cidade de São Paulo, os alagamentos e inundações paulistanos são sempre piores no verão. E o prognóstico não é muito bom, provavelmente a situação tende a piorar ano a ano. Veja alguns motivos para São Paulo sofrer tanto, todos os anos (se eu tiver esquecido de algum, por favor me avise):

1. Relevo: a cidade de São Paulo foi implantada numa região de rios sinuosos (veja imagens antigas do Tietê e Pinheiros). Isto significa que o relevo é relativamente plano, e a água produz meandros ao procurar o caminho para seguir. A velocidade de escoamento é baixa, mesmo quando os rios são retificados, porque a diferença de cotas não mudou.

2. Ocupação das várzeas: onde a drenagem natural é lenta, em dias de muita chuva os rios avançam para suas várzeas. As cidades brasileiras fazem uma coisa muito estúpida: constroem grandes avenidas justamente nestas várzeas, depois as urbanizam e habitam. O rio continua avançando para sua várzea, não adianta reclamar. Só que agora avança mais, veja aabaixo os motivos.

3. Mais água no sistema hídrico: é irônico, mas em São Paulo falta água. A população instalada é muito maior que sua capacidade de produzir água potável. Se dependêssemos exclusivamente de nossa capacidade de produção de água doce, estaríamos numa crise hídrica similar à do Oriente Médio. Para resolver este problema, nós “importamos” água de bacias vizinhas (já estamos trazendo água de regiões próximas à divisa com Minas Gerais!). O problema é que mais ou menos 80% da água que entra em nossa casa pelo hidrômetro, sai na forma de esgoto (chuveiro + pia da cozinha + lavatório + tanque + etc.). O esgoto é coletado e enviado para adivinhe onde… É por isso que o Tietê, mesmo com uma vazão dez vezes maior que a natural não dá conta de escoar o excedente. Mesmo quando não chove, já tem muito mais água nos rios.

4. Impermeabilização do solo: a cidade destruiu e continua destruindo seus jardins e árvores. Um jardim seco, quando recebe o primeiro pico da chuva absorve boa parte da água, que infiltra no solo e percola lentamente pelo subsolo até o lençol freático. Quando a gente concreta o jardim e coloca um piso, a água rapidamente escoa para o sistema de drenagem urbana, que por sua vez rapidamente leva essa água para (adivinhe!) nossos rios… Outro problema é que estamos acabando com as árvores. Uma árvore absorve, só por molhação, uma quantidade impressionante de água quando recebe o primeiro pico de chuva. Há propostas sérias de combater as enchentes criando bosques. Pense nisso.

5. Ilha de calor: como São Paulo eliminou sua vegetação e substituiu por concreto e asfalto predominantemente, a temperatura é maior em seu território. Isso é chamado ilha de calor, e ajuda a fazer com que as chuvas aconteçam aqui. Ajuda tanto que a cidade consegue atrair chuvas que cairiam ao seu redor numa situação natural. Ou seja, a cidade “rouba” a chuva de seus mananciais, reduz sua capacidade de produzir água e tem que trazer mais água de outras bacias, e o ciclo vicioso se aguça.

6. Mudanças climáticas: é fato, está chovendo cada vez mais, e com maior intensidade. As chuvas que caem a cada cinco anos em São Paulo (as T5, consideradas mais fracas) já têm a intensidade e volume das chuvas que costumavam cair a cada cem anos na cidade (as T100, muito mais fortes). Mas há um detalhe: as atuais T5 são ainda mais intensas que as antigas T100!

7. População mal educada: até tinha pensado em escrever este item de forma mais delicada, mas não vale a pena. Nossa população é grossa mesmo, e comete um crime imperdoável: joga lixo na rua. O lixo vai para o sistema de drenagem e (importante!) não vai para o rio, como todo mundo pensa! Ele para no meio do caminho, ninguém sabe onde, pois é muito difícil localizar. E reduz nossa capacidade de drenagem.

8. Assoreamento: esse item ficou para o final não porque é menos importante. Pelo contrário, é porque é o mais importante, na minha opinião. O seu vizinho que está fazendo uma obra na casa dele, deixou terra ou areia sujando a calçada? O problema é que esse material é carregado pela chuva e para no fundo dos rios e represas da cidade, reduzindo a vazão do sistema todo. Como a água (cada vez mais água, que chega cada vez mais rápido) não cabe dentro do rio que está cheio de terra, entulho e lixo, tem que ocupar mais ainda as várzeas, e vai até além da várzea original. Há pouco o que se fazer, pois a água que levou a terra para o rio, também levou resíduos do elemento mais porco da cidade, o automóvel. O fundo dos rios e das represas ficam cheios de partículas cancerígenas. Para retirar a terra que ficou no fundo, mexemos nessas partículas, que voltam a ficar em suspensão na água, que por sua vez é coletada para nosso abastecimento de água potável (cada vez menos potável). Como não conseguimos produzir essa água temos que trazer mais ainda das outras bacias para nosso sistema hídrico, mais água para nossos rios.

9. Piscinões em colapso: a água de chuva carrega terra, como vimos acima. Quando essa água vai para um piscinão, leva a terra junto, Quando o piscinão seca, a terra fica. Você já viu como é a manutenção de um piscinão? É uma escavação. É como se tivéssemos que construir o piscinão de novo! Você acha que o Poder Público tem capacidade de ficar fazendo isso todo ano, em todos os piscinões? É claro que não. Mas, ainda assim, estamos construindo piscinões como nunca. Pelo menos nossas empreiteiras ficam contentes…

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2 comentários em “Por que São Paulo alaga quando chove?”

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