O preço dos imóveis vai cair?

Ainda não ouvi falar de alguém que esteja adiando a compra de um carro na esperança de ver seu preço diminuir. E isso não vai ocorrer tão cedo por motivos óbvios: há um grande contingente de consumidores que continuarão a comprar automóveis no atual patamar de preços, há crédito facilitado, e não há por que acreditar que as montadoras reduziriam suas margens por aqui. Mas quando o produto em questão é um imóvel, há uma certa esperança de uma repentina e acentuada queda de preços, e há quem diga que esteja “esperando”. A crença vem de um histórico recente de altas inéditas nos preços imobiliários, que muita gente sonha em ver desfeita. O único fenômeno que poderia explicar a sonhada queda de preços seria o estouro de uma bolha imobiliária. Mas, para isso, precisaria haver uma. E há muitas evidências de que não estamos, pelo menos por enquanto, numa bolha.

O Brasil ficou muitos anos sem um sistema mais abrangente de crédito imobiliário, que até 1986 era representado pelo BNH. No início dos anos 1980, a crise do México nos atingiu, ficamos em situação frágil de crédito internacional, e isso afetou nossa economia doméstica. A inflação tomou rumos de descontrole, e havia uma séria crise política interna nos últimos anos da ditadura militar. Em 1986, com a extinção do BNH, a classe média ficou sem crédito imobiliário. E se o meio da pirâmide estava com problemas, imagine a base. O mercado imobiliário se dirigiu então para o único mercado que restou, o topo (o superprime). E começou um longo período de não atendimento à demanda imobiliária, que cresce demograficamente, ignorando a política econômica do governo.

A reversão do quadro se iniciou com a estabilização econômica, cujos efeitos se fazem sentir só após alguns anos de economia estável. A inflação foi controlada em 1994 com o Plano Real, mas a estabilização cambial só veio após 1999. A estabilidade anterior era artificial. Com a estabilidade de preços e de renda, o consumidor conseguiu se planejar financeiramente, e o crédito voltou a crescer.

Em 2001 foi aprovado o Estatuto da Cidade, que pune a retenção especulativa de imóveis urbanos não utilizados ou subutilizados. Com isso, quando os primeiros municípios começaram a notificar proprietários, que por sua vez se viram obrigados a recolocar no mercado seus terrenos (após 2003), as incorporadoras voltaram a ter uma de suas principais matérias-primas. Em seguida foi aprovado pelo governo federal a possibilidade de se utilizar a alienação fiduciária para o financiamento imobiliário, o que reduziu o risco do investimento imobiliário. Redução de risco significa redução de taxa mínima de atratividade, e ficou possível trabalhar com margens um pouco menores (até então se utilizava muito a hipoteca, figura jurídica que dava muito poder ao mutuário e criava riscos profundos ao investidor). Foi aprovado também o patrimônio de afetação e as regras contábeis de construção foram alteradas de forma a proteger os compradores de imóveis na planta. O fantasma da Encol deixaria de ser uma preocupação.

Esse cenário, por si só já seria (e foi) suficiente para uma recuperação do setor. Mas houve mais: o governo lançou mais estímulos de crédito e de programas de habitação social a fundo perdido. A demanda represada desde o final dos anos 1970 voltou a poder comprar imóveis, e até hoje ainda não foi totalmente atendida. Quando os compradores de imóveis residenciais são seus futuros moradores, a perspectiva de bolha é muito baixa. O risco desse cenário é outro: os limites de endividamento familiar.

Há outros indícios de que estejamos num patamar de preços menos irreal do que se imagina: todos os países que viveram bolhas imobiliárias perceberam flutuações bruscas de preços antes da crise. No Brasil todo, tais flutuações só foram notadas em duas capitais nos últimos anos, mesmo assim de forma muito mais discreta que por lá. Uma recente pesquisa da Bain & Company publicada na revista Exame de julho de 2013 (Maiores e Melhores) mostrou que, de 6 indicadores que precederam crises imobiliárias na Europa e Estados Unidos em 2008, apenas um é mais preocupante: o de que o crescimento dos preços foi muito superior ao da renda familiar no mesmo período. Num período em que a inflação brasileira voltou a ser uma preocupação, não seria o baixo crescimento da renda o problema? E não se esqueça de somar a tudo isso a elevação dos custos da construção civil do período.

Isso tudo significa que os preços não vão cair? Não é tão simples assim. Pesquisa recente mostrou redução em torno de 10% no valor de imóveis usados em grandes cidades brasileiras. Existem pequenos ajustes entre oferta e demanda. Mas não existem grandes recuos de preços, como muita gente anda esperando por aí. Ao que tudo indica, quem esperar pela baixa de preços talvez se veja frustado.

Atualização de 13 de setembro de 2013

Relatórios mais recentes apontam para crescimento da vacância em imóveis comerciais. Pode ser um sinal perigoso, por enquanto ainda isolado. Aguardemos.

Atualização de 20 de dezembro de 2013

Sinais mais consistentes de descolamento de preços em relação à demanda estão aparecendo em diversos relatórios. O terreno para redução de preços está se preparando. Resta saber se a redução será suave ou abrupta, quando e em que magnitude ocorrerá.

Atualização de 4 de fevereiro de 2014

Sinais claros de redução de preços em algumas capitais brasileiras. Podem ser eventos isolados ou o início de um processo de queda. Aguardaremos para saber.

Atualização de 28 de maio de 2014

Boa notícia para quem quer comprar imóveis para moradia própria: ontem, pela primeira vez em muito tempo, foram publicados dados confiáveis que indicam queda consistente e generalizada de preços de imóveis em todo o território nacional. Não espere por uma queda grande de preços (estouro de bolha). Mas uma queda de 5% já é perfeitamente aceitável na data de hoje. E essa queda pode se acentuar nos próximos meses. Além disso, há muito estoque, o que favorece o lado comprador, que agora não precisa ter pressa em fechar negócios. Já para quem quer comprar imóvel como investimento, a notícia é ruim. Pelo menos no curto prazo.

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Conheça também o livro Estrutura de capital de incorporadoras brasileiras: Teoria de Pecking Order

 

11 comentários em “O preço dos imóveis vai cair?”

  1. Acho que você está equivocado. Os preços de imóveis no Brasil atingiram índices absurdos, inflados pela bolha de crédito farto dos últimos anos, mas agora com a especulação exacerbada, a bolha inchou a um patamar insustentável. Não tem como isso terminar bem.
    É certo que o déficit habitacional no Brasil é grande e a demanda por imóveis também, mas querer comprar não significa poder. Somente 12,5% da população declarou imposto de renda esse ano, ou seja, somente essa parcela da população ganha mais de 25.000R$ por ANO. Com esse salário, não se consegue financiar um imóvel de 200 mil Reais em 35 ANOS! Agora me diga o que é possível comprar com 200 Mil reais. Em São Paulo não se compra nem um flat, no Rio só tem imóvel no meio da favela por esse preço. A bolha está inflada, chegou ao limite, as construtoras já frearam os lançamentos esse ano devido ao péssimo desempenho que tiveram (PDG, GAFISA, MRV, ROSSI e outros fundos imobiliários).

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    1. Rodolfo,

      Infelizmente não é um caso de opinião, e sim de fatos e indicadores plenamente mensuráveis. Os preços subiram em relação ao patamar em que estavam em 2005, mas esse patamar estava muito defasado. Se você atualizar os valores de 1975, verá que não são tão absurdos assim. Além disso, você pode comparar com nossos vizinhos de América Latina e verá valores até mais altos que nossos atuais, o que indica que há espaço para novas elevações. Também não há (ainda) indícios de bolha de crédito, pois nossa relação de endividamento imobiliário / PIB ainda é muito mais baixa que a média mundial.
      Sobre especulação, tratarei em outro post, porque o termo é mal utilizado. Produção é o oposto de especulação é há muitos imóveis em produção hoje.
      O poder de compra é determinado pelo valor da parcela do financiamento imobiliário, não pelo valor do imóvel. Se a parcela couber no bolso, a família compra, isso já foi comprovado.
      Tenho acompanhado muitos empreendimentos em lançamento, a maioria com valores acima de R$ 200 mil. Apesar de alguma redução na velocidade de vendas, continuam tendo boa absorção de mercado, em toda a RMSP. Portanto, não há motivo para acreditar que não haja mercado para este produto. E são apartamentos de 2 dormitórios bem maiores que um flat.
      Não sei dizer sobre o Rio, faz tempo que não vejo nada de lá, mas sei que os valores de lá são mais altos que de São Paulo e que as vendas não tiveram queda significativa a ponto de afetar os preços.
      Lembre-se que uma freada no número de lançamentos (se é que houve mesmo, e não foi apenas o efeito de um investimento diferido) é uma redução de oferta. É uma das formas mais eficazes de manutenção de preços.
      Talvez eu esteja realmente equivocado, mas ainda não vi argumentos que me convençam disso.

      RT

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    2. Como eu compro uma kitnet em São Paulo de 20m2 (para um casal) que está em torno de 170.000,00 – 200.000,00 com um salário de 2.000,00 (mesmo com o “Minha casa, Minha vida”)? Sem ter uma entrada de 90% do valor do imóvel?

      Eu acho impossível. Juntar também é impossível com aluguel de 1.300,00 sem contar condomínio, mais outros gastos.

      Se isso não estourar, não tem como comprar apartamento.

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  2. Interessante revisão dos fatos históricos relacionados a demanda represada do brasileiro por moradia. Senti falta da análise de outras questões relevantes sobre a sustentabilidade (ou não) dos atuais preços dos imóveis. Vamos lá.

    1) Hoje a relação aluguel / preço do imóvel aponta que não é interessante mais comprar um imóvel como investimento. O descasamento entre o valor do imóvel e o valor do aluguel desse mesmo imóvel é um ponto que deveria ser considerado quando se pergunta se o preço dos imóveis vai se manter nos níveis atuais.

    2) Não se discute a questão da demanda por moradia, mas como o leitor Rodolfo afirma, querer não é poder. O argumento do valor da prestação dado como resposta não se sustenta porque, embora seja verdade que o brasileiro não tem educação financeira e compra sempre que a prestação cabe no bolso, o problema é que ela não cabe! Os bancos só emprestam o dinheiro para a aquisição do imóvel se a prestação não exceder 30% da renda familiar. Uma conta de padaria mostra que uma pessoa com renda familiar de 5000 reais (uma parcela pequena da população) só poderia pegar hoje menos de 150 mil reais em um financiamento de 30 anos (e ainda teria que arcar com o valor da entrada). O que se compra hoje com 150 mil reais? Em SP apartamentos de 20 m2 estão sendo vendidos por um preço superior a esse.

    3) É preciso lembrar também que vivemos uma época difícil que deverá ficar pior no futuro. O custo de vida no Brasil tem subido acima da renda (escola, habitação, serviços) e o orçamento do brasileiro é cada vez mais apertado. Junte a isso a busca incessante das empresas por redução de custos através da automação e diminuição na mão de obra (que sugere um aumento no desemprego ou na melhor das hipóteses um crescimento pequeno na renda) e temos um cenário de aperto financeiro das famílias. Conseguirão elas honrarem por 30 anos as prestações assumidas ou veremos uma chuva de repasses a medida que a situação econômica se deteriora?

    Gostaria de ler seus comentários sobre os pontos levantados acima, se possível.

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  3. Interessante revisão dos fatos históricos relacionados a demanda represada do brasileiro por moradia. Senti falta da análise de outras questões relevantes sobre a sustentabilidade (ou não) dos atuais preços dos imóveis. Vamos lá.

    1) Hoje a relação aluguel / preço do imóvel aponta que não é interessante mais comprar um imóvel como investimento. O descasamento entre o valor do imóvel e o valor do aluguel desse mesmo imóvel é um ponto que deveria ser considerado quando se pergunta se o preço dos imóveis vai se manter nos níveis atuais.

    2) Não se discute a questão da demanda por moradia, mas como o leitor Rodolfo afirma, querer não é poder. O argumento do valor da prestação dado como resposta não se sustenta porque, embora seja verdade que o brasileiro não tem educação financeira e compra sempre que a prestação cabe no bolso, o problema é que ela não cabe! Os bancos só emprestam o dinheiro para a aquisição do imóvel se a prestação não exceder 30% da renda familiar. Uma conta de padaria mostra que uma pessoa com renda familiar de 5000 reais (uma parcela pequena da população) só poderia pegar hoje menos de 150 mil reais em um financiamento de 30 anos (e ainda teria que arcar com o valor da entrada). O que se compra hoje com 150 mil reais? Em SP apartamentos de 20 m2 estão sendo vendidos por um preço superior a esse.

    3) É preciso lembrar também que vivemos uma época difícil que deverá ficar pior no futuro. O custo de vida no Brasil tem subido acima da renda (escola, habitação, serviços) e o orçamento do brasileiro é cada vez mais apertado. Junte a isso a busca incessante das empresas por redução de custos através da automação e diminuição na mão de obra (que sugere um aumento no desemprego ou na melhor das hipóteses um crescimento pequeno na renda) e temos um cenário de aperto financeiro das famílias. Conseguirão elas honrarem por 30 anos as prestações assumidas ou veremos uma chuva de repasses a medida que a situação econômica se deteriora?

    Gostaria de ler seus comentários sobre os pontos levantados acima, se possível.

    Maurício.

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    1. Olá Maurício, obrigado pelos comentários. Vamos aos seus questionamentos:

      1) Poucas vezes na história do Brasil a aquisição de um imóvel próprio foi mais interessante que o aluguel. Isso acontece porque aqui as taxas de juros costumam ser elevadas, e faz com que ativos de baixo risco sejam atraentes o suficiente para tornar a imobilização do capital uma opção ruim frente a seu custo de oportunidade. A política da casa própria foi implantada com sucesso no imaginário coletivo brasileiro ainda pelo Estado Novo de Getúlio Vargas, por volta de 1940, e está muito presente em nossa cultura até hoje. Portanto, concordo com você: não é interessante comprar um imóvel como investimento, mas estou falando de imóveis residenciais. Comerciais são outra história. Porém, em nenhum momento de nossa história (após o Estado Novo, é claro) o valor dos aluguéis influiu muito sobre redução de preço de imóveis para venda. Talvez isso aconteça agora, mas as chances são pequenas.

      2) Seu raciocínio faz sentido pelo lado da demanda, mas o ofertante brasileiro é um pouco diferente de outros países. Aqui, o ofertante imobiliário pode ser também o especulador (aquele que retém imóveis por longos períodos aguardando uma valorização), o que é raro no exterior, mesmo em alguns países da América Latina. Diversas vezes esse cenário já ocorreu no Brasil, e a resposta foi sempre a mesma: manter o nível de preços e reduzir o mercado ao topo da pirâmide. E assim surgem novas demandas reprimidas, e nosso déficit habitacional volta a aumentar. Esse é um risco real para um futuro próximo. O que fazer? Combater a especulação. Aplicar o Estatuto da Cidade. Notificar e sobretaxar imóveis vazios, não utilizados ou sub-utilizados. A Europa já faz isso há décadas. Infelizmente, se a prestação não cabe no bolso, o credor toma o imóvel de volta e recoloca num mercado diferente. Isso é real, acontece todo dia.

      3) Sua redação é perfeitamente alinhada com meu pensamento de que nossa situação econômica é de alto risco, e o poder de compra não é tão bom quanto faz parecer a propaganda política do governo. Concordo que pode ficar bem pior no futuro, mas ainda há tempo para evitar uma catástrofe. Mas volto a afirmar: isso já ocorreu antes no país (por exemplo, no final dos anos 1970), e os ofertantes imobiliários simplesmente redirecionaram seus esforços para outro público. Esses investidores não atuam apenas no mercado imobiliário e costumam esperar ou até reduzir mercado de atuação, mas raramente reduzem preços (quem sabe agora será a primeira vez?). Em relação ao perfil de emprego no país, já enfrentamos o pior dos “downsizings” nos anos 1990, e isso não teve grandes efeitos sobre o mercado imobiliário. Por quê? O trabalhador se reposicionou, o emprego se precarizou e se tornou mais informal. Mas, com o tempo, a renda se recuperou, e as incorporadoras imobiliárias esperaram pela retomada. E se muitas famílias não puderem honrar seus compromissos, e muitos imóveis forem retomados, o investidor pula para outro barco (como já fez muitas vezes) e os imóveis perdem valor num primeiro momento e recuperam num segundo por redução de oferta. Para termos preços justos no Brasil, precisamos brigar pelo combate à especulação, incentivo à produção e ao empreendedorismo. Ainda não estou vendo essas políticas num horizonte próximo. Mas as eleições de 2014 estão aí. Quem sabe?

      Obrigado por enriquecer a discussão.

      Um abraço,

      RT

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  4. Boas perguntas, boa argumentação geral, boas respostas. Parabéns! Mas gostaria de saber como posso proceder para transformar-me em um incorporador. Possuo somente o terreno do empreendimento que pretendo desenvolver. Grato.

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    1. Edson,

      Tendo o terreno você pode fazer uma permuta por unidades com um incorporador experiente e consolidado. Assim você também já aprende um pouco mais sobre esse tipo de negócio.

      Boa sorte, e um abraço!

      RT

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      1. Olá Ricardo, grato pela pronta resposta. Tive uma proposta nesse sentido. Mas desencorajei-me após ler os contratos, avaliar os problemas decorrentes da coobrigação, responsabilidade solidária, etc.. O dono do terreno é parte passiva no negócio, não controla nada, mas com relação aos problemas torna-se solidário. Existem muitos riscos ocultos nesse tipo de transação. De qualquer forma, agradeço-o pelas informações.

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