Arquitetos, abandonemos nossos preconceitos

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Arq. Ricardo Trevisan

Desde os tempos de faculdade (quando fiz arquitetura na FAUUSP, 1996 a 2000), tenho a impressão de ver os preconceitos que herdamos e introjetamos de nossos mestres nos fazerem perder muitas oportunidades. E com o tempo, essa impressão só aumenta. Em geral, fomos criados (enquanto arquitetos) por gerações que viveram uma era de bonança no exercício da profissão, provenientes de famílias privilegiadas, cujos clientes eram pessoas de seus restritos círculos sociais igualmente privilegiados. Havia a possibilidade da arquitetura autoral, maneirista, de seguir a vanguarda artística de qualidade em encomendas para uma elite intelectual e social (nessa ordem).

Essa geração podia se dar ao luxo de não se preocupar com questões mais mundanas, bobagens para eles, como quanto custará a obra, como vender um projeto, ou mesmo o que é marketing e como se faz. Acontece que esse mundo acabou, pelo menos para a grande maioria dos arquitetos (inclusive para vários daquela geração que continuam ativos). Mas os preconceitos ficaram.

Quantos arquitetos não falam de “produzir para o mercado” como se fosse uma vergonha? Quantos não se esquivam de qualquer conhecimento sobre o mundo dos negócios como se fosse o “lado negro”? Quantos não apontam para os que “se renderam” ao mercado indicando os “maculados” e “impuros”?

Parem com isso. Em primeiro lugar, deixemos de fazer discursos bobos. Se você não produz para o mercado, não produz para ninguém, pois se existe o conceito econômico de dupla coincidência de vontades (um quer vender por um valor e outro comprar o mesmo produto ou serviço pelo mesmo valor), a transação se realiza, e o comprador é o seu mercado. Então você produz para o mercado, seja ele quem for, mesmo que seja o governo, o Estado na forma de teu patrão.

Se, ao fazer esse tipo de crítica, você se refere a uma elite ignorante, inconsequente e predatória, isto é um segmento de mercado específico. E concordo que é duro ter que trabalhar para quem só atrapalha. Mas, ainda assim, por mais difícil que seja aceitar o fato, trata-se de gente, e gente mora em algum lugar, e esse tipo específico muda o espaço a seu redor para melhor acomodar seus imensos egos. Eles vão exigir que alguém marque uma profunda alteração na paisagem. Pode ser você ou um colega incompetente. Quem você prefere? Vai deixar a cidade para o colega menos capaz? Lembre-se de que a cidade também está em lotes privados. Aliás, essa é a imensa maior parte das cidades brasileiras.

Mas, pense bem: esse é um público muito pequeno, felizmente uma minoria. Existe uma imensidão de pessoas de boa índole que também precisa morar em algum lugar, e que cada vez mais viabiliza sua habitação através da atuação de um tipo específico de empresa chamado incorporadora imobiliária. Você não quer trabalhar para elas?

Está bem, concordo que muitas delas não apresentam um passado digno de menção, mas tenho boas notícias para você. Para começar, elas estão num momento crítico da história de nosso setor na economia. Acontece que a competição está se acirrando, e vai se acirrar ainda mais. Os tempos da bonança para o investidor imobiliário que se arriscava no cenário turbulento e de alto risco brasileiro está ficando para trás. Tanto porque os riscos diminuíram, quanto porque as margens estão caindo. Além disso, recentemente o Brasil tem apresentado ótimas oportunidades para as incorporadoras, mas para aproveitá-las era necessário ter dinheiro em caixa. Quando precisamos de pouco, pedimos empréstimo. Quando precisamos de muito, precisamos de um sócio. Foi o que elas fizeram, abriram o capital e captaram recursos na bolsa. Mas, para fazer isso, era necessário cumprir uma série de exigências de governança corporativa. O resultado foi que tiveram que dar adeus a suas estruturas antiquadas de poder, rever os modelos de administração familiar, implantar a meritocracia (mesmo que parcialmente) e aderir à administração profissional.

Poucos arquitetos perceberam, mas muita coisa mudou e continua mudando em muito pouco tempo. A crise de 2008 já provocou profundas alterações no mundo dos negócios. Você sabia que as multinacionais que mais assustam os países desenvolvidos na era pós-crise são as de países emergentes? Você sabe quais oportunidades estão surgindo para os escritórios de arquitetura?

Vamos parar de pensar a curto prazo, e começar a visualizar estratégias. Começar a ler melhor o ambiente. Quais tipos de projeto ainda existirão daqui a 20 anos? E 30 anos? E 50 anos? Qual é o mercado em que brigamos no oceano vermelho? Como migrar para o oceano azul? Quais são nossas vantagens competitivas? Quais são nossas competências essenciais? Como posso me posicionar? Como posso oferecer maior valor, pelo menor custo? Posso fazer lock-in de sistemas? Posso melhorar meus processos? Consigo gerenciar melhor meus projetos?

Se você é arquiteto e não soube responder ou pelo menos estimar uma resposta às perguntas acima, é realmente uma pena. Porque os arquitetos têm a suas mãos poderosas ferramentas e capacidades para realmente provocar uma grande chacoalhada no mercado e deixar muito mais próximos os objetivos que todos nós almejamos para nossas cidades e nossa arquitetura. Os engenheiros civis já estão estudando essas questões, e estão fazendo muito mais estardalhaço que nós.

Pena que nossos preconceitos ainda nos prendam.

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