A população urbana brasileira só ultrapassou a rural nos anos 1950, muito tarde se compararmos isso com a realidade paralela da Argentina, por exemplo. Nossos “hermanos” já eram extremamente industrializados, urbanos, instruídos, e tinham um presidente da República no final do século XIX. Tinham até água tratada distribuída em redes urbanas por Buenos Aires naquela época, antes mesmo de Chicago. Enquanto isso, nós aqui tínhamos um Imperador, engatinhávamos na construção de um conceito preliminar de nação a ser distribuído entre uma grande massa de imigrantes, ex-escravos e indígenas. Aliás, tínhamos acabado de encerrar a escravidão, um dos últimos países do mundo a fazer isso. Vergonha.
Enquanto os países mais progressistas pensavam em inovação tecnológica, produtividade e vender valor agregado para dar melhor qualidade de vida a seus habitantes, éramos um país agrário-exportador, pouco produtivo, pouco instruído, com profundas deficiências estruturais internas e sem investimentos em instituições que pudessem alterar este quadro.
Hoje, 120 anos depois, ainda temos uma economia baseada em exportação de soja, laranja, aço e minério de ferro (exportador de commodities), cada trabalhador brasileiro produz só um quinto do trabalhador norte-americano (somos pouco produtivos), temos um gargalo produtivo por falta de educação fazendo sobra de vagas de qualidade conviver com massas subempregadas (somos pouco instruídos), estamos perdendo clientes chineses porque não conseguimos escoar nossa produção de soja por estradas esburacadas, sistemas ferroviários insuficientes e portos e aeroportos arcaicos (somos estruturalmente deficientes) e estamos vendo nosso governo destruir, por interesses políticos, a Petrobrás, uma de nossas duas únicas empresas que realmente investe… ou investia em inovação e pesquisa (estamos reduzindo nossa capacidade de alterar o quadro). A outra é a Embraer. Tomara que a deixem em paz.
O imaginário do cidadão urbano da faixa de 50 anos de idade (ou menos!) ainda está impregnado com o conceito de vida rural. Não há integração com o conceito urbano de vida, ainda sonha em se aposentar e viver numa “cidadezinha do interior” (cada vez mais “inha”), ainda faz tanto barulho e bagunça na cidade como se estivesse cercado de campos e grilos.
O que mais me espanta é ver tanta gente realmente acreditando que estamos numa situação econômica confortável. Não é confortável. Não teremos muito tempo de financiamento de um país vendendo soja para a China. E se nossa precária infraestrutura continuar assim, teremos menos tempo ainda. Isso me lembra o acordo que Portugal fez com a Inglaterra no século 18, trocando seu vinho (um produto de baixo valor agregado, na época) por tecidos (um produto industrializado). Foi nessa época que a hegemonia ultramarina da península ibérica cedeu a vez, na história da humanidade, para o imperialismo britânico.
Estamos indo pelo mesmo caminho. Nossa indústria de brinquedos já foi pro buraco, agora a gente compra brinquedo chinês em troca de soja.
E ano que vem sediaremos a Copa do Mundo Caipira.