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por Ricardo Trevisan, arquiteto e urbanista
Antes de acusarmos a opção pelo modelo rodoviarista, a “falta de planejamento da cidade” (o que não é verdade, os planos foram feitos, nossos políticos e governantes é que os ignoraram) ou o “crescimento desordenado” da cidade (também contesto, talvez a ordem do crescimento é que esteja errada) pela tragédia que é o transporte público de São Paulo, é fundamental entendê-lo, e visualizar os deslocamentos da população. O desejo básico de quase todo mundo que é obrigado a viajar esmagado em nossos ônibus, trens e metrôs, é ir de casa para o trabalho e voltar no final do expediente. Simples. Por que vira uma tortura cruel em nossa cidade? Existem vários fatores que ajudam a explicar. Entre eles, a localização dos empregos, os horários dos deslocamentos e os modais (que tipo de transporte você usa).
O primeiro item, a localização dos empregos, é o que mais atrapalha qualquer idealizador de transporte urbano brasileiro, ou seja, que não tem acesso a um planejamento integrado da cidade e, portanto, não consegue influenciar na concentração dos postos de trabalho da cidade. São Paulo é uma megalópole superpopulosa e espraiada por um território muito maior que o necessário para abrigar tal população. Há uma predominância de áreas de baixa densidade demográfica, ou seja, nessas regiões há uma quantidade de pessoas morando por quilômetro quadrado inferior ao que o bairro comporta. Isto significa que as pessoas tendem a morar cada vez mais longe das áreas centrais da cidade (onde estão os empregos) e vamos avançando sobre nossas áreas de vegetação e manaciais. Aliás, a cidade já cresceu territorialmente tanto, que seria possível criar novos centros em outras regiões da cidade, de forma que não teríamos que irmos todos para os mesmos lugares de manhã nem voltarmos todos juntos para casa no final da tarde. Então porque isso não acontece? Em primeiro lugar, essa descentralização não interessa aos nossos políticos, porque isso sognificaria perda de poder. Outro motivo é que as empresas tendem a se concentrar num mesmo lugar, para obter benefícios de estar próxima de seus fornecedores e clientes. O resultado: os empregos (pelo menos os de melhor qualidade e remuneração) ficam concentrados no Centro, na Av. Paulista, na Berrini (por mais inacessível que esta avenida seja!), na Faria Lima, na Marginal Pinheiros e arredores. Essas regiões formam um território mais ou menos contínuo numa pequena porção da cidade que vai do Centro a sua porção sudoeste. E as pessoas que trabalham nesta pequena porção da cidade vêm dos mais variados bairros (e outro municípios), localizados nas mais variadas distâncias, e acessadas pelos mais variados modais (ou combinações de modais). Pronto, o que era para ser simples já complicou bastante. Mas não para por aí.
Segundo ponto: se as pessoas trabalhassem em horários escalonados, com maior flexibilidade de horários ou simplesmente com jornadas de trabalho menores (por que não?), não teríamos uma diferença de carregamento tão grande em diferentes horários. É certo que neste aspecto já evoluimos bastante, houve maior flexibilização de horários e já há muitas pessoas com horários de deslocamento alternativos. Mas ainda dá para melhorar. E muito.
Poderíamos ainda melhorar nosso transporte mesmo sem alterar nosso padrõ de distribuição espacial nem os horários de deslocamento atuais, tornando nossa estrutura de transporte atual mais inteligente. Temos um Metrô de qualidade (quando está funcionando) mas com uma rede muito curta. Temos também uma rede de trens da CPTM que, em geral, foi construída para o transporte de carga e, por isso, não tem um desenho muito inteligente para o transporte de passageiros, mas que ajuda muito por ser um transporte de alta capacidade e que pode vir a ter boa qualidade. Mas o pior são nossos ônibus. Justamente nosso pior modal é o mais caro e o mais estúpido. Existe uma forma inteligente de se trabalhar com redes de ônibus, um transporte de média capacidade, o BRT – Bus Rapid Transit – que foi utilizado em Curitiba e Bogotá. Na verdade é uma ideia bastante simples: imagine ônibus numa avenida funcionando como metrô, onde você paga a passagem antes de entrar na plataforma. Todos os ônibus fazem o mesmo trajeto, então você pega o primeiro que passar e depois faz “baldeações” para seu destino, exatamente como no Metrô. Se você duvida que possa funcionar, sugiro que visite Curitiba, onde esse sistema substitui o metrô com um ônibus a cada 45 segundos nas vias principais, ou Bogotá, onde o TransMillenio redesenhou a cidade e provou mudanças sociais positivas importantes. E São Paulo? A SPTrans insiste no modelo idiota em que o ônibus fica parado porque a catraca está bem na entrada, os ônibus formam fila, as pessoas se aglomeram, os veículos lotam, a catraca fica travada, forma mais fila… um círculo vicioso. Sem comentários.